Ministro: com aumento de imposto, governo resolve crise prisional
Chefe da Defesa, Raul Jungmann diz que se a sociedade quer que o Executivo resolva os problemas dos presídios, precisa refletir se topa pagar mais tributos
O ministro da Defesa, Raul Jungmann, reconhece que fazer investimentos em presídios não é tão fácil quanto parece. Não só porque falta dinheiro público, mas também porque gera protestos da sociedade. “Se você priorizar recursos para o sistema prisional, vai apanhar.” Segundo ele, a população brasileira está com medo e se sente insegura. “Se não tem Justiça, se não tem segurança, é a Lei de Talião: olho por olho, dente por dente. É isso o que você está vendo”, diz Jungmann. Mas, então, qual seria a solução para resolver a situação caótica das penitenciárias do país e acabar de vez com a crise na segurança pública? Uma saída, segundo o ministro, é aumentar impostos: “Você topa pagar mais impostos para financiar essa parte da conta?”. “Hoje eu não dou conta das prioridades que tenho. Basta olhar o teto de gastos. Então, é uma questão para colocar para a sociedade. Se de fato se quer que o Executivo entre nisso, a sociedade tem que meditar e refletir se ela aceita ultrapassar o dogma dos impostos”, diz ele. Outra alternativa é levar a discussão para o Congresso e pensar em medidas para direcionar mais recursos aos presídios deficitários. De um jeito ou de outro, de acordo com Jungmann, o “debate tem que ser levado para a sociedade”.
As chacinas ocorridas no Complexo Prisional Anísio Jobim, em Manaus, e no Complexo Penitenciário Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista, foram acidentes ou tragédias anunciadas?
Eu diria que a tragédia anunciada é o sistema prisional brasileiro. Não é Manaus, nem Boa Vista. Isso pressiona o sistema político. Se você priorizar recursos para o sistema prisional, vai apanhar. Quer um teste? Já passei por vários. Acontece uma chacina dessas. Você entra no Facebook e põe uma frase sua sobre os direitos humanos. Você vai apanhar como nunca apanhou em sua vida. Por quê? Você tem uma população vulnerável, com medo, que não se sente protegida pelo sistema de segurança. E com o que ela reage? Ela reage com a barbárie, ou seja, bandido bom é bandido morto. Você tem alguma dúvida de qual seria o resultado se a gente fizesse um plebiscito sobre pena de morte?
Qual seria o resultado?
É evidente que o resultado, pelas pesquisas de opinião, seria favorável à pena de morte. Evidentemente que isso não é uma coisa civilizatória, que se aceita. Mas a crise no sistema de segurança faz com que a população se sinta desprotegida e vulnerável, e isso gera barbárie. Ora, se não tem Estado para mediar conflito, se não tem Justiça, se não tem segurança, é a Lei de Talião: olho por olho, dente por dente. É isso o que você está vendo. Você está vendo um processo que se retroalimenta, inclusive na barbarização de uma população que está exposta a esse tipo de situação.
O governo do presidente Michel Temer estava preparado para lidar com essa situação alarmante dos presídios brasileiros?
Desde março, temos reuniões sobre o plano de segurança nacional, seja setorial ou na Casa Civil, com o ministro Eliseu Padilha. Se preparado ou não, é uma questão subjetiva. Estou falando do Plano Nacional de Segurança. Você tem uma divisão constitucional em que o papel da segurança pública da União é residual, permanece apenas na questão das drogas, dos crimes internacionais, interestaduais. De um modo geral, a União evita entrar num problema que, primeiramente, não é dela, porque de fato não é. E, em segundo lugar, porque demandará tal volume de recursos que o poder Executivo tende a se preservar, porque tem outras prioridades para dar conta, que ele já não dá conta.
O barato, nesse caso, não sai caro?
Sim, mas o barato sai caro significa: você topa pagar mais impostos para financiar essa parte da conta? De onde vamos tirar dinheiro? Vamos ser bem objetivos, com uma visão crítica: hoje eu não dou conta das prioridades que tenho. Basta olhar o teto de gastos. Então, é uma questão para colocar para a sociedade. Se de fato se quer que o Executivo entre nisso, a sociedade tem que meditar e refletir se ela aceita ultrapassar o dogma dos impostos. Mesmo racionalizando, essa é uma situação que não vai ser só com o processo de racionalização e melhoria de gerenciamento que você vai resolver.
E como desatamos esse nó górdio do sistema penitenciário?
Olha, para mim depende de uma discussão na sociedade sobre como financiar a segurança pública. Não estou falando do governo Temer. Estou falando de maneira geral. Agora a sociedade diz: “Eu não aceito, por nada nesse mundo, falar em imposto, porque o estado é perdulário, gasta mal, porque os políticos são isso ou aquilo e aquilo outro”. Está bom. Então, vamos continuar com esse impasse. Essa é uma questão que tem que ser levada a sério. Há uma cobrança para que o executivo entre nessa questão. Mas você precisa ter meios para que o Executivo entre. Se não, a gente vai continuar nessa discussão para lá e para cá. Bom, aí você diz: “Impostos eu não aceito, não quero”. Está bem. Vamos para a segunda opção: vamos deslocar dinheiro que você tem nos fundos, abrir mão, por exemplo, do superávit… Nesse caso, a solução tem que passar pelo Congresso.
O governo já sabia que o conflito entre as facções que controlam os presídios era um barril de pólvora prestes a explodir. Por que demorou para agir? Por que o presidente Michel Temer levou quatro dias para se pronunciar a respeito da matança em Manaus?
Eu contraponho essa sua observação: ele agiu. Mandou o ministro lá para Manaus. Depois de 72 horas, ele apresentou um plano que é melhor do que está sendo avaliado e que vai se transformar num pacto, com a assinatura de todos os governadores. Esse plano já estava sendo elaborado desde o ano passado. O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, fez um bom trabalho. O importante é que o Temer agiu. Isso é mais importante que sair com uma frase.
A situação dos presídios ainda preocupa?
O crime hoje tem os seus intelectuais, que evoluíram, porque passaram a ter laços com a economia do crime, com a política do crime. Hoje, no Rio de Janeiro você tem 1 milhão de pessoas que vivem num estado de exceção, que não têm direitos e garantias constitucionais, porque ou é o controle da milícia ou é o controle do tráfico. Quem tem controle do território, tem voto. Quem tem voto, elege quem quer. Quem se elege, participa do presidencialismo de coalizão. Ou seja, vai indicar quem vai ocupar os cargos de Estado, inclusive o aparato de segurança. Isso é o coração das trevas. O Rio de Janeiro pode ser o Brasil amanhã.
Ou seja, em sua opinião, a situação atual vivida pelo Rio de Janeiro pode se alastrar pelo Brasil?
Sim, se você não fizer um corte nesse processo. Mas, para isso, você tem que cortar o nó górdio. Isso não é uma questão de o presidente decidir, de o ministro decidir. Isso é uma questão que tem que ser posta. A sociedade e o Congresso têm que dizer: nós temos um problema, temos que fazer uma inflexão aqui. Como fazemos essa inflexão? Vamos pegar fundos? Vamos criar um novo mecanismo para aplicar recursos? Essa discussão é importante.