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Manobra diversionista: as tensões entre Bolsonaro e os militares

Pressionado pelo Congresso e acuado pela pandemia, o presidente muda o ministério, indispõe-se com as Forças Armadas e presenteia o Centrão

Por Marcela Mattos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Laryssa Borges Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Edoardo Ghirotto Atualizado em 4 jun 2024, 14h14 - Publicado em 2 abr 2021, 06h00

Jair Bolsonaro sempre ataca quando se sente acuado. Sempre tenta dar demonstrações de força quando está numa situação de fragilidade. Acossado pelo agravamento da pandemia, pela crise econômica, pela queda de popularidade, pela ameaça de debandada de setores importantes de sua base de apoio e pelo pantagruelismo do Centrão, o presidente decidiu promover seis mudanças ministeriais e trocar os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. As substituições mais ruidosas ocorreram na pasta da Defesa e nas cúpulas das Forças Armadas. Convencido de que há uma campanha para tirá-lo do poder, Bolsonaro demitiu o general Fernando Azevedo e Silva, que chefiava a Defesa, e os comandantes militares porque considerou que eles se negaram a apoiá-lo, por exemplo, no embate com governadores sobre a adoção de lockdown. O ex-capitão esperava que o Exército lhe devotasse lealdade, engrossasse seu discurso contra as medidas restritivas e, assim, funcionasse como arma de persuasão na disputa política. Não conseguiu e, contrariado, usou a caneta presidencial para reformar a equipe a fim de deixá-la mais alinhada a seus objetivos — objetivo que acabou não conseguindo cumprir.

A surpreendente crise com os militares, uma das principais bases de apoio ao governo, começou na segunda-feira 29, quando a agenda de Azevedo no Palácio do Planalto previa a apresentação da chamada Ordem do Dia, mensagem que celebra o golpe militar de 1964. Ao entrar no gabinete presidencial, o ministro foi pego de surpresa. Numa conversa de menos de três minutos de duração, Bolsonaro, frio e sem rodeios, disse que precisava de seu cargo, informou-o da demissão e não proferiu uma palavra de agradecimento ao general, que comandou a Defesa por mais de dois anos. Ao deixar a reunião, Azevedo convocou os chefes das três forças e comunicou a sua saída. Em seguida, redigiu de próprio punho uma nota em que, numa tacada só, insinuava a tentativa de uso político de Exército, Marinha e Aero­náu­tica e reafirmava um princípio básico da Constituição de 1988, a primeira promulgada após a ditadura militar. “Neste período, preservei as Forças Armadas como instituições de Estado”, escreveu, referindo-se à sua gestão. A demissão contrariou os comandantes militares, que passaram a debater uma forma de manifestar solidariedade ao ex-ministro e, ao mesmo tempo, contrariedade com o presidente, que é o comandante em chefe das Forças Armadas.

NÃO MERECIA - Azevedo: a demissão sumária demorou apenas três minutos -
NÃO MERECIA - Azevedo: a demissão sumária demorou apenas três minutos – (Evaristo Sa/AFP)

O general Edson Pujol, o almirante Ilques Barbosa e o brigadeiro Antonio Carlos Bermudez decidiram, então, apresentar um pedido de renúncia coletiva, mas foram pegos de surpresa mais uma vez. Na terça-feira 30, o novo ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, se reuniu com o trio e, repetindo o comportamento do presidente ao exonerar Azevedo, anunciou que todos estavam demitidos. Horas mais tarde, Braga Netto ainda divulgou a tal Ordem do Dia que a equipe de Azevedo havia elaborado para celebrar o regime militar: “As Forças Armadas acabaram assu­min­do a responsabilidade de pacificar o país, enfrentando os desgastes para reorganizá-­lo e garantir as liberdades democráticas que hoje desfrutamos”. Já na quarta-feira 31, aniversário de 57 anos do golpe militar, Braga Netto anunciou os nomes dos novos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica — respectivamente, o general Paulo Sérgio de Oliveira, o almirante Almir Garnier e o brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Jr. Todos posaram para foto ao lado de Bolsonaro, que conseguiu, assim, a imagem de união. Por trás das poses, porém, a questão é mais controversa. Ciente de que a demissão da antiga cúpula militar poderia lhe trazer problemas entre os fardados, o ex-capitão não partiu para a guerra. O general Paulo Sérgio de Oliveira, por exemplo, foi efetivado com base na antiguidade, um critério caro à caserna, apesar de ter contrariado o presidente ao dizer, numa entrevista recente, que o Exército já estava se preparando para uma terceira onda de Covid-19.

Desde a sua posse no Planalto, Bolsonaro cobra lealdade política dos militares, a quem reserva cargos de primeiro escalão e generosas fatias do Orçamento da União. O presidente foi atendido em diversas ocasiões. No auge da tensão entre os poderes, o próprio Azevedo sobrevoou de helicóptero, ao lado do mandatário, uma manifestação pelo fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF). Em conversas com integrantes do Judiciário, Azevedo também ecoou Bolsonaro ao dizer que a decisão do STF de suspender a nomeação de Alexandre Ramagem para o cargo de diretor-geral da Polícia Federal representava usurpação de competência exclusiva do presidente da República. Na mesma época, o general Luiz Eduardo Ramos, que acaba de trocar a Secretaria de Governo pela Casa Civil, recomendou em tom de ameaça, numa entrevista a VEJA, ao Judiciário que não esticasse ainda mais a corda, sob o risco de enfrentar uma reação à altura. Comportamentos como esse levaram integrantes da oposição a difundir a suspeita de que as Forças Armadas, aparentemente cooptadas, poderiam se transformar em milícias nas mãos de Bolsonaro — ou, ainda, transformar-se no “meu Exército verde-oliva”, como declarou o presidente recentemente.

A AMEAÇA - Lockdown em várias cidades: a preocupação do Planalto -
A AMEAÇA - Lockdown em várias cidades: a preocupação do Planalto – (Ronaldo Silva/Futura Press)
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Um importante ponto de inflexão na postura dos oficiais partiu do general Edson Pujol, quando ele ainda era comandante do Exército. Primeiro, Pujol se recusou a cumprimentar o presidente com um aperto de mãos e, como alternativa, ofereceu-lhe o cotovelo, num sinal claro de respeito às recomendações sanitárias em tempos de pandemia. Depois, afirmou publicamente que as Forças Armadas eram instituições de Estado e não deveriam se meter em disputa política. Por pelo menos três vezes, Bolsonaro tentou demitir Pujol, mas não conseguiu. Diante da resistência de Azevedo e dos comandantes militares de embarcar na campanha contra o lock­down, o presidente agora deu a canetada que sacramentou a exoneração coletiva. Impetuoso, e também para acobertar as outras trocas de ministérios, o ex-capitão mostrava assim que podia mais que oficiais graduados. A questão é que, mais uma vez, demonstrou fraqueza. Até pouco tempo atrás, pensava-se que as Forças Armadas batiam continência ao projeto bolsonarista. Sabe-se hoje que a tropa está, no mínimo, rachada.

PRESSÃO - Queiroga: troca depois do agravamento de contaminação e mortes -
PRESSÃO - Queiroga: troca depois do agravamento de contaminação e mortes – (Tony Winston/MS/.)

Desde o início deste ano, Bolsonaro promoveu mudanças em sete ministérios. A primeira foi na Saúde, com a substituição do general Eduardo Pazuello pelo cardiologista Marcelo Queiroga. Essa troca ocorreu diante do agravamento da pandemia, dos recordes sucessivos do número de mortes e da pressão do chamado Centrão, que queria emplacar um de seus quadros no cargo. A segunda etapa de reorganização da equipe de governo, que envolveu seis ministérios, também teve a digital do Centrão, que cobrou a demissão de Ernes­to Araújo do comando do Itamaraty. O grupo foi atendido, mas não conseguiu fazer o sucessor de Araújo no posto, para o qual foi nomeado o diplomata Carlos Alberto França, que já chefiou o cerimonial da Presidência da República. Ou seja: tanto na Saúde quanto no Itamaraty, o presidente efetivou pessoas com perfis diferentes dos antecessores, bem mais maleáveis, mas inegavelmente próximas a ele. O Centrão acabou contemplado com a mudança na Secretaria de Governo. O general Luiz Eduardo Ramos, agora chefe da Casa Civil, foi substituído pela deputada de primeiro mandato Flávia Arruda, que é filiada ao PL do notório Valdemar Costa Neto (veja reportagem na pág. 36).

As duas últimas alterações ministeriais também revelam uma tentativa do presidente de fortalecer a sua posição. Ele remanejou André Mendonça, que estava na Justiça, para a Advocacia-Geral da União (AGU), que era chefiada por José Levi do Amaral. Para a pasta da Justiça foi nomeado Anderson Torres, amigo dos filhos do presidente da República. A missão de Torres é considerada estratégica. Caberá a ele impedir uma crise com outra base de apoio que até aqui se mostrou leal ao presidente. Em quase trinta anos como deputado de baixo clero, Bolsonaro defendeu pautas corporativas das polícias. Na Presidência, dedicou-se ainda mais a essa tarefa, por meio de pequenos gestos de deferência, como a participação em eventos da categoria, e de uma boa dose de generosidade orçamentária. Bolsonaristas chegaram a apoiar um motim de policiais militares e, até por isso, nunca se sentiram constrangidos em usá-los como instrumento de disputa política. Recentemente, aliados do presidente espalharam nas redes sociais a versão mentirosa de que um PM foi morto por colegas na Bahia por se recusar a prender cidadãos que desrespeitavam medidas de restrição impostas para conter a pandemia de Covid-19.

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DE NOVO - PM morto na Bahia: mais uma fake news dos radicais -
DE NOVO - PM morto na Bahia: mais uma fake news dos radicais – (//Reprodução)

Como os militares, os policiais mantinham uma relação harmoniosa com o Planalto. Agora, no entanto, há ruídos crescentes. Torres, o novo ministro da Justiça, terá de lidar com uma série de insatisfações. Os policiais reclamam da demora para serem vacinados, da chamada PEC Emergencial, que criaria gatilhos capazes de congelar salários por quinze anos, e até da proposta de reforma administrativa. “Em relação à base, muita gente está indignada. Não há nada condizente com o que o presidente falava na campanha e com a forma como o seu governo se porta”, diz o secretário-geral da União dos Policiais do Brasil, Marcos Camargo. De acordo com o último anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, há um eleitorado de 18,5 milhões de pessoas formado por militares e policiais e seus familiares diretos. A prioridade de Bolsonaro é mantê-­los a seu lado até a eleição de 2022. A sua reação, evidenciada sobretudo pelas mudanças no Ministério da Defesa e da Justiça, não deixa dúvidas quanto a isso.

Nada foi por acaso

Com um olho no desgaste provocado pela crise sanitária e o outro voltado para 2022, Bolsonaro muda o ministério para pacificar algumas áreas, cede às pressões políticas e ao mesmo tempo fortalece suas posições em determinados setores

Carlos Alberto França e Ernesto Araújo -
Carlos Alberto França e Ernesto Araújo – (Reprodução/Evaristo Sa/AFP)
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Estilos bem diferentes
Discreto, o diplomata Carlos Alberto França tem a missão de reconstruir o que foi destruído pelas pregações lunáticas do ex-chanceler Ernesto Araújo

Anderson Torres e André Mendonça -
Anderson Torres e André Mendonça – (Isaac Amorim/MJSP/Isac Nóbrega/PR)

Amarrando as corporações
O delegado da Polícia Federal Anderson Torres assume o Ministério da Justiça no lugar do advogado André Mendonça, que foi transferido para a Advocacia-Geral da União

Flávia Arruda e Luiz Ramos -
Flávia Arruda e Luiz Ramos – (Geraldo Magela/Senado; Wallace Martins/Futura Press)
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O oásis do centrão
Na Secretaria de Governo, a deputada Flávia Arruda (PL-DF), que substituirá o general Luiz Ramos, vai cuidar da articulação política e da distribuição de milhares de cargos

Publicado em VEJA de 7 de abril de 2021, edição nº 2732

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