O senhor que aparece na foto abaixo chama-se Frederick Wassef, tem 53 anos e não gosta de ser fotografado. É uma precaução de quem se considera rodeado de inimigos declarados, conspiradores e adversários travestidos de aliados. É também uma questão de estilo: Fred, como é conhecido, prefere atuar nos bastidores, longe dos holofotes. Advogado criminalista, ele já trabalhou para pesos-pesados da iniciativa privada, como Flávio Rocha, dono da Riachuelo, e a família Guimarães, proprietária do banco BMG, mas hoje se dedica principalmente a um cliente especial: o clã dos Bolsonaro. Fred orgulha-se de ser protetor da primeira-família da República, um trabalho que, segundo diz na praça, ele faz de graça, por puro patriotismo. Não atua formalmente em processos abertos contra o presidente e seus filhos, mas participa da escolha de advogados e da definição de estratégias que serão empregadas nos tribunais e até na imprensa. Sua missão mais imediata é resguardar o mandato do senador Flávio Bolsonaro, o filho mais velho do presidente, e distanciar o clã dos rolos financeiro-milicianos do ex-motorista Fabrício Queiroz. Já seu objetivo a longo prazo é o mesmo de Jair Bolsonaro: impedir a volta do PT ao governo ou a chegada de qualquer outro partido de esquerda ao poder.
De personalidade forte e inclinação incontida para o embate, Fred conhece Bolsonaro há cerca de seis anos. Ele decidiu apresentar-se ao então deputado federal depois de acompanhar, durante dois anos, suas entrevistas e publicações em redes sociais. Esse período de namoro a distância começou quando o advogado, então hospitalizado para um tratamento de saúde, assistiu a um vídeo no YouTube em que Bolsonaro defendia o planejamento familiar. O tema é caro a Fred, um adepto da tese de que o controle da natalidade é fundamental para reduzir a criminalidade. Seu raciocínio é aquele mesmo: famílias carentes com muitos filhos acabam fornecendo mão de obra ao crime organizado e ao narcotráfico. Fred compartilha de outros pontos da cartilha bolsonarista, como o fim da “ideologia de gênero” nas escolas, a liberação da posse de arma, o desapreço pela imprensa e o mantra segundo o qual “nossa bandeira jamais será vermelha”. Há sintonia até na hora de elencar adversários.
Como o presidente da República, Fred acha que o PT e setores da mídia incentivam a homossexualidade e, ao defenderem o Estatuto do Desarmamento, deixam a população completamente desprotegida diante da bandidagem. Foi essa convergência de paixões ideológicas que levou o advogado, segundo pessoas que partilham de sua intimidade, a se oferecer para ajudar Bolsonaro.
Apesar de Fred atuar nas sombras, suas digitais aparecem em diferentes processos judiciais. Ele indicou um dos criminalistas que defendem Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal da acusação de incitação ao estupro apresentada pela deputada Maria do Rosário (PT-RS). Em 2014, Bolsonaro disse que a deputada não “merecia” ser estuprada porque era feia. Em razão da imunidade temporária garantida ao presidente da República, o processo está suspenso. Em 2015, Fred também participou da operação para arquivar uma investigação aberta pelo Ministério Público sobre as duas casas de propriedade de Bolsonaro em um condomínio na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. A suspeita era que Bolsonaro havia subfaturado os valores dos imóveis ao declará-los à Receita Federal porque não teria como justificá-los com base em seus rendimentos. Então procurador-geral da República, Rodrigo Janot arquivou o caso devido à “ausência de elementos mínimos que apontem para a prática de ilícitos penais”. Fred desdenha até hoje do episódio. Diz que a mansão de Bolsonaro nada tem de mansão.
Um dos bordões prediletos do advogado é afirmar que a primeira-família não gosta de dinheiro e vive de forma simples. Essa tese está sob discussão em outro processo em curso. O Ministério Público abriu uma investigação contra deputados estaduais do Rio para saber se eles embolsavam parte do salário dos servidores de seus gabinetes, prática conhecida como “rachadinha”. Entre os alvos da apuração está Flávio Bolsonaro, que hoje exerce o mandato de senador. O Zero Um entrou na mira dos investigadores depois que um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) detectou que o ex-motorista Fabrício Queiroz — então funcionário do gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio — havia movimentado 1,2 milhão de reais entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, valor incompatível com sua renda mensal.
Conforme revelado por VEJA, o próprio Flávio, segundo o Coaf, também movimentou recursos incompatíveis com sua capacidade financeira entre agosto de 2017 e janeiro de 2018. O MP quer saber se o valor recolhido por Queiroz de seus colegas de gabinete na Assembleia era repassado a Flávio e a outros integrantes da família Bolsonaro. A suspeita nasceu do fato de o ex-motorista ter depositado, por meio de cheques, 24 000 reais na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro. Questionado sobre a transação, o presidente disse que Queiroz estava lhe pagando um empréstimo de 40 000 reais. Hoje, Fred concentra suas forças justamente nesse imbróglio todo. O advogado está por trás de pelo menos dois argumentos apresentados pela defesa. O primeiro não convenceu ninguém: Queiroz seria um “roleiro”, e a movimentação milionária em sua conta bancária decorreria da compra e venda de carros. Até o presidente Bolsonaro usou a expressão “rolo” numa entrevista. O segundo argumento é controverso: Queiroz recolheria parte dos salários de seus colegas na Assembleia não para enriquecimento próprio ou de Flávio Bolsonaro, mas a fim de pagar a pessoas que trabalhariam de maneira informal para o hoje senador.
Quando o caso estourou e o Zero Um aparecia praticamente sozinho no centro do tablado, Fred pesquisou casos que poderiam ser enquadrados como “rachadinha” em outros gabinetes da Assembleia fluminense. O advogado tem uma queda especial por contrainformação. Sua pesquisa sobre a “rachadinha” dos outros foi apresentada aos procuradores. Hoje, 27 deputados estão sob investigação, o que reforça o exército de políticos interessados em abafar o avanço das apurações. Para Fred, o caso Queiroz tem um componente também político. Ele acha que o ex-ministro Gustavo Bebianno e o empresário Paulo Marinho conspiram para derrubar Flávio, com a ajuda de procuradores. O motivo é simples: Marinho é suplente do Zero Um e, sem Flávio, ele assumiria o mandato no Senado. Fred só se refere a Bebianno com termos chulos e palavrões. A recíproca, diga-se, é verdadeira. Nos bastidores, ambos disputaram prestígio junto à família Bolsonaro. Um dos principais duelos ocorreu ainda durante a campanha eleitoral.
Fred propôs que o empresário Flávio Rocha, de quem é amigo, fosse escolhido como vice na chapa presidencial. Se a proposta fosse aceita, Rocha poderia empenhar até 70 milhões de reais do próprio patrimônio para custear a campanha no primeiro turno. Bebianno se opôs. Os resultados são conhecidos: o general Hamilton Mourão ficou com a Vice, e a campanha de Bolsonaro gastou 2,4 milhões de reais, conforme declarado à Justiça Eleitoral. Em fevereiro, o presidente demitiu Bebianno depois de ter sido convencido pelo vereador Carlos Bolsonaro, o Zero Dois, de que ele conspirava contra o governo. Também contribuiu para a exoneração a revelação de um esquema de desvio de recursos públicos praticado durante a campanha pelo partido de Bolsonaro, o PSL, então presidido por Bebianno. Em conversas reservadas, Fred foi à desforra e disse que já havia alertado o presidente sobre o laranjal cultivado por seu desafeto.
Quando começavam a estreitar a relação, Bolsonaro e Fred fizeram uma transação comercial. Em 2015, o presidente comprou um Land Rover preto modelo 2009/2010 da empresa Compusoftware, que na época era comandada por Cristina Boner, com quem Fred mantinha um relacionamento amoroso. A sede da Compusoftware ficava em São Paulo, mas Bolsonaro, que já trabalhava em Brasília e morava no Rio, interessou-se pelo automóvel. Adversários do advogado espalham a versão de que o carro, blindado, foi um presente do amigo a Bolsonaro. A VEJA, Cristina Boner informou que uma agência de veículos intermediou o negócio e que Bolsonaro quitou a compra por meio de uma transferência eletrônica de 50 000 reais — embora o veículo, na época, fosse avaliado em cerca de 77 000 reais. Semanas depois desse esclarecimento, Bolsonaro repassou o Land Rover a André Garcia, que se apresenta como seu ex-segurança e integra o Grupo de Pronta Intervenção da Polícia Federal. Garcia pôs o carro à venda e está cobrando 60 000 reais — 10 000 reais a mais do que Bolsonaro pagou quatro anos antes. Ou seja, ou o automóvel se valorizou com o passar do tempo, o que seria uma raridade, ou o presidente conseguiu uma pechincha ao arrematá-lo.
Não é o único caso envolvendo o advogado, um carro importado e um membro do clã Bolsonaro. Fontes ligadas à família contam que no ano passado Fred, durante uma cerimônia militar no Rio, ofereceu um Land Rover de presente ao deputado Eduardo Bolsonaro. O Zero Três teria recusado, por ver na oferta uma tentativa de compra, digamos, de sua simpatia. Diante da recusa, o advogado teria dito que tudo não passava de uma brincadeira.
Procurado, Fred não quis se manifestar sobre nenhum dos pontos desta reportagem. Em conversas reservadas, o advogado costuma dizer que foi o primeiro a acreditar na eleição de Bolsonaro e o primeiro a fazer campanha por ele, pegando o capitão pela mão e apresentando-o a pessoas poderosas. Talvez por isso Fred tenha uma definição muito particular de si mesmo: “Eu sou o verdadeiro Zero Um”.
Colaborou Hugo Marques
Publicado em VEJA de 1º de maio de 2019, edição nº 2632
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