No universo olímpico, uma maratona tem 42 quilômetros e é vencida pelos campeões em pouco mais de duas horas. No mundo da política brasileira, o melhor exemplo de uma prova de resistência é a atual corrida para definir quem reunirá mais forças para tentar desbancar o candidato de situação ao Palácio do Planalto em 2026, o próprio Lula (ninguém duvida que o presidente tentará a reeleição). Os competidores já deram a largada e agora precisam percorrer mais de dois anos até o pleito. A exemplo do que ocorre no atletismo, neste momento inicial da disputa, o pelotão segue meio embolado, sem movimentos de cotoveladas nos rivais. Nos bastidores, formou-se até uma espécie de confraria de oposição. Ela foi oficialmente inaugurada no fim de março, quando cinco governadores e três senadores, além de líderes partidários, reuniram-se pela primeira vez em Brasília para analisar os resultados da eleição passada e traçar cenários para 2026 diante da inelegibilidade de Jair Bolsonaro e de um consenso sobre a necessidade de articular, desde já, uma candidatura forte e, de preferência, unificada da centro-direita. Novo encontro da turma deve ocorrer ainda neste semestre. A iniciativa é mais uma prova de que a procura por um substituto para o ex-presidente nas urnas está em curso e que a campanha para impedir mais quatro anos de Lula promete ser uma das mais longas da história.
Um dos principais combustíveis da largada precoce são os bons índices de aprovação obtidos pelos governadores de oposição que fazem parte da confraria, na contramão dos atuais percalços de popularidade de Lula (de acordo com sondagem recente da Genial/Quaest, a maior parte dos brasileiros não concorda hoje em dar a ele mais quatro anos no poder). O apoio popular do ex-presidente (que permanece quase intacto, a despeito dos processos na Justiça) e a possibilidade de transferência de votos dele para um herdeiro político, em caso de manutenção da inelegibilidade do capitão, também servem de alavanca ao movimento, que conta, inclusive, com a simpatia da família Bolsonaro.
Aliado de primeira hora, o senador e ex-ministro Ciro Nogueira (PP-PI) é o patrocinador oficial. Espécie de “primeiro-ministro” de Bolsonaro quando ocupou a Casa Civil, ele almeja compor a chapa de oposição, independentemente de quem irá encabeçá-la. “Meu sonho é disputar a vice, mas não é uma condição”, diz o presidente do PP. Foi na casa dele que Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), Ratinho Junior (PSD-PR), Romeu Zema (Novo-MG) e Ronaldo Caiado (União Brasil-GO) assistiram atentos à apresentação de uma pesquisa sobre as percepções do eleitorado a respeito do nome de cada um. Eduardo Leite (PSDB-RS) passou rapidamente por lá. Sem demonstrar animação ou frustração com os dados, os governadores se comprometeram a trabalhar pela unidade da oposição enquanto disputam entre si o apoio do bolsonarismo.
Na bolsa de apostas, Tarcísio de Freitas é o favorito a ser o herdeiro. Nos últimos dias, a pressão para que ele faça movimentos mais explícitos em direção ao Palácio do Planalto aumentou, com os rumores de que a esperada transferência para o PL, sigla de Bolsonaro, possa ocorrer antes das eleições municipais deste ano. Ele não confirma, e o mais provável é que a mudança ocorra apenas mais adiante. Segundo levantamento do instituto Paraná Pesquisas, Tarcísio se sai hoje melhor nas sondagens do que os outros governadores. Além da proximidade com o ex-presidente e da força política alcançada ao liderar o estado mais rico do país, o ex-ministro representa uma espécie de bolsonarismo mais palatável a um fragmento do eleitorado que votou no petista não por convicção, mas contra a continuidade de um governo que, entre outras coisas, atuou de forma negacionista durante a pandemia. “Hoje, o candidato mais forte e primeiro da fila é o Tarcísio”, afirmou a VEJA o presidente do PL, Valdemar Costa Neto.
Primeiro do grupo a assumir publicamente a intenção de se lançar ao Planalto, Caiado foi o que menos pontuou entre os governadores cotados pelo Paraná Pesquisas. Mesmo assim, ele se diz animado para rodar o país em busca de um consenso em torno de uma candidatura forte da centro-direita ou até mais de uma. “As sondagens mostram que há espaço para isso, e estou decidido a me apresentar à disputa. Lá na frente vamos tentar construir uma conciliação, mas acredito que, assim como eu, outros nomes podem ter a mesma disposição”, disse. À frente do estado pelo segundo mandato consecutivo, Caiado tem trabalhado os bons resultados obtidos por sua gestão na área da segurança pública (a taxa de homicídios, por exemplo, caiu 56%) como trunfo para se aproximar dos bolsonaristas e disputar com Tarcísio o apoio e os votos do ex-presidente.
Defensores de uma candidatura de Ratinho Junior também procuram ressaltar sua capacidade de gestão. Em 2023, por exemplo, o PIB do Paraná cresceu 5,8%, o dobro da média nacional e à frente das altas de Goiás (4,4%), Minas (3,1%) e São Paulo (0,8%). Até aqui, no entanto, o governador é o que menos movimentos faz na direção do Planalto, ao menos publicamente. “Não é hora de discutirmos nomes, mas, sim, projetos que tornem a vida do brasileiro melhor”, afirma ele, que tem apenas 43 anos e é dono de uma taxa de aprovação de 79% entre os paranaenses. Aliados enxergam para ele duas possibilidades para 2026: a disputa pela Presidência ou por uma vaga no Senado, não necessariamente nessa ordem de prioridade.
A despeito do comportamento discreto, Ratinho Junior tem feito avaliações a políticos próximos de que 2026 poderá lembrar um pouco o congestionamento de candidaturas de 1989, quando 22 nomes se lançaram à corrida. Para o governador paranaense, não seria surpreendente o registro de até três candidaturas de direita no próximo pleito. A conta considera inevitável no páreo um nome do bolsonarismo (como Tarcísio) e Caiado, que não deve abrir mão de ir até o final. A possibilidade de uma terceira opção na mesma faixa é vista pelos correligionários de Ratinho Junior como um sinal de que ele considera seriamente concorrer. Ainda pouco conhecido no âmbito nacional, o governador tem potencial de crescimento. Segundo o cenário do Paraná Pesquisas em que ele seria o candidato de direita, o paranaense teria 17,6%, segundo melhor resultado entre governadores, abaixo apenas do índice de Tarcísio (25,6%). Fora do grupo da direita, surge na sondagem do Paraná, mais uma vez, o nome de Ciro Gomes (PDT). Depois da última derrota, ele prometeu nunca mais concorrer. Se mudar de ideia, seguirá tendo dificuldades para ultrapassar o patamar de 10%.
Num cenário ainda de muitas incertezas, a única garantia é a de que, dentro ou fora do jogo, Bolsonaro terá papel de protagonismo. Ele vinha cumprindo agenda de candidato, até que ela foi interrompida nas últimas semanas por uma nova internação hospitalar. Os eventos recomeçam na segunda, 27, quando pretende percorrer cidades paulistas para arrecadar doações ao Rio Grande do Sul. O cenário adverso na Justiça não tirou dele o otimismo de uma reviravolta que lhe permita ser o cabeça de chapa do PL em 2026. “O partido tem uma boa base e prega as coisas que eu defendo, como Deus, pátria, família e liberdade”, disse ele a VEJA.
Dentro do PL, a “ordem” é para que a possibilidade de tê-lo como candidato seja considerada nos cálculos eleitorais até a batida final de martelo da Justiça Eleitoral sobre a sua situação. “Percebo que tem amadurecido cada vez mais a questão de uma anistia pelo Congresso Nacional para recolocar meu pai no jogo”, declarou o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Para um dos mais fiéis escudeiros de Bolsonaro, Fabio Wajngarten, que é advogado e chefiou a Secom no governo passado, não há dúvidas quanto a isso. “O retorno eleitoral dele é certo”, disse. “O ex-presidente despertou no povo brasileiro o patriotismo, além dos interesses pela política, pela propriedade privada e pela liberdade, no seu mais amplo sentido.”
A força do bolsonarismo não se expressa apenas pelo prestígio praticamente intacto do ex-mandatário entre seus eleitores. Na sondagem do Paraná Pesquisas, a ex-primeira-dama aparece à frente de todos os governadores. No cenário em que surge como o principal nome de oposição, ela perde para Lula, mas dentro de empate técnico: 36,6% a 33%, sendo que a margem de erro é de 2,2 pontos. “A divisão política que existe no Brasil não tende a cessar; o jogo de 2026 está nas mãos de Lula e Bolsonaro”, comenta Murilo Hidalgo, presidente do instituto.
Nesse sentido, o time de postulantes tem investido em temas como políticas linha-dura na área de segurança para ficar em sintonia com a maior parte da população, cujo pêndulo parece se voltar à direita — pesquisa Ipec divulgada em abril mostra que 24% dos eleitores brasileiros afirmam ser de direita, enquanto apenas 11% se identificam com a esquerda. O grupo de governadores não enfrenta dificuldades para representar o eleitorado conservador, mas cada um deles vive dilemas e desafios para se viabilizar como presidenciável. Zema tem sua postura liberal constantemente colocada à prova, dado que até agora o mineiro não conseguiu privatizar estatais como a Cemig (companhia energética do estado). Caiado e Ratinho enfrentam problemas na base, pois são filiados a partidos que hoje compõem o governo federal, com três ministérios cada. Tarcísio, por sua vez, pode optar ao final pela reeleição em São Paulo, campanha teoricamente menos espinhosa do que a de enfrentar Lula em 2026.
Mesmo vivendo um momento delicado em termos de popularidade,o petista segue liderando em todos os cenários. O presidente também está em franca campanha pela reeleição e, com a máquina pública nas mãos, tem agora, no episódio das enchentes no Rio Grande do Sul, a chance de promover uma guinada na maneira como a população avalia o seu governo. Exemplo disso foram as respostas rápidas à tragédia, que incluem um pacote bilionário de recursos federais ao estado para recuperação de infraestrutura, além de socorro a empreendedores e à população severamente afetada, com o pagamento de 5 100 reais via Pix a cerca de 240 000 famílias, para uso livre.
Evidentemente, uma possível melhora na popularidade de Lula está entre os fatores que podem mudar o cenário atual. Se os ventos da economia começarem a soprar na direção da prosperidade, o que não parece ser a tendência no momento, o petista ficará fortalecido, e o quadro deve desencorajar alguns políticos de chegar ao fim da maratona de 2026. A sucessão do Congresso, no início do ano que vem, também pode criar obstáculos adicionais a governadores de oposição, a depender dos acordos partidários a ser fechados pelo governo para lançar uma candidatura na Câmara. Outro fator decisivo é a (remotíssima) possibilidade de Bolsonaro reverter a inelegibilidade na Justiça Eleitoral. Mesmo ciente das muitas incertezas que terá pelo caminho, por via das dúvidas, o pelotão de oposição decidiu dar a largada. O desafio será manter o fôlego até o final.
Publicado em VEJA de 24 de maio de 2024, edição nº 2894