Ricardo Salles sempre foi bastante controverso no comando da pasta do Meio Ambiente: comprou briga com ecologistas, perdeu dinheiro de fundos internacionais para a Amazônia, questionou os dados que apontavam alta do desmatamento e das queimadas e desmantelou o Ibama. Até 2020, o momento mais marcante de sua atuação se dera em uma reunião ministerial, ao defender a tática de “passar a boiada” da desregulamentação ambiental enquanto o país se preocupava com a pandemia. Em 2021, porém, se superou e saiu do noticiário político para o policial. Tudo começou quando a Polícia Federal fez a maior apreensão de madeira da história do país: 226 760 metros cúbicos de toras no Amazonas e no Pará, suficientes para carregar 7 500 caminhões. Salles não poupou esforços para inocentar os investigados. A bordo de um helicóptero do Ibama, visitou os pátios onde estava o produto apreendido, tentou intervir no trabalho dos policiais e posou sorridente para fotos ao lado da madeira. Incomodado, o delegado Alexandre Saraiva entrou com uma notícia-crime no STF. A sequência dos fatos levou à queda do ministro, que antes passou pelo vexame de ter sido alvo de busca e apreensão, inclusive de seu celular, determinadas pelo ministro Alexandre de Moraes. Sob o risco até de prisão, pediu demissão em junho para perder o foro e tirar o caso do Supremo. Deu resultado: seis meses depois, os inquéritos contra ele patinam nas instâncias inferiores.
O trabalho do ministério no período pós-Salles foi certamente menos barulhento, mas nem por isso menos desanimador. O novo ministro, Joaquim Leite, pôs o discurso da pasta de volta a um ponto mínimo de civilidade, mas até o anúncio de metas ambiciosas na COP26, a cúpula climática da ONU, como reduzir 50% das emissões de carbono e 30% das de metano até 2030, foi encarado com ceticismo. Lá emplacou o seu primeiro vexame ao divulgar a queda do desmatamento com dados defasados, uma vez que o Inpe já havia entregue à sua pasta os dados que mostravam aumento. A perda de floresta amazônica em 2021, aliás, foi a pior dos últimos quinze anos. O sinal do desgaste pôde ser ilustrado pela presença recorde de onze governadores na COP26, com o objetivo de fazer um contraponto à imagem ruim do governo federal. Bolsonaro nem quis participar do encontro, e ninguém lamentou a sua ausência. Muito menos a de Ricardo Salles.
Publicado em VEJA de 29 de dezembro de 2021, edição nº 2770