Projeto proíbe exclusão de contas de candidatos nas redes sociais
Twitter, Facebook, Instagram e WhatsApp poderiam apenas remover postagens suspeitas e fake news durante as campanhas eleitorais
Se depender da deputada Margarete Coelho (Progressistas-PI), o presidente Jair Bolsonaro não terá muito com o que se preocupar na reforma do Código Eleitoral. A última versão do texto, que reúne 900 artigos ao longo de 359 páginas, mira as plataformas digitais — Twitter, Facebook e Instagram, principalmente — além de aplicativos de mensagens, como o WhatsApp. Em sua terceira versão, a deputada fez ajustes na redação do projeto, mas manteve um dos principais pontos polêmicos: a blindagem ao perfil de candidatos durante o período eleitoral de 2022.
O texto proíbe expressamente que as plataformas realizem “o banimento, cancelamento, exclusão ou a suspensão” de contas de qualquer candidato durante a próxima campanha, independentemente de publicação de fake news ou discurso de ódio, por exemplo. Esses conteúdos e postagens controversos até podem ser removidos, mas as contas desses políticos não poderiam mais ser tiradas do ar. Apesar de ser uma regra criada para beneficiar, em tese, toda a classe política, fontes familiarizadas com as discussões apontam que a medida serve, acima de tudo, para blindar o presidente Jair Bolsonaro.
Pelo texto, mesmo que um candidato ataque minorias, dissemine fake news e tumultue o pleito levantando acusações infundadas de fraude contra a Justiça Eleitoral, ele não poderá ter a conta removida das redes sociais por decisão unilateral das plataformas. Essa medida exigiria uma decisão judicial nesse sentido, o que na prática esvazia o poder de Facebook, Twitter e Instagram de implantarem suas próprias políticas de moderação de conteúdo durante a campanha de 2022, que promete ser acirrada.
“O projeto cria um privilégio. É um cheque em branco para esse supercidadão digital que tem mais proteção do que o resto do mundo”, critica Diogo Rais, especialista em direito eleitoral digital da Mackenzie. A proposta ainda precisa ser aprovada por deputados e senadores até setembro deste ano para entrar em vigor já nas próximas eleições.
Em janeiro, Twitter, Facebook e Instagram anunciaram o bloqueio da conta do ex-presidente Donald Trump, após o republicano levantar — sem apresentar provas — suspeitas de fraude contra o resultado das urnas e insuflar apoiadores a invadirem o Capitólio, em um episódio violento que chocou o mundo e resultou na morte de cinco pessoas. Por aqui, Bolsonaro já avisou que, sem a adoção do voto impresso, “vamos ter problema pior que nos Estados Unidos”. Integrantes do governo federal elaboraram a minuta de um decreto para impedir até mesmo a remoção de conteúdo pelas plataformas — a proposta de Margarete, no entanto, não vai tão longe.
Para a deputada, o objetivo do novo Código Eleitoral é impedir que as plataformas e a Justiça Eleitoral façam censura prévia a qualquer candidato. “O que mais temo é ser acusada de usar algo que jamais me ocorreu como mola propulsora de tomada de decisões. O que se veta é que as plataformas possam derrubar o perfil de qualquer candidato durante o período da eleição. Só isso. O conteúdo pode ser moderado infinitamente, o que não podemos admitir é que a plataforma possa derrubar o perfil de um candidato durante os 45 dias de campanha. Até porque as plataformas também têm as motivações políticas e econômicas delas, os seus interesses também”, diz Margarete a VEJA.
Em outro ponto controverso, o projeto prevê que, antes mesmo do início das campanhas, as plataformas e os aplicativos devem publicar, “em língua nacional, de forma clara, precisa e acessível, as políticas e regras de moderação de conteúdo aplicáveis ao processo eleitoral”. Pelo texto de Margarete, os partidos poderão inclusive acionar o TSE para contestar regras que “impliquem na restrição indevida de direitos e garantias de cunho político”. A medida, segundo especialistas que acompanham as discussões, não encontra paralelo em outras democracias do mundo.
Diogo Rais observa que, no modelo atual, cabe ao TSE formular e divulgar regras de boas práticas relativas a campanhas eleitorais na internet. “Porém, no projeto do novo Código Eleitoral esta fórmula se inverte, destinando às plataformas a necessidade de criar uma política de conteúdo para as eleições brasileiras, cabendo ao TSE julgar impugnações dos partidos políticos a respeito destas regras. O projeto prevê que o TSE decidirá a respeito das regras de conteúdo de uma empresa, diferenciando o processo eleitoral brasileiro de todos os outros usuários no resto do mundo”, avalia.
A proposta de Margarete traz bem-vindas inovações, como limitar o número de candidatos para cargos proporcionais (vereador e deputado estadual e federal) e unificar em um só texto as diversas resoluções existentes.