Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana

Pátria armada: como Bolsonaro quer tornar o país ainda mais bélico

No governo atual, civis já possuem quase o dobro de poder de fogo das Polícias Militares

Por Edoardo Ghirotto Atualizado em 4 jun 2024, 13h35 - Publicado em 19 fev 2021, 06h00

Mais uma vez a estratégia de guerra se repetiu. Com a popularidade em queda e diante de uma série de questões complexas para resolver, como o agravamento da pandemia e as discussões fiscais sobre a retomada do auxílio emergencial (veja a reportagem na pág. 32), Jair Bolsonaro mirou na sua base mais radical de apoiadores, editando quatro decretos que ampliam o acesso da população às armas de fogo e restringem a capacidade das autoridades de rastrear e fiscalizar a legalidade do arsenal que está nas mãos de civis. Já era quase madrugada do sábado de Carnaval quando os dispositivos foram publicados no Diário Oficial. Horas depois, o presidente viajou para passar uns dias mergulhando e andando de jet ski nas praias de Santa Catarina. No domingo, questionado pela imprensa sobre as consequências da política bélica, jactou-se do ataque mais recente: “O povo tá vibrando”.

Bolsonaro e Projetos de Lei

Entre decretos, portarias e projetos de lei, Bolsonaro formulou em dois anos de mandato mais de trinta atos normativos para flexibilizar o acesso às armas de fogo. Os decretos da vez são mais um incentivo para ampliar a circulação de armas nas ruas. Constam entre as novas regras o aumento de quatro para seis armas que cada cidadão pode comprar (no início do governo eram duas), o afrouxamento do limite para aquisição de munições e até a autorização para que indivíduos com porte possam circular com duas armas na cintura. No mesmo pacote, itens que potencializam o poder de fogo foram excluídos da lista de controle do Exército, como é o caso de “pentes de munição” e miras telescópicas, e medidas que permitem rastrear a produção caseira de projéteis foram derrubadas. Para completar, Bolsonaro determinou que pessoas sejam avisadas com 24 horas de antecedência sobre operações de fiscalização de arsenais. “É como aumentar a potência e a velocidade de um veículo, mas retirar o cinto de segurança, o airbag e os semáforos das ruas”, critica Felippe Angeli, gerente de advocacia do Instituto Sou da Paz. Mesmo com tantas questões mais urgentes — e importantes — para debater, o Congresso agora terá de ocupar a sua agenda com a análise das medidas elaboradas pelo presidente. A oposição aos decretos já se espalhou de tal maneira que transcendeu os partidos de esquerda, rachando a própria base de apoio do capitão. Integrantes do Centrão e da bancada evangélica vocalizaram publicamente o rechaço às novas flexibilizações.

arte armas

Se mantidos, os decretos ampliarão o cenário de insegurança jurídica e institucional que o Brasil atravessa em relação às armas de fogo. Dedicados a monitorar dados dos problemáticos bancos de registros oficiais do país, os institutos Sou da Paz e Igarapé foram capazes de levantar o tamanho do estoque de armas que está em posse de civis. Pelo menos 1,1 milhão de armamentos foram legalizados junto ao Exército e à Polícia Federal até novembro de 2020. O número representa um crescimento de 65% em relação ao arsenal registrado em 2018. O acervo também é muito maior do que as 629 594 armas que estão à disposição das Polícias Militares. A preocupação aumenta porque Bolsonaro tem empoderado donos de lojas e entidades de tiro desportivo, com essas últimas saltando de 151 para 1 345 no país. As instituições, que antes eram destinadas a treinar praticantes, vêm conseguindo aval para exercer outras funções nos últimos dois anos. Os decretos mais recentes garantiram a elas a autorização para ter acesso à compra de munições originais de fábrica. “Quando diminuem as possibilidades de fiscalização, potencializa-se o incentivo ao desvio”, afirma Melina Risso, diretora do Igarapé. “Não é o cidadão de bem que está se beneficiando.” Em um episódio ocorrido em 1995 que exemplifica a problemática e traz embutida uma grande ironia, o então deputado Bolsonaro teve uma moto e uma pistola roubadas no Rio. “No final, quem ganha é o crime”, completa Risso.

Armas de Fogo no Brasil

Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, as autoridades apreenderam 105 038 armas de fogo em todo o Brasil em 2019, mas apenas 6,4% do total foi comunicado para o Exército e a PF darem baixa em seus sistemas. Isso não ocorre à toa. Grande parte do que não é registrado acaba alimentando o mercado negro de armas. As apreensões, inclusive, estão em queda desde 2018. Vozes catastrofistas temem que uma população com um grande arsenal em mãos seja um passo perigoso para o início de uma guerra civil — cenário de baixíssima (ou nenhuma) probabilidade. Na verdade, o problema real é outro. No ano passado, o país registrou aumento de 5% nos assassinatos em comparação a 2019, sendo que 70% dos homicídios no Brasil são provocados por armas de fogo. Considerando-se esse dado, abrir de vez a porteira para a passagem da política bélica só trará mais insegurança e mortes.

Publicado em VEJA de 24 de fevereiro de 2021, edição nº 2726

Publicidade

Imagem do bloco
Continua após publicidade

4 Colunas 2 Conteúdo para assinantes

Continua após publicidade

Vejinhas Conteúdo para assinantes

Continua após publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

a partir de 39,96/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.