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Oposição vai usar suposta espionagem na Bahia para fustigar Rui Costa

O serviço secreto do governo está agora subordinado ao ex-governador do estado, que chefia a Casa Civil

Por Marcela Mattos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Hugo Marques Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 11h16 - Publicado em 17 mar 2023, 06h00
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  • O chefe da Casa Civil da Presidência da República é, em regra, o ministro mais poderoso de qualquer governo. Cabe a ele, entre outras coisas, definir planos de investimento, firmar parcerias com estados e municípios, coordenar ações com outras pastas. O ex-governador da Bahia Rui Costa, escolhido para ocupar o cargo, também é o primeiro auxiliar a despachar com Lula nas primeiras horas da manhã. Na terça-feira 14, o presidente ressaltou ainda mais essa supremacia ao determinar que qualquer política pública só poderá ser anunciada depois de receber o sinal verde da Casa Civil. Ou seja, nada — absolutamente nada — avança sem antes passar pelo gabinete do superministro. Antes disso, Lula já havia transferido para a pasta o comando da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), ampliando ainda mais o raio de ação do ministério. A medida é controversa e serve para alimentar as teses de utilização do serviço secreto para fins políticos, uma prática que já produziu de casos pitorescos a escândalos monumentais nas últimas décadas.

    No governo de Fernando Collor de Mello, um cidadão usando uma credencial de imprensa do Palácio do Planalto foi flagrado vigiando o trabalho dos jornalistas. O presidente Itamar Franco teve conversas íntimas interceptadas e divulgadas de maneira ilegal. Durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso, auxiliares que conduziam o processo de privatização das empresas de telefonia foram monitorados, um procurador da República que fustigava o Planalto foi envolvido numa emboscada amorosa com o objetivo de desacreditá-lo e movimentos sociais estiveram sob vigilância. No primeiro mandato de Lula, descobriu-se a existência de uma investigação que tinha como alvos um banqueiro e um ministro do Supremo Tribunal Federal considerados adversários do PT. E assim foi em todos os governos até aqui (veja o quadro).

    Rui Costa, ministro-chefe da Casa Civil
    OCTANAGEM - Costa: ministério político vai controlar agência de espionagem (José Cruz/Agência Brasil)

    Além de se converterem em escândalos, uns de maior e outros de menor magnitude, todos esses casos se conectam com interesses políticos de turno e tiveram como epicentro a Abin. A espionagem de adversários, ilegal e criminosa, é uma prática herdada da ditadura que sobreviveu à democracia. O governo Lula justificou a transferência da agência para a Casa Civil como uma forma de diminuir a influência militar e evitar o seu uso ilícito. Tomara. Até agora, no entanto, a medida surtiu um efeito contrário no cenário brasiliense. “Essa mudança é perigosa e muito preocupante. A Casa Civil é um ministério político e pode usar informações para constranger de alguma forma os adversários”, diz o senador Esperidião Amin (PP-SC), ex-presidente da Comissão de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso. “O PT sempre foi craque em lançar mão desses métodos”, adverte. A oposição já anunciou que pretende barrar a medida no Congresso e usará como munição uma acusação de espionagem que envolve o ministro Rui Costa, a quem a Abin agora está subordinada.

    O ALVO - ACM Neto: operação ilegal nas eleições de 2022, segundo ele, resultou na morte de um segurança
    O ALVO - ACM Neto: operação ilegal nas eleições de 2022, segundo ele, resultou na morte de um segurança (@ACMNetoOficial/Facebook)
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    O caso, sob investigação do Ministério Público da Bahia, apura as circunstâncias da morte de um policial militar, executado em meio a uma operação de sua própria corporação. A história tem como pano de fundo a suspeita do uso do aparelho de Estado em uma ação política clandestina. Em setembro do ano passado, durante a campanha eleitoral, a disputa pelo governo baiano afunilava entre os dois favoritos: ACM Neto, do União Brasil, e Jerônimo Rodrigues, do PT, apoiado pelo então governador Rui Costa. A vítima era segurança de ACM Neto e acompanhava o candidato num comício que seria realizado num município próximo a Itajuípe. Na véspera do evento, à noite, o policial descansava numa pousada da região, quando um destacamento da PM invadiu o quarto. Ele foi executado com seis tiros. Um colega dele, também policial e da equipe de segurança do candidato, foi atingido por outros cinco disparos, mas sobreviveu. Os dois teriam sido confundidos com traficantes. Essa é a versão oficial.

    ERRO - Cena do crime e mensagens: Polícia Militar atirou em seguranças achando que eram traficantes
    ERRO - Cena do crime e mensagens: Polícia Militar atirou em seguranças achando que eram traficantes (./Reprodução)

    Mensagens trocadas entre os policiais no dia do crime e anexadas ao pedido de investigação indicam que a Secretaria de Segurança da Bahia estaria monitorando clandestinamente o deslocamento dos carros usados pela campanha de ACM Neto. Para justificar a vigilância e permitir o acompanhamento do candidato do União, foram incluídas no sistema de busca da polícia placas de veículos que supostamente estariam sendo usados por traficantes procurados foragidos. A situação saiu do controle quando os seguranças foram vistos entrando armados na pousada. O gerente do hotel alertou uma ala da PM que não sabia da manobra. Eles consultaram as placas dos carros no sistema e viram que pertenciam a criminosos em fuga. Resultado: troca de tiros e uma morte. ACM Neto, que perdeu a eleição para o candidato do PT, não tem dúvidas de que foi alvo de operação de inteligência organizada com o aval de Rui Costa (embora não exista nenhuma comprovação disso). O objetivo, segundo ele, seria captar alguma atividade ilegal que pudesse ser usada contra ele na campanha eleitoral.

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    CERCO - Cacá Leão: abordagem policial suspeita durante a campanha
    CERCO - Cacá Leão: abordagem policial suspeita durante a campanha (Marina Ramos/Câmara dos Deputados)

    Em defesa dessa tese, aliados de Neto relatam abordagens estranhas que sofreram ao longo da campanha. Um deles, o ex-deputado Cacá Leão (PP), que disputava uma vaga para o Senado, conta que estava saindo do aeroporto de uma cidade no extremo oeste da Bahia quando o carro que usava foi subitamente fechado por duas viaturas da polícia — não havia, no local, nenhuma blitz ou barreira, nem qualquer outro evento que justificasse a abordagem da forma como aconteceu. “Foi tudo muito estranho, rude. Quando me viram, ficaram olhando, observaram o que tinha dentro do carro e, depois, mandaram seguir sem dizer nada”, lembra. O episódio aconteceu dois dias antes do assassinato do segurança. “Soubemos que a orientação era monitorar os deslocamentos dos carros da nossa equipe em busca de dinheiro ou algo que nos comprometesse”, diz ACM Neto.

    arte Abin

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    Na época, a campanha pediu ao Ministério da Justiça que apurasse o caso. Questionado na última terça-feira sobre o andamento da investigação, o ministério recomendou que a reportagem procurasse a Polícia Federal. A PF, por sua vez, disse que a resposta caberia ao Ministério da Justiça. Rui Costa também não quis se manifestar sobre o episódio. Na terça-feira, o jornal O Globo publicou uma reportagem mostrando que a Abin possui e usou um equipamento capaz de monitorar simultaneamente o deslocamento de milhares de pessoas através do sinal do aparelho celular. A ferramenta foi adquirida no fim do governo Michel Temer e, de acordo com a agência, foi usada durante os anos Bolsonaro para rastrear a movimentação de agentes estrangeiros que atuam ilegalmente no país. A princípio, portanto, nada de ilegal. O problema é acreditar nessa versão, já que o histórico e as missões do passado — atendendo ou não às ordens do mandatário de plantão — apontam sempre na direção contrária.

    Publicado em VEJA de 22 de março de 2023, edição nº 2833

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