Quatro amigos de Bolsonaro se desentendem ao tentar apoio do presidente
A política já disseminou desconfianças e abalou a camaradagem do grupo. A campanha eleitoral pode comprometer de vez esses laços fraternos
Depois de tentar se eleger duas vezes sem êxito, em 2018 o subtenente do Exército Hélio Lopes decidiu fundir sua imagem à do então candidato à Presidência Jair Bolsonaro. Com a autorização do amigo de longa data, trocou o sobrenome eleitoral. Nas urnas eletrônicas, Hélio Lopes virou Hélio Bolsonaro, investiu 45 000 reais em sua campanha e galgou o posto de deputado federal mais votado do Rio de Janeiro, arregimentando surpreendentes 345 000 votos, superando políticos tradicionais como Marcelo Freixo (PSB) e Alessandro Molon (PSB). Nos últimos anos, ele vinha se preparando para voar ainda mais alto. A presença constante em solenidades oficiais ao lado do presidente lhe garantiu uma exposição suficiente, em tese, para uma reeleição ainda mais tranquila. Mas, ao que tudo indica, não será simples assim — a tarefa pode, inclusive, acabar sendo bastante complicada. Hélio Negão, como é conhecido no Congresso, ou Hélio Bolsonaro, como ele se registrou na Justiça Eleitoral mais uma vez, terá pela frente adversários de peso disputando o mesmo espaço, os mesmos eleitores e lançando mão do mesmo estratagema: a proximidade com o presidente. Há mais um detalhe: os concorrentes são amigos entre si.
Um deles é Max Bolsonaro — na verdade Max Guilherme Machado de Moura, ex-sargento do Bope. Ele é a aposta número 1 para aumentar a bancada bolsonarista do Rio de Janeiro no Congresso. Ao contrário de Hélio Negão, que convive com Jair desde os tempos da caserna, o policial é o amigo mais recente. Ele e o presidente se conhecem há quase uma década, mas se aproximaram muito na campanha de 2018, quando o militar integrou a equipe de segurança do então candidato. Depois da eleição, Max foi nomeado para um cargo de assessor no Palácio do Planalto, onde era encarregado de missões variadas que iam da coleta de informações de interesse da família Bolsonaro à produção de conteúdo para as redes sociais. Consta que o policial cumpriu as tarefas de maneira tão diligente que conquistou definitivamente a confiança do chefe. Em retribuição, o presidente se comprometeu a atuar pessoalmente na campanha do sargento, pedindo votos para ele, o que gerou ciumeira e certo desconforto junto a outros amigos de Bolsonaro que também vão disputar as eleições em outubro.
Max Bolsonaro se filou ao PL, o mesmo partido de Hélio Bolsonaro, legenda que também acolheu outro grande amigo do presidente que almeja estrear em breve na política: o ex-subtenente da Marinha Waldir Ferraz. Jacaré, como é conhecido, assessorou Bolsonaro na Câmara Municipal do Rio de Janeiro e no Congresso Nacional. Ele se apresenta como o amigo 00 do presidente. Em 2020, tentou, sem sucesso, uma vaga de vereador. Agora filiado à mesma legenda de Jair, aposta na proximidade com o presidente como principal ativo eleitoral para conquistar um gabinete na Câmara dos Deputados. Ferraz, no entanto, ainda não obteve a garantia de que contará realmente com essa ajuda do mandatário. Os dois andaram se estranhando no início deste ano, depois de o ex-subtenente confirmar a VEJA a existência do notório esquema de rachadinhas no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro. Na entrevista, o militar isentou Jair Bolsonaro e o filho de responsabilidade no caso, mas acabou comprometendo indiretamente o ex-PM Fabrício Queiroz, outro parceiro do presidente que vai concorrer a um cargo eletivo em outubro.
O escândalo da rachadinha fez de Fabrício Queiroz o amigo mais conhecido do presidente da República. Até dias atrás, o policial tinha a certeza de que contaria com o apoio do clã Bolsonaro para disputar uma vaga na Câmara dos Deputados pelo PTB, apesar de seu passado conturbado. Segundo o Ministério Público, Queiroz, durante quatro anos, confiscava parte dos salários dos funcionários do gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) e repassava o dinheiro arrecadado ao parlamentar. Chegou a ser preso por isso. O processo, porém, acabou anulado por questões técnicas, e ele, livre, decidiu tentar a sorte na política. O ex-PM planejava, como os outros amigos, explorar politicamente a proximidade que tem até hoje com a família. A eleição, acreditava, seria uma barbada. Mas não deu certo. Pouco antes do registro das candidaturas, Queiroz foi convencido a desistir do plano original e concorrer a uma vaga na Alerj, onde, teoricamente, teria mais chances de sucesso. Ele aceitou o conselho, mas não ficou nem um pouco satisfeito com o desfecho da situação. Sabe que foi preterido, sabe por que e em benefício de quem.
Na pré-campanha, Queiroz já havia percebido que enfrentaria resistências. Ao perceber que Max estava se apresentando como o predileto do presidente, ele postou um vídeo em que chamava o amigo de “mentiroso”. A gravação era um comentário irônico sobre uma mensagem publicada por Max, na qual ele explicava como havia chegado ao Planalto. “Tem que agradecer a Deus mesmo, Max. Por ter me conhecido, por eu ter te ajudado a ser policial, ter te pegado pelo braço e dado esse emprego junto ao presidente”, escreveu. Queiroz já havia reclamado também de Hélio Negão e Waldir Ferraz. No ano passado, o ex-PM publicou a seguinte mensagem ao lado da imagem que abre esta reportagem: “Faz tempo que eu não existo para esses três papagaios aí! Águas de salsicha literalmente! Vida segue”, escreveu. Há duas semanas, ele confidenciou a uma pessoa próxima que estava passando por dificuldades financeiras, se sentia pressionado e abandonado pelos amigos. Disse, inclusive, que tinha medo de sofrer alguma retaliação mais grave diante de segredos que sempre guardou para proteger a família do presidente. Por questão de segurança, contou que teria feito um relato escrito de tudo que considerava importante registrar sobre seu passado, tirou algumas cópias do material e as enviou a Brasília. Alguns interpretaram a notícia sobre a existência desse dossiê como uma ameaça velada. Outros, como uma chantagem explícita.
Havia, desde janeiro, um esforço muito grande de uma ala bolsonarista para tentar convencer Fabrício Queiroz a desistir de ingressar na política. Como não foi possível, especialmente depois dos tais documentos enviados a Brasília, empurrá-lo para a disputa estadual foi a melhor opção encontrada para manter o ex-policial afastado do debate nacional. Bolsonaro, em sua campanha, pretende desgastar seu principal adversário, o ex-presidente Lula, pelo flanco mais vulnerável do petista — o da ética. O presidente sabe, porém, que haverá contra-ataque, e que esse contra-ataque, se acontecer, deve mirar exatamente as relações dele, Bolsonaro, com Fabrício Queiroz, o filho hoje senador e o escândalo da rachadinha. Antes de trabalhar no gabinete de Flávio, Queiroz, como se sabe, assessorou o próprio Jair. Os dois são amigos há mais de trinta anos. Mas o fato é que a política já disseminou desconfianças e abalou a camaradagem do grupo. A campanha eleitoral que está começando pode comprometer de vez esses laços fraternos.
Publicado em VEJA de 24 de agosto de 2022, edição nº 2803