Perigo à vista: como o governo Lula vai tentar recriar o imposto sindical
Para evitar desgastes políticos, um deputado da base aliada vai se apresentar como autor da ideia

Antes de assumir a Presidência da República, Lula era um crítico ferrenho do imposto sindical — cobrança que ele classificava como absurda e criada para alimentar o “peleguismo”. Coerente com o que pregava, em 2005, durante seu primeiro mandato, ele chegou a enviar ao Congresso um projeto extinguindo o tributo. A proposta, no entanto, serviu apenas para ampliar as sinecuras. Parlamentares aliados se limitaram a incluir as centrais sindicais entre as entidades beneficiadas com a distribuição dos recursos arrecadados a partir do desconto compulsório de um dia de salário dos trabalhadores com carteira assinada. Esse caixa bilionário que sustentou por décadas as entidades, muitas delas sem a menor representatividade, além de luxos e mordomias de muitos dirigentes, existiu até 2017, quando uma reforma na legislação finalmente pôs fim ao negócio. A mudança foi celebrada à época como um passo importante em direção à modernidade das relações entre patrões e empregados. Mas, para quem perdeu a fonte de dinheiro fácil, o que houve foi um tremendo retrocesso.
Para reverter a situação, a turma conta com o apoio de Lula, o mesmo que classificava a história como “peleguismo” no passado. Em 2022, no entanto, em busca de votos, ele se comprometeu com os sindicatos, se fosse eleito, a se empenhar em recriar o imposto. O presidente tentou cumprir a promessa logo nos primeiros meses. Numa primeira incursão, propôs a criação de uma “taxa” a ser cobrada dos trabalhadores, cujo percentual seria definido em assembleia — apenas uma roupagem nova para o velho tributo. Não colou. A repercussão negativa obrigou o governo a recuar. Uma segunda incursão está programada para as próximas semanas, dessa vez com uma novidade. O projeto de recriação do imposto vai nascer no Congresso, estratégia para tirar dos ombros do governo o peso do desgaste que uma proposta descabida como essa tende a provocar. O escolhido para assumir a missão é o deputado Luiz Gastão (PSD-CE). Em tese, será uma iniciativa de exclusiva responsabilidade do parlamentar, embora até as vírgulas da proposta estejam passando pelo crivo do Ministério do Trabalho. Patrocinador da ideia, o governo pretende permanecer anônimo.
Deputado de primeiro mandato, Luiz Gastão foi escolhido por acaso para assumir a paternidade do projeto. Empresário, ele é presidente da Federação do Comércio do Ceará e ex-vice-presidente da Confederação Nacional do Comércio — duas entidades que também eram beneficiadas com os recursos do antigo imposto. Por enquanto, a única diferença entre a proposta que será apresentada pelo parlamentar e o antigo tributo é o nome. A nova “contribuição sindical” será equivalente a um dia de trabalho. O congressista confirma a tabelinha com o governo. “O ministro do Trabalho tem acompanhado esse processo, tem dado total apoio. Quando o texto estiver pronto, vou encaminhar para a avaliação dele antes de protocolar”, conta Gastão, ressaltando que não faz bem à democracia a fragilização dos sindicatos, das centrais sindicais e das entidades patronais que perderam sua principal fonte de financiamento. Procurado por VEJA, o ministro Luiz Marinho não se pronunciou.

Com o projeto de Luiz Gastão, o combustível para o embate político está garantido. “Defendemos a autonomia de os sindicatos procurarem formas para se sustentar. Imagina o que seria dos trabalhadores sem organizações sindicais fortes”, afirma o deputado Vicentinho (PT-SP), ex-presidente da CUT. Para a oposição, especialmente em tempos de impopularidade do governo, é um prato cheio. “O Lula e o PT querem ressuscitar esse imposto para tirar dinheiro do trabalhador e repassar para os sindicatos, que vão fazer campanha para ele e para a esquerda”, diz o deputado Maurício Marcon (Podemos-RS). Se aprovada, a nova “contribuição sindical” geraria uma arrecadação superior a 4 bilhões de reais por ano. Para se ter uma ideia do que isso representa para os sindicatos, em 2017, antes de o imposto ser extinto, a CUT recebeu 62 milhões de reais. Um ano depois, sem os recursos, a receita da central caiu para 441 000.
Nos dois primeiros anos do governo Lula, a Câmara dos Deputados foi comandada por Arthur Lira (PP-AL), que se recusava a colocar em pauta propostas que representassem qualquer retrocesso às leis modernizantes aprovadas pelo Congresso no passado recente. A recriação do imposto sindical era uma delas. Foi por conta disso que a primeira incursão do governo não prosperou. Nada indica que essa postura mudará com a presidência de Hugo Motta (Republicanos-PB), que assumiu o cargo no início de fevereiro. Até o Planalto sabe que a probabilidade do projeto avançar é remota — ainda bem, diga-se. De qualquer forma, vale ficar de olho, pois o apetite para o retrocesso parece inesgotável.
Publicado em VEJA de 14 de março de 2025, edição nº 2935