Enquanto a maioria dos 27 governadores do país anda em pé de guerra com Jair Bolsonaro desde o início da crise, com o paulista João Doria (PSDB) e o fluminense Wilson Witzel (PSC) encarnando o papel de principais opositores, chama atenção o comportamento de uma minoria que segue firme no apoio ao presidente. Entre outras demonstrações recentes de fidelidade, esses políticos não assinaram a carta elaborada pelo Fórum dos Governadores para defender os presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, em resposta à participação de Bolsonaro no ato do último dia 19 no Quartel-General do Exército, em Brasília, que pedia o fechamento do Congresso e do STF. Por razões variadas, que vão de simpatias ideológicas a pragmatismo político, Ratinho Jr. (PSD), do Paraná, Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais, e Ibaneis Rocha (MDB), do Distrito Federal, formam o trio parada dura que mantém uma pequena fissura no paredão cada vez mais sólido de isolamento político do Palácio do Planalto.
Filho do apresentador de TV Carlos Massa, mais conhecido como Ratinho, de quem herdou o apelido, o paranaense é o governador mais próximo de Bolsonaro, a ponto de ter sido o único chefe de Executivo estadual a fazer parte da comitiva do presidente aos Estados Unidos em março. Na volta, 23 integrantes da missão foram diagnosticados com Covid-19. Já o teste de Ratinho Jr. deu negativo. Na semana retrasada, ele esteve perto novamente do perigo em um evento realizado no Hospital Universitário de Maringá. Ex-ministro da Saúde de Michel Temer, o deputado federal Ricardo Barros (PP) testou positivo 24 horas depois da cerimônia, em que cumprimentou o governador. Ratinho Jr. foi obrigado a repetir o exame — que, mais uma vez, acusou negativo. Na questão das políticas públicas adotadas contra a doença, o governador tomou um caminho diferente do de Bolsonaro, mas com o cuidado de não criticar o presidente, como fizeram seus colegas Doria e Witzel. “Não tenho tempo para briga política que, no fim das contas, vai prejudicar meu estado”, afirmou a VEJA.
No momento em que Bolsonaro falava de “gripezinha” e estimulava a população a voltar às ruas, o paranaense adotou a política do isolamento horizontal para a população, fechou o comércio e mandou que agentes de saúde testassem motoristas — em especial, caminhoneiros, em dezessete divisas com os outros estados. Quem estava com febre era encaminhado a um posto médico para fazer testes. O governador acrescentou também 560 novos leitos de UTI ao sistema hospitalar, um aumento de 20% da capacidade anterior. Como resultado desse conjunto de ações, o Paraná goza de uma situação relativamente privilegiada. Registrou 82 mortes até a última quinta, 30, embora seja o quinto estado mais populoso do Brasil (11,4 milhões de habitantes). A condução diante da crise é elogiada até pela oposição. Líder do PT na Câmara, o deputado estadual Enio Verri descreve o governador como “um Bolsonaro calado”. O que seria isso? “Sua prática política tem sido ultraliberal, com corte de verbas. Acha que o Estado mínimo resolve tudo”, explica Verri. “Por outro lado, no que tange às questões de saúde, o governador não é um negacionista: ele apoia o isolamento social e a Organização Mundial da Saúde”, completa.
No que se refere ao relaxamento da quarentena, o governador mais alinhado ao discurso do presidente no momento é Ibaneis Rocha. A relação entre os dois nunca esteve tão boa, após o governador afirmar que vai liberar 80% do comércio a partir da primeira semana de maio. “Estou apaixonado por ele”, declarou Bolsonaro. Ambos se mostram unidos também na avaliação que fazem de Sergio Moro. Ibaneis sempre foi um ferrenho opositor do ex-juiz federal, e as críticas se acentuaram quando o líder do PCC, Marcola, foi transferido para Brasília, em março de 2019. Na cerimônia de posse de André Mendonça, o substituto de Moro no Ministério da Justiça, o presidente disse “somos irmãos” ao se referir ao governador do Distrito Federal. Até pouco tempo atrás essa relação não era tão cordial. Em fevereiro, Ibaneis afirmou que a proposta de Bolsonaro para reduzir o preço de combustíveis era “irresponsável”. No fim de março, elogiou o modelo de quarentena adotado em São Paulo por João Doria, o equivalente a um insulto ao presidente. Grande parte da mudança de comportamento pode ser explicada pela crise econômica gerada pela pandemia. Ela piorou a situação fiscal — que já não andava boa — dos estados e aumentou a necessidade de verbas federais para quem precisa tentar sair do sufoco. O governo do Distrito Federal estima uma queda na arrecadação de ICMS e ISS no valor total de 1,39 bilhão de reais em comparação ao previsto na Lei Orçamentária Anual para 2020. Do lado de Bolsonaro, há boas razões para esquecer as rusgas do passado recente. “O apoio de um governador do MDB, partido tradicional, é importante para o governo federal”, afirma Luis Felipe Belmonte, vice-presidente do Aliança pelo Brasil, o partido em gestação do presidente.
Os cofres combalidos também reforçaram os laços de Romeu Zema com Brasília. Nas eleições de 2018, o empresário, neófito na política, contou muito com a onda gerada pelo capitão para pegar impulso para a vitória. Para enfrentar o rombo no caixa causado pela pandemia, Zema busca agora o apoio do governo federal, na direção contrária da de seu partido. Candidato a presidente do Novo no último pleito, João Amoêdo já pediu o impeachment ou a renúncia de Bolsonaro. “Enquanto Ratinho Jr. e Ibaneis traçaram um alinhamento político e ideológico, Zema tem muito medo de se indispor com o presidente, pois está à frente de um estado quebrado”, afirma Carlos Melo, cientista político do Insper. Minas Gerais estima uma queda de 14,12% na arrecadação de ICMS neste ano, aproximadamente 7,5 bilhões de reais a menos para os cofres estaduais. Em contrapartida, o governo federal repassou a Zema cerca de 582,5 milhões de reais para o combate ao coronavírus.
Dos três principais governadores alinhados com Bolsonaro (os dirigentes de Rondônia e Roraima também integram essa pequena tropa), Ratinho Jr. é o caçula (39 anos, ante 55 de Zema e 48 de Ibaneis) e o que tem mais ambições políticas. Filho mais velho de Ratinho, ele não gozou de privilégios na infância e adolescência. Seu primeiro trabalho foi aos 13 anos, como sonoplasta em uma rádio de São José dos Pinhais. Os tempos de dureza ficaram para trás. O Grupo Massa, conglomerado de seu pai, emprega 5 000 funcionários e possui 42 emissoras de rádio em estados como São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rondônia, além de cinco emissoras de TV no Paraná. Os negócios da empresa vão além da comunicação, com treze fazendas que produzem soja, milho e café. A maior delas, no Acre, tem área de 200 000 hectares — o equivalente a 185 000 campos de futebol. Ratinho tem interesse em explorar madeira nessa propriedade. Durante a campanha do filho, ele usou sua popularidade para pedir votos: “Se você gosta de mim, ajude meu filho. Quem dá bala para o filho adoça a boca do pai”. O apresentador verborrágico é um eloquente apoiador de Bolsonaro em seu programa do SBT e já foi contratado para fazer merchandising da reforma da Previdência, em 2019.
A exemplo do pai, o filho é bolsonarista — mas menos apaixonado e mais pragmático. Na ponta do lápis, a política da boa vizinhança com o presidente tem mantido bem aberta a torneira de recursos federais para o Paraná. A construção da nova Ponte da Amizade, que liga o Brasil ao Paraguai e tem como meta aumentar a fiscalização de contrabando e drogas, está em andamento e vai custar 500 milhões de reais. Deve ficar pronta em 2022. Outra demanda antiga é a modernização e ampliação do Aeroporto de Foz do Iguaçu, ao custo total de 150 milhões de reais, que poderá receber — quando a pandemia e a crise passarem, evidentemente — voos diretos de Estados Unidos e Europa. A fidelidade de Ratinho Jr. ao presidente não foi abalada sequer pela queda de Sergio Moro, considerado pelo governador “o maior paranaense da história recente”. “Quem briga com Bolsonaro quer ganho político, eu só estou de olho no meu estado mesmo”, jura o governador, dando indiretas em Doria e Witzel. O discurso modesto tenta esconder grandes objetivos. Se na próxima eleição o foco é reeleger-se governador, aliados garantem que o sonho do futuro é bem maior: ser inquilino do Palácio do Planalto.
Publicado em VEJA de 6 de maio de 2020, edição nº 2685