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O sobrevivente

Senador reeleito e investigado na Lava-Jato, Renan Calheiros critica MP e espera que Bolsonaro conte com as instituições quando sentir “a solidão do poder”

Oferecimento de Atualizado em 4 jun 2024, 16h33 - Publicado em 2 nov 2018, 07h00

Nos quase quarenta anos em que circula na vida política do Brasil, Renan Calheiros nunca teve uma presença discreta. Ele foi um dos principais apoiadores de Fernando Collor à Presidência, mas também um dos primeiros a romper com o então presidente por diferenças políticas, antes da derrocada. Foi ministro da Justiça de FHC e, nos 23 anos de mandato ininterrupto no Senado, sobreviveu a um pedido de cassação, a um pedido de prisão e a uma ação penal, além de ser investigado, hoje, em outros dez inquéritos na Lava-Jato. Um dos raros caciques do MDB reeleitos em 2018, Calheiros diz que Jair Bolsonaro deve buscar a convergência com o Legislativo, o Judiciário e a imprensa, e que dificilmente a reforma da Previdência será aprovada ainda neste ano. “Uma reforma com legitimidade não pode ser aprovada antes da renovação do Congresso”, afirma. A seguir, sua entrevista.

O senhor foi um dos raros casos de político tradicional — e mencionado na Lava-Jato — que se reelegeu. A que atribui o fato? O que aconteceu em Alagoas em relação a mim foi o contrário do que ocorreu nas outras eleições. Não foram os meus serviços prestados que prevaleceram. O que foi decisivo, diante da minha fraqueza e do que significou a política nesta eleição, foi a força do governador (refe­re-se a Renan Filho, seu primogênito), que fez uma gestão transformadora.

O senhor era presidente do Senado quando houve as manifestações de 2013. Diante do resultado das eleições em 2018, é possível concluir que a classe política menosprezou a mensagem das ruas? Sobretudo o governo se equivocou bastante. As manifestações congregavam vários tipos de sentimento, mas — isto é indiscutível — o maior deles era a dificuldade da população em conviver com políticas públicas deficitárias. No entanto, culparam o Congresso e não fizeram o que pedia a população.

O senhor não estava no grupo que não ouviu o apelo das ruas? Todos nós tivemos leituras equivocadas, porém eu fiz o possível para compreender o momento. O Congresso, com a frente tomada, deliberou sobre propostas que aumentaram a participação popular, que avançaram na definição de leis penais, que derrubaram privilégios, como uma benesse dada a juízes corruptos, que antes eram aposentados ao ser surpreendidos cometendo ilegalidades e agora vão para a cadeia. Mas houve leitura equivocada de todos os poderes, inclusive do Ministério Público.

“Bolsonaro é um estágio inevitável pelo qual iríamos passar. O mundo está vivendo essa experiência de escolher candidatos mais conservadores”

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Qual foi o equívoco do Ministério Público? Criamos o Ministério Público na Constituinte e estabelecemos as prerrogativas que seus integrantes têm hoje. Na presidência do Senado, votamos sua autonomia, apesar de o Brasil nunca ter dado esse crédito ao seu Parlamento. Mas eu não tive facilidade de conviver com esse grupo que dominou o MPF antes da procuradora Raquel Dodge. O grupo do Roberto Gurgel e o do Rodrigo Janot. O Janot utilizou toda a competência que o Parlamento deu ao MPF para perseguir o Senado. Não vejo mérito na delação da JBS que ele produziu, nem em sua conivência com procuradores corruptos, como o Marcelo Miller, que sempre buscaram a impunidade. Isso ficou claro quando eles defenderam, no STF, o fim do foro privilegiado para o Congresso, enquanto o Senado votava uma proposta mais ampla acabando com todos os foros privilegiados. Por que o Janot não pode ser investigado? Pode, sim.

O resultado desta eleição não mostra que, apesar de eventual excesso, a população apoia o MPF, não apoia os políticos — e, sobretudo, não apoia a corrupção? Não foi a primeira vez que as eleições tiveram essa tônica. Já tivemos Jânio Quadros, já tivemos Fernando Collor. Mas houve no Ministério Público um consórcio que incluiu setores diferenciados da sociedade com o objetivo de desqualificar a representação política. Quando isso acontece, nunca é bom para a democracia. Acho que o Brasil paga um preço agora.

O senhor acha que o Ministério Público é o responsável pelo resultado das urnas? Acho. Quando fui ministro da Justiça, defendi os estímulos à delação premiada mesmo quando ela não existia na legislação. Presidi o Congresso quando essa instituição virou lei. Mas ela não pode ser uma jabuticaba, um mecanismo usado pelo preso para ter comutada sua pena e sair da cadeia. Ela precisa necessariamente produzir provas, não vazar e não comprometer o funcionamento das instituições. Acho que ela é importante para conter os desvios, porém não pode se exceder, sob o risco de permitir injustiças.

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Como o senhor vê a indicação do juiz Sergio Moro para comandar a Justiça? Reconheço muitos méritos no juiz Sergio Moro. Mas entendo que, mesmo com essas virtudes, ele possa cometer excessos. O caso do Lula, na minha opinião, é emblemático de erro do Judiciário numa clara tentativa de dificultar sua eleição. E eu tenho convicção de que um dia ele será reparado. Quanto à indicação, acho que Moro poderia ajudar o governo no sentido de lhe dar credibilidade, levar experiência. Já se conhecem seus pontos de vista, concorde-­se ou não com eles, e eu discordo de muitos. Acho que sua presença enriqueceria a democracia e colocaria um personagem novo na vida do Executivo nacional. Ele próprio também passaria a conviver mais com a política, que é uma vivência que talvez lhe falte.

“Eleição para o Senado é como eleição para escolher o papa. Quando se convocam os cardeais, sabe-se que dali vai sair um papa. E nunca é aquele que chega proclamando-se candidato”

No auge da crise, em 2017, o senhor sugeriu que Michel Temer renunciasse. Sua renúncia poderia ter mudado o desfecho eleitoral que vemos hoje? Os nomes mais vinculados ao Michel enfrentaram insucessos nesta eleição. Romero Jucá é um deles. Não se produz um quadro político como Romero em quatro, oito anos. Poucos parlamentares na história demonstraram tanta capacidade de trabalho no Legislativo. Ele teve a oportunidade de mostrar ser um político mais amplo, mas acabou sofrendo influência deletéria do Michel. Também foi demonstrada, nesta eleição, a falência total dos partidos, que precisarão se reinventar para qualificar sua participação na vida nacional novamente. O Bolsonaro é consequência de tudo isso. Mas, ao mesmo tempo, ele é um estágio inevitável pelo qual iríamos passar. O mundo está vivendo essa experiência de escolher candidatos mais conservadores.

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As redes sociais mudaram o eixo da velha política? Elas introduziram novos elementos, mas não se governa com mandatários virtuais. Por isso, é necessário que se tenha uma interlocução competente, que se construa uma convergência. Passada essa aridez da eleição, é preciso menos Twitter e menos palpite em Brasília e mais deputado e senador de carne e osso que entendam a complexidade do processo.

O Executivo será chefiado por um grupo que tem uma base virtual muito aguerrida. Concordo, mas acho que os desafios são grandes. Bolsonaro, que foi um extraordinário candidato, precisa agora conquistar a Presidência. Uma coisa é você ganhar a eleição, outra é conquistar a Presidência, entrar no coração das pessoas, imortalizar-se. O general Dutra foi o sucessor do Vargas. O Vargas é imortal, o Dutra é um retrato na parede. O Jânio sucedeu a Juscelino. Juscelino é imortal. Jânio é uma foto de um ex-presidente com os pés trocados.

O Senado nunca esteve tão fragmentado e, pela primeira vez, terá um senador que é, ao mesmo tempo, filho do presidente da República. Como se dará o equilíbrio entre as forças? A participação dos filhos do presidente não deturpa a representação da Casa, e creio que poderá até ajudar nos momentos de maior dificuldade. Democracia é isso. Espero que Bolsonaro, que já demonstrou uma fé muito grande em si mesmo, quando for capturado pela solidão do poder, o que é inevitável, como já vi no semblante de muitos presidentes, possa ter com o Legislativo, o Judiciário e a imprensa uma oportunidade para construir coesão e fazer o país avançar. Que ele tenha uma compreensão que lhe possibilite conviver com os outros poderes e entender o papel de cada um, sabendo que, quando um poder passa do ponto, geralmente um outro faz a revisão e reequilibra as coisas.

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Bolsonaro foi eleito graças, em parte, à pauta de segurança pública. Como o senhor vê a revisão do Estatuto do Desarmamento? Sempre defendi o direito de ter uma arma em casa e sempre contrariei a vulgaridade da arma em circulação. Todos os países que reduziram a criminalidade retiraram as armas de circulação. Fui o autor da lei que proibia a venda de armas e, quando a aprovei, submeti sua vigência a um referendo popular. Realizamos o referendo e perdemos. Esse mesmo caminho pode ser utilizado por qualquer outra discussão mais complicada que precise ser enfrentada e em que haja necessidade de maior participação da população. Um dos filhos de Bolsonaro disse que eu defendo o desarmamento, que não votei a redução da maioridade e ainda recebi Fernando Haddad. Votei no Haddad porque ele significava um projeto diferente do projeto de Bolsonaro. Defendo, sim, o desarmamento e não votei a redução da maioridade porque vi uma proposta mais recomendável, que requeria a alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente. Foi o que fiz, e o projeto está tramitando na Câmara. Ninguém vai substituir o Senado. Nem o presidente nem seu filho.

O senhor acha viável a aprovação da reforma da Previdência ainda neste ano? Quem pensa em fazer isso está desde logo querendo pré-datar crises para o governo Bolsonaro. Uma reforma com legitimidade não pode ser aprovada antes da renovação do Congresso. Como vamos excluir agora uma renovação que saiu das urnas para antecipar uma votação para pré-da­tar uma crise e minar ainda mais a legitimidade do Congresso? Precisamos encerrar os mandatos e nos preparar para os novos tempos que virão com uma agenda que incorpore os interesses do Brasil, com a retomada da pujança de sua economia.

O senhor é candidato a voltar a presidir o Senado? Já presidi o Senado quatro vezes. A única disputa para a qual desde já me lanço é a reeleição para a presidência do MDB de Alagoas. Essa vou disputar voto a voto. Aqui no Senado, não cogito. O MDB tem quadros preparados. Eleição para o Senado é como eleição para escolher o papa. Quando se convocam os cardeais, sabe-se que dali vai sair um papa. E nunca acontece de ser aquele que chega proclamando-se candidato.

Publicado em VEJA de 7 de novembro de 2018, edição nº 2607

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