Havia um ar de indignação entre os cerca de setenta fiéis que aguardavam o pastor Gilmar Santos no domingo 26, em sua primeira aparição pública depois de ter sido preso quatro dias antes, acusado de participar de um suposto esquema de corrupção e tráfico de influência no Ministério da Educação. No templo da Assembleia de Deus nos arredores de Goiânia (GO), a intenção era somente a de prestar solidariedade ao religioso, sem muito alarde, sem criar qualquer tipo de constrangimento. O que tinha acontecido, afinal, era apenas parte de uma guerra santa contra os evangélicos. Diferentemente de outros dias, cartazes grudados nas paredes da igreja informavam que era proibido usar aparelhos celulares. Diferentemente de outros cultos, Gilmar no início se manteve em silêncio, orando e cantando de braços erguidos, como se estivesse suplicando algo. Ele assumiu o protagonismo da cerimônia apenas depois que voluntários cruzaram as cadeiras recolhendo doações em dinheiro. Um telão instalado sobre o altar lembrava que as doações também poderiam ser feitas através de cartões de crédito, de débito ou transferências via Pix.
Terminada a coleta, o telão exibiu as mensagens de solidariedade ao pastor. “Estamos juntos! Conte conosco sempre! Pastor Gilmar, nós te amamos. Prossiga, Deus é contigo.” Já estava previamente acertado entre os líderes da igreja que o templo não seria usado para expor um caso de polícia. Por isso, ao assumir o microfone, Santos se limitou a agradecer o apoio, sem mencionar o escândalo. “Hoje, para mim, tornou-se um dia eterno. Nunca esqueçam o que os senhores vão ouvir, os pais, os filhos, as crianças, os jovens, os adolescentes, os obreiros… Eu vivo para Deus, para minha família e para vocês. Haja o que houver, venha o que vier, aconteça o que acontecer, até as crianças saberão que a vida do pastor Gilmar é uma carta aberta”, disse, encerrando sua participação no culto, conforme havia sido combinado.
Porém, alguns minutos depois, fora do script, o pastor retornou ao centro do altar para chamar a atenção de uma mulher que empunhava um celular, suspeitando que se tratava de uma jornalista. “Deixa eu lhe dizer uma coisa: independente da sua profissão, Jesus te ama. Eu gostaria de dar um abraço em você. Venha cá, meu amor”, convidou Santos. A mulher, constrangida, permaneceu onde estava. O breve entrevero fez o pastor se sentir obrigado a dar uma explicação aos fiéis sobre as acusações de tráfico de influência. “Eu já avisei que nós temos recebido muitos telefonemas, pedindo uma coletiva. Mas vai chegar a hora, em nome de Jesus. Não temos de baixar o nível, desrespeitar, entrar em confronto. Nós somos a igreja de Jesus, a agência do céu, mensageiros da paz”, disse ele. Assunto encerrado. No culto seguinte, na terça-feira 28, o escândalo já era tratado como coisa do passado. A certa altura da celebração, um dos pastores pediu uma manifestação do público. “Quem aqui vai para o céu?”, perguntou. Os fiéis que lotavam o templo ergueram os braços — Gilmar Santos entre eles.
Em Brasília, o caso ainda promete muito barulho. Na mesma terça-feira, foi apresentado um requerimento para a criação de uma CPI. A ideia dos senadores que assinaram o pedido é instalar a comissão a partir de agosto, no meio da campanha presidencial, e arrastar as investigações até o dia das eleições, criando uma nova fonte de desgastes a Jair Bolsonaro. Dono de um orçamento de 65 bilhões de reais só em 2022, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), responsável pela liberação de recursos, entre outros, para a construção de escolas, está no centro das suspeitas de que um balcão de negócios foi montado pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, ambos presos ao lado do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro em uma operação da Polícia Federal. A suspeita é de que os dois religiosos tinham ingerência sobre o destino do dinheiro do FNDE, cobravam e recebiam comissões a cada liberação.
Uma das estratégias eleitorais de Bolsonaro é mostrar a multiplicidade de escândalos ocorridos durante a gestão do ex-presidente Lula. Uma investigação de corrupção envolvendo um de seus auxiliares enfraqueceria esse discurso. Mirando nisso, os parlamentares de oposição já elaboram um roteiro para o caso de a CPI ser efetivamente criada. De imediato, querem ouvir os pastores, embora saibam que ninguém costuma ir ao Congresso confessar pecados. O pastor Gilmar Santos, por exemplo, não deve ser a exceção. Ele afirma ter a convicção de que não fez nada de errado. Aproveitava somente o acesso privilegiado que tinha ao gabinete de Milton Ribeiro, que também é pastor evangélico, para acelerar a liberação de recursos de interesse das prefeituras. Em contrapartida, pedia uma “contribuição” para a igreja — uma espécie de “dízimo”. Nada além disso.
Publicado em VEJA de 6 de julho de 2022, edição nº 2796