Nada preocupa tanto Jair Bolsonaro quanto a investigação sobre seu filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro, e aquilo que o presidente considera uma tentativa de adversários e autoridades públicas de associar a sua família à milícia. Na famosa reunião ministerial de abril de 2020, Bolsonaro foi enfático ao abordar o tema: “Eu não vou esperar f. a minha família, ou amigos meus, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha. Vai trocar. Se não puder trocar, troca o chefe dele. Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro. E ponto-final”. Não era bravata. Depois do encontro, foram substituídos o diretor-geral da Polícia Federal e o superintendente da corporação no estado do Rio de Janeiro. Contrariado com a mudança no comando da PF, Sergio Moro pediu demissão do cargo de ministro da Justiça e acusou o antigo chefe de tentar interferir indevidamente no órgão. A insinuação era de que Bolsonaro mexia na estrutura policial para proteger Flávio, que meses depois seria denunciado pelo Ministério Público pelos crimes de organização criminosa, peculato e lavagem de dinheiro no caso da rachadinha.
A apuração sobre a suposta interferência indevida do mandatário na PF tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) e tende a dar em nada. Já a primeira-família da República está cada vez mais perto de se livrar de suas principais preocupações. Um dos motivos é a decisão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de anular a quebra dos sigilos bancário e fiscal de Flávio, de Fabrício Queiroz, o faz-tudo do clã Bolsonaro, e de mais de noventa investigados no processo da rachadinha, o que abre caminho para que as principais provas coletadas sejam descartadas — e a denúncia contra o senador, arquivada. O outro motivo é a iminência do encerramento das apurações sobre as circunstâncias da morte de Adriano Magalhães da Nóbrega, ex-capitão do Bope que acabou expulso da Polícia Militar, aderiu ao submundo do crime, foi acusado de comandar um grupo de extermínio a serviço de uma milícia, tornou-se foragido da Justiça, mas, apesar de tudo isso, nunca deixou de ser defendido por Jair Bolsonaro, de quem se aproximou graças a Queiroz. “Ele era um herói”, disse o presidente dias depois da morte de Adriano, ocorrida em fevereiro do ano passado, no município de Esplanada, na Bahia.
Considerado testemunha-chave em diferentes enredos criminosos, Adriano tinha informações sobre a rachadinha no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) e sobre o pagamento de propina pelos contraventores a autoridades. Por isso, a sua morte, tão logo anunciada, virou tema do embate político. Adversários de Bolsonaro lançaram a suspeita, sem apresentar provas, de queima de arquivo. Já Frederick Wassef, advogado do presidente e de Flávio, disse que Adriano foi executado como parte de uma conspiração, cujo objetivo seria desgastar o governo. Os dois lados cobraram uma apuração rigorosa, mas o caso caiu no esquecimento. Até a família de Adriano deixou de lado a vontade demonstrada inicialmente para passar a história a limpo. A família recorreu à Justiça a fim de garantir o direito de mandar um perito particular ao sítio em que o ex-capitão foi morto, conseguiu a autorização para isso há mais de um ano, mas até hoje não levou o tal perito ao local. Com sentido de urgência, a família alegava que a perícia particular era crucial para demonstrar que Adriano tinha sido torturado e depois executado, e não morto numa troca de tiros, ao resistir à prisão, como alega a polícia. Com o passar do tempo, a urgência desapareceu.
Pessoas próximas a Adriano dizem que o trabalho não foi realizado devido à falta de acordo sobre o valor a ser pago pela perícia e sobre quem deve arcar com a fatura. De fato, há divergência sobre a responsabilidade pela conta, mas há, principalmente, convergência em torno da ideia de que o melhor a fazer é deixar tudo como está. Matar no peito, como fez Queiroz. O paralelo não é à toa. Queiroz e a família de Adriano têm o mesmo advogado. Em diferentes eleições, Queiroz e Adriano pediram votos para a família Bolsonaro em áreas controladas por milicianos. Pelas mãos de Queiroz, a mãe e a ex-mulher de Adriano foram contratadas para trabalhar no gabinete de Flávio na Alerj e, segundo o MP, devolveram parte dos salários que recebiam. Já Adriano, conforme revelado por VEJA, repassou 80 000 reais em espécie para ajudar Queiroz a pagar a conta de sua cirurgia para a retirada de um câncer no Hospital Albert Einstein. A parceria é antiga. O silêncio de um serve de modelo para o recolhimento da família do outro.
Outra razão para a mudança de postura dos parentes de Adriano é financeira. O ex-capitão deixou um patrimônio de cerca de 10 milhões de reais em fazendas, imóveis e dinheiro vivo. Seus rendimentos mensais variavam de 250 000 a 350 000 reais, com a exploração de jogos ilegais, grilagem de terra e venda e aluguel de apartamentos em áreas controladas pela milícia. Seus familiares e sócios estão usufruindo o espólio e acreditam que, se não mexerem no passado do ex-capitão, não serão importunados. Responsável pela investigação do caso, o Ministério Público da Bahia informou que está na fase final de análise das provas. As conclusões devem ser anunciadas em breve. Já os segredos do herói dos Bolsonaro estão fadados ao esquecimento.
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Publicado em VEJA de 17 de março de 2021, edição nº 2729