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Perto de Bolsonaro, Trump parece o Churchill, diz CEO da Eurasia

Em entrevista a VEJA, Ian Bremmer diz que o 'lockdown' é fundamental para salvar a economia e que o mundo sairá da crise mais desglobalizado

Por Eduardo Gonçalves Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 27 mar 2020, 18h43 - Publicado em 27 mar 2020, 18h42

Especialista em calcular o risco de crises no mundo, o presidente e fundador da consultoria Eurasia, Ian Bremmer, se tornou, no âmbito internacional, um dos maiores críticos à forma como o presidente Jair Bolsonaro tem lidado com a crise de coronavírus. Em suas análises diárias, ele já disse à população brasileira que pratique o “distanciamento social” de Bolsonaro e que, comparado com o brasileiro, o presidente norte-americano Donald Trump parece um estadista.

Comandada por Bremmer, a consultoria já fazia projeções de que o mundo passaria por um processo de instablidade política e desglobalização antes do surgimento da pandemia do coronavírus, o que agora só tende a se amplificar. Com escritórios ao redor do mundo, incluindo o Brasil, a instituição produz análises a clientes interessados em saber onde há mais oportunidades e menos riscos para aplicar os seus investimentos. Em entrevista a VEJA, Bremmer afirmou que Bolsonaro era a “melhor oportunidade” para a implementação de uma agenda reformista no país, mas que ele vem colocando isso a perder ao priorizar a economia na fase inicial de uma crise de saúde pública.

Como o sr. analisa os pronunciamentos de Bolsonaro e Trump nesta semana de que é mais importante preservar a economia do aplicar um isolamento total para conter o coronavírus? Os dois estão preocupados com os impactos econômicos da crise, e com a sua popularidade também. Mas Trump parece estar focado em medidas de isolamento e alívio financeiro, enquanto Bolsonaro está mais concentrado no lado econômico da equação. Só que a escolha entre a saúde pública e a economia é ainda mais desafiadora para Bolsonaro, dado que o Brasil não tem as mesmas reservas econômicas que os Estados Unidos. Globalmente falando, Bolsonaro está sozinho nesta equação e está apostando perigosamente cedo na preocupação majoritária com a economia em detrimento da saúde das pessoas que movem essa economia. O tempo dirá se eles pagarão um preço político por isso.

Por que o sr. escreveu que Bolsonaro é um “líder ineficaz”? Os governos que têm anunciado medidas mais drásticas estão sendo recompensados com amplo apoio público. Bolsonaro, por outro lado, insiste em subestimar a gravidade e detona os governadores que vêm adotando ações mais fortes. Isso pode lhe custar um preço muito alto do ponto de vista da opinião pública. O único político eleito que rivaliza com Bolsonaro em ineficácia é o presidente do México, Andrés Obrador, que continua percorrendo o país e fazendo campanha. Comparado com os dois, Donald Trump até parece Winston Churchill (o grande líder inglês na II Guerra Mundial). É importante dizer que o lockdown é fundamental para salvar a economia a longo prazo.

Em março de 2016, a Eurasia classificou o impeachment de Dilma Rousseff como “provável”, o que aconteceu meses depois. Bolsonaro também pode cair? Ainda não estamos na categoria do “provável”, mas esse erro de cálculo dele acaba pondo o afastamento no radar. O potencial de ele sofrer uma queda significativa em sua popularidade e um ambiente político desafiador pós-crise criam essa possibilidade. Agora, é claro, dependerá do que ele vai fazer nos próximos meses. Os momentos mais dramáticos ainda estão por vir. Cada vez mais, Bolsonaro demonstra não ter o caráter nem a capacidade de dar uma resposta efetiva. O único lado positivo é que ele tem um time altamente qualificado, como o ministro da Saúde e a equipe econômica.

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Globalmente falando, Bolsonaro está sozinho nesta equação e está apostando perigosamente cedo na preocupação majoritária com a economia em detrimento da saúde das pessoas que movem essa economia

Logo após a eleição de 2018, a Eurasia avaliou que Bolsonaro era a “melhor oportunidade” de implementar uma agenda reformista e que as instituições brasileiras “continuavam sólidas”. Ainda concorda com isso? Sim, mas Bolsonaro está perdendo sua janela de oportunidade para fazer um bom governo. Antes dessa crise, víamos um círculo virtuoso, com um Congresso reformista e uma economia em recuperação. Esse círculo agora está quebrado com a crise. O Parlamento deve se concentrar em medidas de alívio de curto prazo, e o erro de cálculo do presidente pode levar a uma queda no seu apoio popular, o que o fará dobrar a aposta na polarização política. Algumas reformas ainda podem avançar, mas, com esses novos fatores em jogo, nossa equipe brasileira rebaixou as trajetórias de curto e de longo prazo do país. É um erro estratégico do presidente priorizar o crescimento econômico na fase inicial da crise.

Nos últimos relatórios, o sr. disse que a pandemia de coronavírus pode paralisar a globalização no mundo e até promover o fenômeno chamado de ‘desglobalização’? Pode explicar melhor. A trajetória da globalização já estava mudando, diante da guerra fria tecnológica entre os Estados Unidos e a China, bem como a importância reduzida do trabalho dos setores da indústria e serviços (também em grande parte por causa da cresicmento tecnológico). Agora, com o coronavírus, teremos uma intensificação dramática desse processo. O mundo provavelmente se afastará mais das cadeias de suprimentos “just in time” para as de “just in case”. Também haverá uma escalada na tensão entre EUA e China.

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O que o sr. acha do posicionamento de alguns setores da direita americana e brasileira de que as medidas de reação ao coronavírus podem causar mais danos do que a própria doença? Certamente, este é um dilema crítico. Permitir que a economia reinicie dá chances ao surgimento de novos surtos. A ausência de coordenação nacional e global torna esse problema ainda pior.

O erro de cálculo do presidente Jair Bolsonaro pode levar a uma queda no seu apoio popular, o que o fará dobrar a aposta na polarização política

É possível medir o impacto econômico que a pandemia terá no mundo? E no Brasil? Depois da crise, o mundo emergirá muito mais instável politicamente, o que será uma consequência muito diferente da que vivemos no estouro da bolha imobiliária de 2008 e depois do atentado de 11 de setembro de 2001. Nessas duas épocas, nós tivemos uma crise financeira global, mas a arquitetura geral da ordem geopolítica não mudou. O que nós vemos agora é o crescimento da desigualdade, da fragilização das democracias como o sistema de governança mais atraente, e da dificuldade do mundo em responder coletivamente aos desafios globais futuros, como a inteligência artificial e os problemas ambientais. No Brasil, há uma pobreza maior do que em países do hemisfério norte. Portanto, se o surto de coronavírus tiver a mesma dimensão do que nessas nações, a escala de sofrimento humano será muito maior.

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