Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana

Os bastidores do ruidoso divórcio eleitoral do PDT e PT no Ceará

Aliança mais antiga à frente de um estado chega ao fim em razão da disputa entre Lula e Ciro e da reação à ascensão política de Camilo Santana

Por Diogo Magri Atualizado em 4 jun 2024, 11h20 - Publicado em 30 jul 2022, 08h00

A recente declaração de Ciro Gomes de que “não há caminho” para apoio a Lula no segundo turno é reflexo de uma série de mágoas da última eleição e também de uma vitriólica divergência num palanque estadual. Em 2006, Ciro ajudou a construir uma frente de centro-esquerda com nove partidos, entre eles o PT do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e conseguiu que seu irmão, Cid Gomes, derrotasse no primeiro turno Lúcio Alcântara, candidato do PSDB, sigla que governava o Ceará desde 1989. Começava ali uma hegemonia que duraria dezesseis anos, renderia quatro mandatos no governo e chegaria a 2022 como a aliança político-eleitoral mais longeva no comando de uma unidade da federação. Tudo isso, no entanto, ruiu de forma barulhenta nas últimas semanas, às vésperas do início do processo eleitoral, com tudo o que pode acontecer quando um casamento termina de forma litigiosa: acusações, ciúme, rancores variados, disputa por amigos em comum e promessas de iniciar uma vida nova mais feliz sem o antigo parceiro.

https://twitter.com/cirogomes/status/1551256542044995586/photo/1Convenção estadual do PTD oficializou a candidatura de Roberto Cláudio (de camisa branca) ao governo do Ceará teve a presença do presidenciável Ciro GomesImagem: Reprodução/Twitter/@cirogomes
VELHA DINASTIA – Ciro com Roberto Cláudio: adeus à parceria com o PT – (Reprodução/Twitter)

O responsável pelo início do bem-su­cedido matrimônio político é hoje tido como o pivô da separação. Ciro Gomes cuidava das questões nacionais do partido e deixava seu irmão resolver as alianças locais, mas em 2022 ele assumiu o protagonismo no Ceará (Cid nem compareceu à convenção estadual do PDT) e bancou o ex-prefeito de Fortaleza Roberto Cláudio como o candidato do grupo. Uma aposta com alto risco de confronto porque o PT defendia o nome de Izolda Cela, também do PDT, que era vice-governadora e assumiu o governo após a saída de Camilo Santana (PT) para disputar o Senado. Com o gesto, Ciro rachou a base aliada, viu o petismo abandonar a frente e lançar o deputado estadual Elmano de Freitas ao governo, com as bênçãos de Camilo e de Lula. Pior: Izolda saiu atirando, anunciou a desfiliação e disse que vai caminhar com o nome do PT.

A confusão ocorre justamente no momento em que o pedetista, atual terceiro colocado na corrida ao Palácio do Planalto, precisa concentrar forças para tentar sair da estagnação nas pesquisas presidenciais e se aproximar do distante pelotão da frente formado por Lula e Bolsonaro. Ao apostar em Cláudio e se desvincular do PT no estado, Ciro tentou marcar sua posição anti-Lula no cenário nacional (ele também é anti-Bolsonaro) e, no plano doméstico, frear a ascensão de Camilo, favoritíssimo ao Senado (tem mais de 60% das intenções de voto). Até aqui, a jogada parece ser um tremendo tiro no pé. Na prática, o efeito foi de ajudar o ex-aliado a se firmar de vez como a liderança política mais popular do Cea­rá. Camilo conseguiu o apoio de Izolda, que governará o estado durante a campanha eleitoral e tem quase 60% de aprovação. De quebra, emplacou como candidato Elmano de Freitas, que era o líder de seu governo na Assembleia Legislativa.

arte Ceará

Continua após a publicidade

Além disso, em poucas semanas, Camilo atraiu para a aliança o MDB do ex-presidente do Senado Eunício Oliveira (que vai sair candidato a deputado federal) e pode trazer também o PSDB de Tasso Jereissati, com quem Lula já conversa. A ideia é oferecer aos dois aliados a vaga de vice ou a suplência ao Senado — uma posição interessante porque muitos apostam que Camilo será ministro em um eventual governo Lula. O ex-governador costurou também os apoios do PCdoB e do PV e ainda tenta o do PSB, que fez aliança nacional com o petismo.

A proximidade de Izolda com Camilo Santana e o PT sempre foi vista como um problema por Ciro e seu grupo. A percepção da cúpula do PDT era que o palanque estadual tendo como protagonistas Izolda ao governo e Camilo ao Senado seria totalmente lulista — ou seja, vencer com ela seria “ganhar, mas não levar”. Mesmo perdendo o parceiro de aliança justamente no momento em que o PT é favorito nacionalmente, o PDT tenta enxergar algo positivo no fim do casamento. Argumenta, por exemplo, que a nova situação permite atrair aliados que possam ajudar tanto no plano local quanto nacional, como o PSD, a quem ofereceu o posto de vice no estado na esperança de obter apoio do partido de Gilberto Kassab na corrida presidencial — o que é difícil de acontecer.

CAVALO SELADO - Capitão Wagner: o líder nas pesquisas festeja racha governista -
CAVALO SELADO - Capitão Wagner: o líder nas pesquisas festeja racha governista – (Reprodução/Instagram)
Continua após a publicidade

Quem vê de camarote o divórcio dentre PDT e PT é o deputado federal Wagner Sousa Gomes, conhecido como Capitão Wagner, candidato ao governo cearense pelo União Brasil e apoiado pelo PL, partido do presidente Jair Bolsonaro. Líder nas pesquisas, com mais de 40% das intenções de voto em qualquer cenário, segundo o Paraná Pesquisas de julho, Wagner, um policial militar da reserva, foi alçado à política por protagonizar um motim de PMs em 2012. Ele vê no racha entre PDT e PT a sua melhor chance para vencer uma eleição majoritária após ter sofrido duas derrotas para pedetistas nas eleições de Fortaleza, em 2016 (para Roberto Cláudio) e 2020 (para José Sarto). “A população vai ver com maus olhos um grupo político que se digladia”, aposta Sargento Reginauro (União), vereador de Fortaleza, candidato a deputado estadual e braço direito de Wagner.

Nesta eleição, o candidato é favorito para chegar ao segundo turno, enquanto Roberto Cláudio e Elmano de Freitas disputam a segunda vaga. Independentemente de quem passar para o round 2, petistas e pedetistas terão de lamber as feridas para uma reconciliação de emergência. Caso contrário, a direita controlará um dos principais colégios eleitorais do Nordeste, região que a esquerda domina há anos — ameaça que também ronda estados como Pernambuco, Bahia e Piauí. Resta saber se o divórcio não deixará mágoas incuráveis. A julgar pelo tom dos últimos dias, sim. “Prevaleceu a arrogância, o capricho e a expressão de mando que subjugou os interesses dos cearenses à obsessão de poder de um só”, diz o PT do Ceará em nota sobre o gesto de Ciro. Este, por sua vez, acusa Lula de “sabotagem”. “O que está acontecendo é o seguinte: o Lula resolveu desconsiderar toda e qualquer ética e escrúpulo para destruir todos os partidos. Ele chamou o Rodrigo Neves, o Weverton Rocha, o Carlos Eduardo e tentou operar no Cea­rá”, reclamou o pedetista, enfileirando nomes do PDT no Rio de Janeiro, Maranhão e Rio Grande do Norte que o ex-presidente teria tentado atrair.

Governo Lula: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (esq.) e o ministro Ciro Gomes (Integração Nacional) durante reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, sobre Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), no Palácio do Planalto. (Brasilia, DF, 02.09.2004, 11h. Credito: Sérgio Lima/Folhapress
EX-AMIGOS - Lula e seu então ministro Ciro Gomes: afinidade política ficou no passado – (Sérgio Lima/Folhapress/.)
Continua após a publicidade

Por ironia, o duradouro casamento político no estado é um ponto fora da curva na volúvel carreira de Ciro. Nascido no PDS, partido da ditadura, ele ziguezagueou por sete legendas e transitou por grupos políticos diversos, como o tucanato e o petismo, antes de se abrigar no nacionalismo esquerdista do PDT inspirado em Leonel Brizola. Com Lula, o imbróglio cearense representa mais um capítulo do vaivém entre ambos. Ciro apoiou o petista em 1989 contra Fernando Collor. Mais tarde, foi adversário de Lula em 2002 e no ano seguinte virou ministro do petista. Depois, disputou uma vaga no segundo turno de 2018 contra Fernando Had­dad (PT) e, derrotado, se recusou a declarar apoio ao petista. Na campanha de 2022, não para de atacar tanto Lula quanto Bolsonaro e iguala ambos com frequência, o que irrita a militância petista.

Em sua última tentativa de chegar à Presidência, há quatro anos, Ciro teve o maior número de votos no Ceará, único estado onde isso aconteceu. Agora, tem menos de 15% no seu reduto e lida mal com a ascensão de uma nova liderança que pode apear seu grupo do poder local. Caso não consiga virar o jogo no placar doméstico e no nacional (o que parece ser o mais provável), será uma derrota dupla e, sem dúvida, o mais difícil revés de sua carreira.

Publicado em VEJA de 3 de agosto de 2022, edição nº 2800

Publicidade

Imagem do bloco

4 Colunas 2 Conteúdo para assinantes

Vejinhas Conteúdo para assinantes

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

a partir de 39,96/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.