Criada em uma família ligada à política pernambucana, Raquel Lyra fez sua estreia eleitoral em 2010, quando foi eleita deputada estadual. Obteve sua primeira vitória para cargos do Executivo quando se elegeu prefeita de Caruaru em 2016 (permaneceria à frente da cidade por mais um mandato). Em 2022, com a bênção do pai, o ex-governador João Lyra Neto, lançou-se na disputa pelo Executivo estadual e enfrentou uma tragédia no dia da votação de primeiro turno: a perda do marido e pai de seus dois filhos, Fernando Lucena. Em meio ao luto, ela seguiu em frente e terminou batendo Marília Arraes (Solidariedade), outra política de um clã tradicional e que tinha o peso do apoio de Lula. Para quem foi festejada pela enorme demonstração de resiliência na campanha e pelo fato de ser a primeira mulher eleita governadora na história de Pernambuco, as expectativas sobre sua gestão eram altas. Até aqui, no entanto, estão sendo todas frustradas.
Um retrato eloquente disso é uma pesquisa AtlasIntel de janeiro na qual Raquel Lyra aparece como o chefe de Executivo estadual com a pior avaliação do país. Ela tenta colocar a culpa na situação que herdou e até no machismo, mas até agora não convenceu muita gente. O governo já começou de forma conturbada, após um polêmico “exoneraço” de todos os servidores comissionados da administração direta, de autarquias e de órgãos da estrutura estadual. A previsível gritaria de associações e sindicatos acabou se sobrepondo à racionalidade da decisão. Desde então, os problemas se multiplicaram. Na segurança pública, o estado fechou o mês de janeiro com 359 mortes violentas intencionais — resultado recorde desde março de 2020. O entendimento dela com a polícia é bem ruim. As forças de segurança cobram a governadora por mais diálogo e melhores condições de trabalho. Em janeiro, a Polícia Civil fez uma paralisação de 24 horas em protesto. O governo enfrenta ainda problemas sérios na saúde, como falta de medicamentos e de insumos.
O partido de Raquel, o PSDB, mais atrapalha do que ajuda, embora a lógica seria que a combalida legenda dedicasse atenção especial a um dos três únicos estados governados hoje pela agremiação. No campo político local, os tucanos fornecem uma base muito frágil. Recentemente, ela perdeu a batalha para suspender trechos da Lei Orçamentária Anual, que haviam sido aprovados pelo Legislativo e vetados pelo Executivo. Restou à governadora a alternativa de recorrer ao STF para tentar virar o jogo, movimento que incendiou ainda mais sua problemática relação com os parlamentares.
Se não bastasse a ineficiência da bancada governista, volta e meia saem de lá disparos de “fogo amigo”. O episódio mais constrangedor ocorreu logo na abertura dos trabalhos do Legislativo, quando o presidente da Casa, Álvaro Porto (PSDB), não percebeu que o microfone estava ligado e disse a um interlocutor que a governadora “conversou m… demais e não disse nada”. Porto, aliás, foi um dos trinta deputados que votou a favor da derrubada dos vetos no Orçamento. Ele também criticou nas redes a ausência de diálogo dos deputados com Lyra, mas apagou a publicação. “Estamos tentando contornar esse desgaste entre Executivo e Legislativo. A relação ficou estremecida”, admite o deputado Izaías Régis (PSDB), líder do governo na Assembleia.
Diante da situação, a governadora tomou uma atitude arriscada, a de procurar ajuda no campo inimigo. De olho na dependência de verbas federais para tentar dar uma guinada na sua gestão, ela tem feito acenos ao presidente Lula nos últimos meses e pediu a lideranças tucanas para que o PSDB deixe de ser oposição ao governo e passe a ocupar uma posição de independência junto ao Palácio do Planalto. A sugestão foi rechaçada de imediato. “O partido sempre foi antagonista do PT”, diz o presidente da legenda, Marconi Perillo, mas acrescentando que ela tem “toda a liberdade” para fazer alianças com o governo federal no campo administrativo. Apesar das divergências, a tucana afirma que não deve deixar o partido por enquanto. Nos bastidores, porém, ela tem sido cortejada por outras legendas, como o PSD e o MDB.
A popularidade em baixa de Lyra contrasta com a do prefeito de Recife, João Campos (PSB). Em sondagem recente feita pelo Instituto Paraná Pesquisas, ele seria reeleito em primeiro turno, com 64,6% dos votos. Sua gestão recebe 80% de aprovação entre os eleitores da capital, enquanto a da governadora é reprovada por 58,4%. Assim, enquanto Campos curte céu de brigadeiro, Raquel Lyra vive às voltas com as agruras de enfrentar uma tempestade perfeita.
Publicado em VEJA de 8 de março de 2024, edição nº 2883