De forma sub-reptícia ou declarada, há variados e sucessivos questionamentos quanto à eficiência da democracia como forma legítima de governo. Mas o que poucos percebem é que uma democracia fraca é uma rodovia aberta para a autocracia e para a ditadura. Adolf Hitler e Hugo Chávez são dois bons exemplos de exploração das contradições e das fragilidades do sistema. Se elas não existissem, nenhum dos dois teria chegado ao poder — na Alemanha e na Venezuela, respectivamente — e, a partir daí, construído regimes de exceção.
A fragilidade de uma democracia se evidencia quando as instituições não respondem aos desafios impostos pela conjuntura política, econômica e social. Tal fragilidade quase sempre decorre de aspectos estruturais que envolvem educação precária, ausência de liberdade de imprensa e falta de independência entre os poderes da República. Ocorre ainda devido à inexistência de eleições livres e justas. Também em consequência de aspectos conjunturais, como o desempenho da economia, a ausência de segurança pública, corrupção e a precariedade dos serviços públicos.
“Poucos percebem que uma democracia fraca é uma rodovia aberta para a autocracia e para a ditadura”
Em 1994, o cientista político Philippe Schmitter apontava dois riscos relevantes para a democracia: a desilusão com o desempenho real do sistema e a incapacidade de produzir um conjunto aceitável e previsível de regras para a competição e a cooperação políticas. Nesse tempo não existiam as redes sociais. Adiante, em 2013, o escritor venezuelano Moisés Naím mostrou no livro O Fim do Poder que a combinação de governos ineficientes com maior transparência e fluxo das informações fazia acelerar a desconfiança nas instituições. Para ele, essa situação produziria o maior dos riscos para a democracia: um tipo excepcionalmente perigoso de alienação descontente que leva as pessoas a se distanciar da política.
Não são poucos os que acreditam que a democracia brasileira hoje está em perigo. Tais narrativas são sustentadas por alas derrotadas da esquerda nacional, alinhadas com o universo politicamente correto e desafiadas pelas políticas conservadoras implementadas pelo governo. Mas essas narrativas também são alimentadas pelos setores mais radicais da ultradireita que apoiam o governo. Radicais não querem a democracia. A polarização pode ter o efeito perverso de afastar os que estão no centro do processo político. É um risco.
Nos momentos de polarização, que também são inerentes ao processo democrático, devemos aceitar o pensamento divergente e o que é contraditório às nossas crenças. A humanidade evolui mudando de ideias. Citando novamente Moisés Naím, o grande desafio para a democracia é aprender a organizar governos com pessoas que se odeiam e, acrescento eu, com projetos opostos. Não preconizo o império do consenso, mas a vontade da maioria dentro dos marcos constitucionais que nós mesmos estabelecemos em nossa Constituição. Assim não devemos nos distanciar da política. Tampouco atuar apenas em função de nossos interesses. A democracia nos impõe princípios que podem assegurar a convivência harmônica entre os diversos. E esses princípios devem ser valorizados e protegidos pela participação de todos.
Publicado em VEJA de 25 de dezembro de 2019, edição nº 2666