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Os pontos de tensão política que Fachin deve enfrentar na presidência do STF

O maior deles é o julgamento dos acusados de tramar um golpe de Estado entre o fim de 2022 e o início de 2023

Por Isabella Alonso Panho Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 26 set 2025, 11h41 - Publicado em 26 set 2025, 06h00

Há pouco mais de uma década, em maio de 2015, o então advogado e professor da Universidade Federal do Paraná Luiz Edson Fachin se sentou diante de dezenas de senadores para ser sabatinado antes de vestir a toga do Supremo Tribunal Federal. O ambiente político do país estava conflagrado — a Lava-Jato estava no auge, a polarização ideológica crescia e as ruas eram agitadas por grandes protestos contra Dilma Rousseff, que cairia algum tempo depois. Indicado pela petista sob a desconfiança de ser um radical progressista, ele foi inquirido por mais de doze horas na Comissão de Constituição e Justiça, até hoje a mais longa sabatina na história do STF. Questionado sobre assuntos espinhosos como aborto, drogas, família, religião, MST, maioridade penal e anistia a vítimas da ditadura, respondeu a tudo com paciência, firmeza e moderação. Na maioria dos temas, defendeu a prerrogativa do Parlamento para legislar, exaltou a Constituição e falou da necessidade de “pacificação” do país. Saiu de lá aprovado por 20 votos a 7 e desconstruiu a imagem equivocada com que fora recebido. Agora, colocará o mesmo espírito à prova, na posição de presidente do STF, como sucessor de Luís Roberto Barroso, na segunda-feira 29, em outro momento conturbado do país e, mais do que nunca, com a Suprema Corte no centro do debate político.

FIM DE UMA ERA - Barroso: gestão marcada pela firme defesa da democracia
FIM DE UMA ERA - Barroso: gestão marcada pela firme defesa da democracia (Victor Piemonte/STF)

O ponto maior de tensão é o julgamento dos acusados de tramar um golpe de Estado entre o fim de 2022 e o início de 2023, certamente o mais relevante da história do STF. Além de quatro ações penais em curso, com réus importantes ligados ao governo Jair Bolsonaro, há a possibilidade de que o ex-presidente e outros sete condenados do primeiro núcleo tentem, com recursos, levar o caso ao plenário. Há ainda no horizonte uma denúncia de potencial explosivo da Procuradoria-Geral da República contra o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-­SP) e o influenciador Paulo Figueiredo, acusados de tentarem, a partir dos EUA, onde residem, obstruir o andamento do processo, estimulando sanções do governo Donald Trump contra o país e autoridades brasileiras.

A defesa da Corte, sem dúvida, será um dos desafios de Fachin. Alvo de ataques da direita radicalizada nos últimos anos, o Supremo viu a pressão aumentar após a adesão do trumpismo à pregação bolsonarista contra o Judiciário. Na segunda-feira 22, a ofensiva americana escalou com a aplicação da Lei Magnitsky à advogada Viviane Barci, que é casada com o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso do golpe. O instrumento, que promove uma espécie de asfixia financeira global do sancionado, já tinha sido usado contra Moraes, mas a extensão à esposa do ministro indignou o STF. Flávio Dino, novo presidente da Primeira Turma, que julga o caso, chamou a medida de “injusta punição” e lamentou “que séculos de boas relações culturais entre Brasil e EUA estejam sendo atingidos de modo tão absurdo”. O tribunal, em pronunciamento institucional, disse que “as autoridades norte-americanas foram convencidas de uma narrativa que não corresponde aos fatos”. Em agosto, durante evento em São Paulo, referindo-se ao caso da sanção a Moraes, Fachin deixou claro que não será intimidado. “Punir um juiz por decisões que tenha tomado é um péssimo exemplo de interferência indevida. Funciona como ameaça, mas não vamos nos assombrar com esses ventos que sopram do Norte”, disse.

arte STF

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Outro campo minado para a presidência de Fachin é o da relação institucional com o Congresso. Há várias bombas na pauta. A mais urgente delas talvez seja a discussão parlamentar sobre anistia (ou dosimetria das penas) aos envolvidos em atos golpistas. Uma eventual concessão de amplo perdão, da forma que pleiteiam os bolsonaristas, pode obrigar o Supremo a se manifestar — vários ministros já deixaram claro que crimes contra a democracia não podem ser objeto de anistia. Tema igualmente espinhoso é a investigação conduzida pelo ministro Flávio Dino sobre o uso sem transparência das emendas orçamentárias, hoje o principal combustível político de deputados e senadores. O mesmo Dino determinou a abertura de investigação por crimes na pandemia contra Bolsonaro e mais 23 pessoas, entre eles parlamentares, como o deputado Eduardo e o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), e influenciadores de direita. Por fim, há a cassação de Alexandre Ramagem (PL-RJ), decidida no julgamento, mas que deve colocar a Câmara contra o Supremo.

Em sua presidência, Fachin precisará demonstrar a mesma capacidade de evitar atritos com o Legislativo que demonstrou em sua carreira. Em junho, quando completou uma década de STF, ele falou sobre a necessidade de o Judiciário ser mais “contido” e não invadir a “seara do legislador”. Na segunda-feira 22, no programa Diálogos Supremos, da TV Justiça, afirmou em aula magna que “ruídos” entre os poderes não significa invasão da seara de um ou outro e que “eventuais dissonâncias fazem parte do ambiente da democracia”.

DOBRADINHA - Paulo Figueiredo e Eduardo: lado a lado no banco dos réus
DOBRADINHA - Paulo Figueiredo e Eduardo: lado a lado no banco dos réus (./Reprodução)
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O perfil de Fachin tende de fato a levar mais discrição ao STF. Um indicativo é a cerimônia de posse. Diferentemente de antecessores, ele optou pelo coral Supremo Encanto, formado por servidores da Corte, para cantar o Hino Nacional. Em posses anteriores, a execução foi feita por nomes célebres como Maria Bethânia (2023, com Barroso) e Caetano Veloso (2016, com Cármen Lúcia). Fora do tribunal, tem movimentação discreta. Concede poucas entrevistas e raramente é visto em cafezinhos e coquetéis — o que contrasta com o fato de ele ser um dos poucos do tribunal a dar publicidade a sua agenda. Também tende a valorizar decisões colegiadas — uma das críticas ao tribunal é sobre o excesso de intervenções monocráticas — e o perfil institucional do STF.

Em relação à pauta, há a expectativa de uma abertura maior da Corte a demandas ligadas a direitos humanos. Na sua trajetória, por exemplo, ele suspendeu decretos de Bolsonaro que facilitavam o porte de armas, foi relator da ação que acabou com as revistas íntimas em presídios e também da chamada ADPF das Favelas, que disciplinou a atuação da polícia em comunidades.

ALVOS - Alexandre de Moraes e a esposa, Viviane Barci: punidos com a Lei Magnitsky como retaliação do governo Trump
ALVOS - Alexandre de Moraes e a esposa, Viviane Barci: punidos com a Lei Magnitsky como retaliação do governo Trump (Greg Salibian/Folhapress/.)
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Na primeira pauta definida por Fachin para o plenário, estão ações que discutem a “uberização” (se há vínculo trabalhista dos aplicativos de transporte e delivery com seus motoristas e entregadores), o direito ao silêncio durante abordagem policial e se planos de saúde podem reajustar as mensalidades de acordo com a idade do contratante, além de duas controvérsias sobre demarcações de áreas ambientais no Pará e em Santa Catarina. Fachin ainda terá de lidar com pautas polêmicas deixadas por Barroso, como a ação que discute a descriminalização do aborto nas doze primeiras semanas de gestação, o marco temporal de terras indígenas e a inconstitucionalidade da lei das bets.

De acordo com avaliação entre criminalistas, considerando-se o histórico, Fachin deve ser mais duro nas questões penais. Um dos pontos marcantes da passagem do ministro pela Corte foi sua atuação como relator da Lava-Jato, quando as decisões que tomou para punir empresários e políticos envolvidos no esquema lhe renderam o rótulo de “punitivista”. A ironia é que partiu dele a decisão que colocou Luiz Inácio Lula da Silva de volta no jogo eleitoral ao anular todas as condenações dele em março de 2021, alegando, em síntese, que ele não poderia ser processado na Justiça de Curitiba. Em abril deste ano, no entanto, Fachin abriu a divergência para manter a competência da mesma força-­tarefa sobre casos do ex-ministro Antonio Palocci — e foi voto vencido.

PRESSÃO - Flávio Dino: investigação sobre ilegalidades com emendas parlamentares tende a criar atrito com o Congresso
PRESSÃO - Flávio Dino: investigação sobre ilegalidades com emendas parlamentares tende a criar atrito com o Congresso (Fellipe Sampaio/STF)
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A passagem de bastão no Supremo é um acontecimento que ganhou relevância nos últimos anos. Antes do julgamento do mensalão, na virada dos anos 2000, a Corte vivia sob discrição. Eram tempos em que os ministros podiam andar pelas ruas sem serem reconhecidos. Os grandes casos sobre os quais o tribunal teve de se debruçar (mensalão, Lava-Jato e trama golpista), transmitidos em tempo real pela TV, transformaram o perfil do STF e de seus membros. Os ministros hoje são figuras populares, como Moraes, mas também viraram alvo de ódio. Luiz Fux e Dias Toffoli já vinham, em suas gestões, lidando com os ataques à instituição — foi Toffoli quem autorizou o inquérito das fake news, aberto para apurar ameaças à Corte e aos ministros e depois ampliado. A preocupação escalou a partir do mandato de Rosa Weber, presidente da Corte no 8 de Janeiro, que chamou de “dia da infâmia”, enquanto olhava os escombros deixados pelos invasores do STF. O mais importante legado de Barroso ao transmitir o cargo a Fachin será a firmeza que demonstrou na defesa do STF e da democracia. No dia do veredicto de Bolsonaro e aliados, ele fez questão de ir à Primeira Turma e sentar-se ao lado do então presidente do colegiado, Cristiano Zanin, para dar demonstração de apoio ao que ali seria decidido. “Barroso fez uma gestão muito firme na defesa da democracia e não esperamos nada diferente de Fachin”, diz Marco Aurélio de Carvalho, do Prerrogativas, grupo de advogados ligados ao PT.

Fachin mostrou na sabatina pela qual passou no Senado que mantém a firmeza, mesmo sob pressão. Seus compromissos com a democracia, a convivência institucional e o bem-estar social também são inegáveis. O ambiente político hostil, como tristemente tem sido praxe nos últimos anos no Brasil, será um grande desafio, mas isso certamente não vai intimidar o novo presidente do STF.

Publicado em VEJA de 25 de setembro de 2025, edição nº 2963

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