Um ano depois de ser preso após a condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro na Operação Lava Jato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva continua mandando no PT. Por meio de bilhetes, cartas ou nomeando porta-vozes, o ex-presidente dá as orientações para o partido, que obedece.
A atuação da bancada petista na audiência com o ministro da Economia, Paulo Guedes, na quarta-feira passada (3) — comparada pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) a um “pelotão de fuzilamento” — foi resultado do entendimento de que a reforma da Previdência é impopular e tem potencial para provocar o descolamento de parte do eleitorado de Bolsonaro, especialmente os eleitores evangélicos de baixa renda que não querem perder direitos nem viver com dúvidas quanto à aposentadoria.
De sua cela improvisada na sala de 15 metros quadrados na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, Lula emitiu a ordem dez dias atrás: o PT deve deixar para o segundo semestre as discussões sobre a escolha da próxima direção partidária, marcada para novembro, e concentrar na reforma da Previdência sua atuação como oposição a Bolsonaro. Este vai ser o foco do partido nos próximos meses.
Além disso, Lula diz que a postura “subalterna” de Bolsonaro diante do presidente dos EUA, Donald Trump, poderia servir de vetor para o descontentamento de uma parcela nacionalista do eleitorado.
Mas a principal intervenção feita pelo ex-presidente nos últimos dias foi em relação à disputa interna do PT. Na semana passada, ele chamou o deputado José Guimarães (PT-CE), que tenta construir uma candidatura à presidência da sigla, para uma conversa em Curitiba. “Ele apontou três questões centrais para o PT em 2019: o foco agora são a reforma da Previdência e a soberania. O debate sobre a renovação do partido fica para o segundo semestre”, disse o deputado.
Além disso, Lula agiu como bombeiro na escalada de atritos entre o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad e a presidente do PT, Gleisi Hoffmann. Segundo aliados de ambos, a rivalidade continua, mas o clima melhorou. Raramente algum petista questiona as orientações do ex-presidente. Em público, nunca.
Para analistas, a incapacidade do PT de andar com as próprias pernas um ano depois da prisão de Lula pode ser ruim para o partido no futuro. “Essa relação do PT com seu líder é perigosa porque nega a renovação. Ainda mais quando este líder não pode se comunicar”, disse o cientista político Carlos Melo, do Insper.
O cientista político Fábio Wanderley dos Reis, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), vincula a prisão à migração de eleitores de Lula para Bolsonaro na eleição do ano passado. “Um grupo do eleitorado tem uma certa identificação com líderes populistas.”
Ato
O PT e aliados organizaram para este domingo uma manifestação contra a prisão em frente à sede da PF em Curitiba. O ato, porém, pode ser considerado desobediência à ordem da Justiça do Paraná, que desde o dia 21 de fevereiro voltou a proibir “todo e qualquer ato ostensivo de manifestação (pró ou contra Lula)” nas proximidades da PF.
A Polícia Militar tem ordem do desembargador Fernando Paulino da Silva Wolff Filho, do Tribunal de Justiça do Paraná, para prender manifestantes que desrespeitarem a zona delimitada. Antes tranquilo, o bairro virou área de litígio e tensão desde a chegada de Lula.
Uma parte dos moradores, a prefeitura e entidades de apoio à Lava Jato pedem a remoção do grupo autointitulado Vigília Lula Livre, que se concentra em um terreno de esquina alugado na frente da PF — onde foram montadas tendas e barracas — e em quatro outros imóveis alugados. Diariamente, os participantes gritam “bom dia”, “boa tarde” e “boa noite” ao ex-presidente.
Hoje (7), os atos estavam previstos para começar às 6h30. Mais tarde, às 11h, são esperadas lideranças do partido, como o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad.
A decisão da Justiça estipula que a Polícia Militar está “autorizada a retirar das vias públicas toda e qualquer pessoa que pratique em qualquer dia e horário atos ostensivos de manifestação”. “Detendo-os em flagrante pela prática, em tese, de crime de desobediência”, escreveu em seu despacho o desembargador Wolff Filho.
O magistrado recomendou ainda “o uso prévio do diálogo e, se necessária, a força dentro dos limites do efetivamente necessário ao cumprimento desta decisão”. A PF também reforçou sua equipe na área interna.