Na campanha eleitoral de 2018, duas questões atormentaram o então candidato Jair Bolsonaro a partir do momento em que ele começou a despontar nas pesquisas: a possibilidade de sofrer um atentado (ele se recusava a viajar em jatos particulares por receio de sabotagem) e encontrar o perfil ideal do candidato a vice-presidente (desconfiava que forças ocultas poderiam infiltrar alguém em sua chapa para, mais tarde, conspirar contra ele). O atentado, como se sabe, ocorreu, embora tenha sido em terra firme e obra de um lunático. Com relação ao companheiro de chapa, o presidente considerou cinco opções antes de decidir, chegou a anunciar o nome do deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança, mas, horas antes da oficialização, mudou de ideia e escolheu o general Hamilton Mourão.
Na cabeça do presidente, Mourão serviria como um escudo de proteção contra eventuais “conspiratas”, uma das obsessões presidenciais. Afinal, o general não tinha vivência política e o partido dele, o PRTB, não tinha bancada nem expressão e, por isso, o militar jamais seria considerado uma alternativa de poder — diferentemente, por exemplo, de Michel Temer, o vice que, em 2016, assumiu o lugar de Dilma Rousseff após o impeachment. Logo nos primeiros meses de governo, porém, Bolsonaro entrou em choque com Mourão. O estilo bonachão e espontâneo do general, que gosta de conceder entrevistas e emitir opinião sobre qualquer assunto — muitas delas diametralmente opostas às do presidente —, levou Bolsonaro a desconfiar que o vice estava colocando em prática aquilo que ele temia.
Passados três anos, não há evidências de que o general tenha tentado sabotar o governo do ex-capitão. Pelo contrário. Bolsonaro e seus aliados dizem que a estratégia de colocar o general como vice, apesar dos conflitos, foi bem-sucedida. Os dois, porém, se afastaram. Mourão foi alijado do processo de tomada de decisões, especialmente depois de se reunir com alguns desafetos do presidente, como o ministro Luís Roberto Barroso, no auge do conflito com o TSE. Recentemente, o general até endossou posições abiloladas do ex-capitão em relação à vacinação de crianças, ao aumento do funcionalismo e à decisão de viajar para a Rússia, mas a relação entre os dois nunca mais foi a mesma. Fora da chapa neste ano, Mourão já definiu seu caminho: vai se candidatar ao Senado pelo Rio Grande do Sul.
Publicado em VEJA de 23 de fevereiro de 2022, edição nº 2777