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Randolfe: ‘Intervenção e economia não podem ser conjugadas na mesma frase’

Líder do governo diz que economia vai bem, critica quem defende intervenção para conter preços e afirma que PT não tem alternativa para 2026 a não ser Lula

Por Daniel Pereira Atualizado em 30 jan 2025, 08h20 - Publicado em 30 jan 2025, 06h00

O senador Randolfe Rodrigues tem uma relação de altos e baixos com o PT. De volta à velha casa depois de passar 18 anos entre PSol e Rede, ele não segue fielmente pontos consagrados da cartilha petista. Na seara da política externa, defende a condenação de toda e qualquer ditadura, de direita ou esquerda. Já na área da economia, discorda da adoção de medidas artificiais para baixar na marra o preço de tarifas e produtos, como ocorreu em governos anteriores, inclusive na gestão de Dilma Rousseff. Também rechaça a possibilidade de “intervenção” estatal para conter a carestia dos alimentos, como chegou a anunciar o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa. Essa postura um tanto independente incomodou, e ainda incomoda, alguns petistas, mas não impediu o presidente Lula de convidá-lo a assumir, em 2023, a liderança do governo no Congresso. Um governo que, segundo ele, é de centro, não de esquerda, e que enfrenta problemas de popularidade graças a uma combinação de fatores, como uma postura analógica num mundo cada vez mais digital. A seguir, os principais trechos da entrevista, na qual o senador elogia o ministro Fernando Haddad, diz que a anistia aos golpistas não será aprovada pelo Congresso e prevê que, sem a candidatura de Lula em 2026, os governistas serão surrados nas urnas:

Pesquisa Genial/Quaest mostrou que a avaliação negativa do governo Lula superou a positiva pela primeira vez. Onde está o problema? Eu esperava até um impacto maior. Nós continuamos a ter um país dividido, só que agora com uma desvantagem de dois pontos na aprovação do governo (49 a 47). Eu não acho adequado e justo dizer que o problema é a comunicação. Comunicação não é uma varinha de condão. O resultado está diretamente relacionado a duas circunstâncias. Uma já se dissipou, que é a questão do Pix, uma conquista de todos os brasileiros. Não há dúvida de que o governo não mexerá no Pix. A outra diz respeito ao preço dos alimentos. Creio que no curso do ano, com o câmbio se normalizando, o que já está ocorrendo, e as ótimas perspectivas para a safra agrícola, o preço dos alimentos se estabilizará. A avaliação dos governos é diretamente proporcional à prateleira do supermercado.

Como no caso do Pix, a reação inicial do governo na questão da inflação dos alimentos não foi atrapalhada? Isso não se resolve com mágica. O presidente Lula já disse que não fará plano econômico para resolver o problema. A melhor solução para o preço dos alimentos é a estabilidade econômica. Não se pode pensar em inventar a roda. Medidas artificiais geram ruído. O mercado reage. O governo anterior, devido à inflação, deu uma canetada para tirar os tributos do preço dos combustíveis, Logo depois, os combustíveis voltaram a aumentar porque aquela era uma medida eleitoreira. Intervenção e economia são duas palavras que no Brasil não podem ser conjugadas na mesma frase. Deveria até existir um tipo penal para quem faz isso.

Quando contestam o ministro Fernando Haddad (Fazenda), o presidente Lula e o ministro Rui Costa não contribuem para que a estabilidade econômica fique mais distante? Não há ministro mais forte no governo do que Fernando Haddad. O presidente Lula ouve e segue as diretrizes dele. Agora, como em qualquer governo, é natural que se tenha aqui ou acolá alguma divergência. O governo fez um ajuste real das contas públicas. O investimento público é o maior dos últimos 6 anos. O desemprego está no menor índice dos últimos 10 anos. A pobreza está no menor nível dos últimos 16, 17 anos. Conseguimos reequilibrar a economia depois da devastação que herdamos. O Brasil voltou a ter políticas sociais que estavam destruídas. A economia está numa escala robusta. Investidores internacionais falam que o Brasil é o delta da vez.

Mesmo assim, depois de dois anos, o presidente não só não conseguiu agregar como ainda perdeu popularidade. Nós vivemos um tempo de ascensão extremista no mundo todo, vide o que está acontecendo nos Estados Unidos, e isso divide as sociedades. No Brasil, temos um movimento de extrema direita que é contra os pilares da democracia e da Constituição e tensiona a sociedade o tempo todo. Também temos de reconhecer que os democratas ainda estão analógicos, enquanto o mundo é digital, sobretudo com as Big Techs, que se tornaram ponta de lança de um movimento neofascista global. O algoritmo é vocacionado para descobrir nossos gostos, mas também a nos dividir. Precisamos entender a nova realidade e superar a condição analógica para dialogar com a sociedade. Muita coisa já foi feita pelo governo. Falta melhorar a interação entre gestão, política e comunicação para que os resultados possam ser conhecidos pela população.

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Com o objetivo de melhorar o desempenho do governo e consolidar alianças para 2026, o presidente estuda realizar uma reforma ministerial. O espaço de partidos de centro deve ser ampliado? Este é um governo de centro, não é de esquerda. O centro está contemplado e devidamente representado. A questão é outra. Este governo não tem margem para erro. Em outro tempo da história nacional, sairia um governo do PT e entraria um do PSDB, ambos comprometidos com a ordem democrática. Hoje, a divisão se dá entre aqueles do campo democrático e aqueles que tentaram dar um golpe. Eu gostaria que tivéssemos restabelecido uma conjuntura em que as forças políticas tivessem tolerância e não quisessem aniquilar o outro.

O governo não lançará candidatos para as presidências da Câmara e do Senado. Isso é um fruto de pragmatismo, de fraqueza ou das duas coisas? É sinal de que o governo se sente representado pelo dois candidatos favoritos, o meu colega Hugo Motta (Republicanos-PB) e o meu conterrâneo Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). Do ponto de vista da relação com o Congresso entraremos em uma fase auspiciosa, bem melhor, porque nos dois primeiros anos havia uma divergência de posições entre o Senado e a Câmara, o que dificultou o rito de tramitação das medidas provisórias. Não tenho do que me queixar da relação durante as gestões do deputado Artur Lira (PP-AL) e do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), mas, se a relação era boa, vejo agora um futuro ainda melhor.

Se o governo se sente representado pelos dois favoritos para comandar o Congresso, não há chance, então, de aprovação da proposta de anistia aos golpistas do 8 de janeiro? Tenho certeza que não. Não há ambiente para a anistia sequer tramitar em qualquer uma das Casas, sobretudo diante das revelações que estão sendo feitas. Ao longo da história brasileira, a anistia nunca foi um bom caminho para a democracia. Aqueles que tentaram um golpe de estado contra o governo de Juscelino Kubitschek foram anistiados e, anos mais tarde, deram um golpe de estado em 1964. Foram vinte anos de ditadura. A anistia é uma derrota para a democracia brasileira.

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O governo se empenhará de fato para aprovar no Congresso a regulamentação dos supersalários? O tema dos supersalários tem de ser resolvido não somente pela circunstância deste governo, pela circunstância da política econômica, mas porque é uma questão de justiça. Não é condizente com uma democracia alguns cidadãos no poder público receberem 400.000 reais, 500.000 reais mensais, enquanto a Constituição estabelece um teto salarial (44.000 reais). Creio que as próprias associações representativas dos magistrados, dos membros do Ministério Público e dos tribunais de contas estão conscientes de que o padrão que temos hoje não é justo, não é adequado, e correções precisam ser feitas.

O governo desistiu de colocar um freio nas emendas parlamentares? Nós herdamos uma situação sui generis, ímpar, entre as democracias ocidentais, que é o Congresso controlando 20% das receitas discricionárias da União. Isso foi resultado de um governo anterior fraco, que não governava, não cuidava do Orçamento público e não queria entregar resultados para o povo. O nosso primeiro desafio foi conter a expansão do valor das emendas. Acho que as próprias cúpulas dirigentes do Congresso têm consciência de que é necessário seguir as diretrizes emanadas pelo Supremo Tribunal Federal, sob relatoria do ministro Flávio Dino, e cumprir dois princípios elementares: transparência e rastreabilidade. Se isso for feito, será um grande avanço. Eu, particularmente, não vejo problema nas emendas em si, porque, em um país com mais de oito milhões de quilômetros quadrados e com tanta disparidade como o Brasil, é importante ter mecanismos que garantam recursos e investimentos nas regiões mais distantes.

O PT, partido do senhor, mais ajuda ou mais atrapalha o governo? Em mais de 40 anos de existência, o PT experimentou os maiores sabores e os piores dissabores, teve as melhores e as piores lições. A partir daí, tem experiência para não incorrer em erros cometidos anteriormente. Mas há uma diferença gigantesca entre o partido e o governo, e o presidente Lula tem consciência disso. Quem governa é o conjunto de forças que ascenderam ao poder com a eleição de 2022, que um é conjunto de forças muito mais amplo do que aquele que levou o presidente Lula à eleição de 2003 e à reeleição em 2006. Nós estamos falando de uma quadra em que a democracia continua sendo um valor universal a ser defendido e na qual há a necessidade de uma coalizão ampla.

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O presidente Lula e o PT não fragilizam a democracia como “valor universal a ser defendido” ao se alinharem com ditaduras de esquerda como a Venezuela? Qualquer ditadura, seja de direita ou de esquerda, tem de ser condenada. Com a mesma veemência com que disse que não pode haver anistia para quem tentou conspurcar a democracia brasileira, não pode ter tolerância com o que é a Venezuela hoje. A Venezuela é uma ditadura. As posições que o Itamaraty e o governo têm assumido são de crítica necessária e devida ao que está em curso na Venezuela.

Se o presidente Lula não for candidato em 2026, quais são as alternativas? Eu não trabalho com essa hipótese. E Lula será candidato em 2026. Ele é a nossa aposta de defesa da democracia brasileira. Sem o Lula, a gente não vai à esquina. Sem o Lula, não há outra liderança que nos leve ali do lado. A gente começou a entrevista falando de comunicação. Não tem nenhum comunicador do Brasil melhor ou igual a Lula. E não tem nenhuma liderança no Brasil formada no campo democrático que possa ter o grau de penetração nas camadas mais humildes do povo quanto o Lula tem. Nós só temos um plano para 2026: Lula.

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