O texto compartilhado no WhatsApp nesta sexta-feira, 17, pelo presidente Jair Bolsonaro sobre a ‘ingovernabilidade’ do país no caso de o governante de plantão não ceder a ‘conchavos’ e às pressões das ‘corporações’ significa uma aposta no tudo ou nada, que lembra a estratégia adotada pelo ex-presidente Janio Quadros e que resultou na sua renúncia.
A publicação compartilhada, escrita pelo professor Paulo Portinho, fala do poder dos grupos de interesse, que têm influência sobre o governo de tal forma que não permite a nenhum governante – Bolsonaro, inclusive – implantar as políticas que defendeu na eleição e que o levaram ao poder.
“É um recado janista, como se dissesse ‘eu quero governar, mas a elite não me deixa, querem me derrubar, então vamos às ruas nos defender’”, afirmou o cientista político Sérgio Praça, professor da FGV-Rio e colunista de VEJA.
Para ele, o compartilhamento do texto pelo presidente pode ter sido uma forma de reação aos expressivos protestos de quinta-feira 15. “O resultado político tende a ser mais negativo, porque mostra a todo mundo que ele não vai moderar suas posições e que vai para o confronto”, afirmou.
Praça acredita que Bolsonaro achou que, pela devassa causada pela Operação Lava Jato, ele poderia governar diretamente com o povo, sem o apoio do Legislativo, mas ele lembra que “impeachment deixou de ser uma palavra proibida e virou uma coisa cotidiana depois do impeachment da Dilma e do quase impeachment do Temer”.
“Então é um sinal de que o Bolsonaro pensa assim: ‘estou perdendo e preciso do povo na rua para me sustentar’. É um tipo de paranoia, de teoria conspiratória que um presidente normalmente não tem”, disse. “Lembra bastante o Jânio, porque ele tinha a ideia de que confrontaria o Congresso e sairia vitorioso. Mas a história brasileira e mundial mostra que, se você confronta o Congresso, ou vence e se torna ditador, ou perde. E é muito mais plausível que perca”, analisa.
Plebiscito
Para Rafael Cortez, cientista político e sócio da Tendências Consultoria, há uma espécie de desejo plebiscitário na iniciativa do presidente. “O que me parece ser certo, independente de interpretação, é o reforço do caráter plebiscitário do modus operandi do bolsonarismo, uma relação direta entre presidente e a sociedade”, afirma.
“A mensagem reforça esse personalismo, uma estratégia de dominação carismática, acima das instituições, na qual a liderança é construída independente das regras do jogo. Ao replicar um texto cujo teor reforça uma vitimização do presidente, ele [Bolsonaro] se coloca como portador de uma missão, de ser o verdadeiro representante da soberania popular”.
Segundo ele, no momento em que percebe o questionamento de suas políticas, expresso nas manifestações de 15 de maio, Bolsonaro reforça essa aposta, mas parece não ter a devida dimensão do isolamento que começa a criar.
“De uma certa maneira, acredito que o presidente tenha tido um choque com as dificuldades de governar um país como o Brasil neste momento da história, com forte crise política e com a necessidade de um amplo debate sobre o cenário econômico. Por ora, é mais uma estratégia sobre como enfrentar a atual conjuntura adversa do que um reconhecimento de suas falhas. É uma estratégia para enfrentar a crise política, ainda que o teor do texto sugira que ele seja um nome sem a devida força para enfrentar tal crise”, disse.
Ele ressalta, no entanto, que o compartilhamento do texto pelo presidente pode ter sido, inclusive, mais uma falha na comunicação do governo. “A comunicação presidencial é tão errática que é difícil entender, de fato, qual foi a motivação. Há erros grosseiros de comunicação e compartilhar o texto, eventualmente, pode ter sido um erro. Caso seja, é só mais um exemplo desta conjuntura de rápida perda de capital político”.
Polarização
Para Rui Tavares Maluf, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, o compartilhamento do texto é uma estratégia que mostra a ideia de “operar na polarização”. “E tentar criar uma configuração para justificar seus atos, seja como uma manobra, ou significa que ele acredita que todo e qualquer processo que envolva negociação seja algo espúrio”.
Segundo ele, texto não contribui para o ambiente político neste momento, porque não dá para descolá-lo das últimas falas do presidente, sobre a mídia, sobre os protestos de 15 de maio. “É apostar na tensão, procurar a todo momento criar inimigos. No fundo, é muito parecido com o que o PT fez. De certa maneira, os extremos se tocam. O discurso de mídia como inimiga foi muito conveniente no passado e o Bolsonaro vai pelo mesmo caminho”, disse.
Maluf afirma que Bolsonaro “não tem muita desculpa”, porque esteve quase 30 anos na vida parlamentar e poderia imaginar os obstáculos do cargo. “Não é preciso estar na cadeira da Presidência para saber da dificuldade. Isso revela sua visão plana e simplificada sobre a política e só reforça a tese de que ele não está preparado para o cargo desta envergadura. Isso também revela que ele se apoia a uma lógica maniqueísta, de bem contra o mal”.