O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prestará na tarde desta quarta-feira um novo depoimento ao juiz federal Sergio Moro, responsável pela Operação Lava Jato na primeira instância. Será a primeira vez que o petista encontrará o magistrado após ter sido condenado por ele a nove anos e seis meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no caso do tríplex do Guarujá.
Ao todo, Lula é alvo de seis ações penais – ou seja, já é réu – e três denúncias – é apenas acusado. O depoimento a Moro será referente ao processo em que a força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) acusa o ex-presidente dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro por supostamente ter recebido propinas de 13 milhões de reais da Odebrecht.
Parte do dinheiro – 12,4 milhões de reais -, sustentam os procuradores, teria sido gasta na compra de um terreno para abrigar a sede do Instituto Lula em São Paulo – o prédio, no entanto, foi construído em outro endereço. Outros 504.000 reais teriam sido usados na compra da cobertura vizinha à de Lula no edifício Hill House, em São Bernardo do Campo (SP). As duas compras teriam sido feitas por laranjas: no caso do terreno, o empresário Demerval Gusmão; no caso da cobertura, Glaucos da Costamarques, primo do pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula. O petista nega todas as acusações.
Além de Lula, serão julgados nessa ação penal Gusmão, Costamarques, o empreiteiro Marcelo Odebrecht, o ex-ministro Antonio Palocci e seu ex-assessor Branislav Kontic, e o advogado Roberto Teixeira, compadre e advogado do ex-presidente. Na última semana, Palocci prestou depoimento a Moro e incriminou o ex-presidente – disse que havia um “pacto de sangue” entre o empresário Emílio Odebrecht e Lula, que teria envolvido um “pacote de propinas” ao petista no final de seu segundo mandato no Palácio do Planalto, em 2010.
Confira abaixo os detalhes de todas as ações penais e denúncias contra o ex-presidente:
Tríplex do Guarujá (Lula foi condenado)
Lula foi condenado por Moro, no dia 12 de julho, a nove anos e seis meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A sentença foi a decisão derradeira do juiz no processo em que o petista foi acusado pela força-tarefa da Lava Jato de receber propina da OAS. Entre as vantagens recebidas, segundo a acusação, está um apartamento tríplex no Guarujá, em São Paulo.
Ao acusar Lula, a força-tarefa apontou o petista como “chefe” do esquema de corrupção montado na Petrobras e o acusou de participar, em parceria com a OAS, do desvio de mais de 87 milhões de reais dos cofres da estatal. De acordo com a denúncia, o petista recebeu 3,7 milhões de reais em vantagens indevidas pagas pela empreiteira. A maior parcela, de 1,1 milhão de reais, corresponde ao valor estimado do tríplex, cujas obras foram concluídas pela empreiteira.
A defesa de Lula já protocolou no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que julgará as decisões de Moro em segunda instância, um recurso contra a sentença expedida pelo juiz. Os advogados, que pedem a absolvição do petista, afirmam que um conjunto de equívocos justifica a nulidade ou a reversão da condenação. Eles sustentam que a análise de Moro foi “parcial e facciosa” e “descoberta de qualquer elemento probatório idôneo”.
Sítio em Atibaia reformado por empreiteiras (Lula é réu)
Em agosto, Moro aceitou outra denúncia que a força-tarefa da Lava Jato, em Curitiba, apresentou contra Lula. O ex-presidente é acusado dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso envolvendo obras no sítio Santa Bárbara, em Atibaia (SP), frequentado pelo petista e reformado pelas empreiteiras Odebrecht, Schahin e OAS, além do pecuarista José Carlos Bumlai.
De acordo com os procuradores, o ex-presidente foi beneficiado ilicitamente com cerca de 1 milhão de reais nas reformas, que incluíram a construção de anexos e benfeitorias no sítio, como a instalação de uma cozinha de alto padrão. Odebrecht e OAS teriam arcado com 870.000 reais das obras e a Schahin, por meio de Bumlai, teria pago 150.500 reais. O pecuarista também é réu pelo crime de lavagem de dinheiro.
O dinheiro teria sido retirado, no caso da Odebrecht, de propinas de 128 milhões de reais em quatro contratos com a Petrobras: dois para construção da refinaria Abreu e Lima (RNEST), em Pernambuco, e dois do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj); no caso da OAS, o dinheiro teria sido contabilizado em vantagens indevidas de 27 milhões de reais pagas sobre três contratos: de construção e montagem dos gasodutos Pilar-Ipojuca e Urucu-Coari e da construção do Novo Centro de Pesquisas da Petrobras (Novo Cenpes), no Rio.
Também viraram réus no processo os empreiteiros José Adelmário Pinheiro Filho, conhecido como Léo Pinheiro, Marcelo Odebrecht e Emílio Odebrecht, o ex-executivo da OAS Agenor Franklin Magalhães Medeiros, os ex-executivos da Odebrecht Alexandrino Alencar, Carlos Armando Guedes Paschoal e Emyr Diniz Costa Júnior, o ex-engenheiro da OAS Paulo Roberto Valente Gordilho, o ex-assessor especial da Presidência Rogério Aurélio Pimentel, o advogado Roberto Teixeira e Fernando Bittar.
A defesa de Lula nega as acusações e diz que o sítio tem donos, registrados em cartórios, e que ele apenas usava eventualmente o imóvel.
A compra do silêncio de Nestor Cerveró (Lula é réu)
Lula é réu em três ações penais na Justiça Federal do Distrito Federal. A primeira delas foi aberta em julho de 2016 pelo juiz federal Ricardo Soares Leite, que aceitou denúncia do MPF contra o petista pelo crime de obstrução de Justiça por supostamente ter orquestrado as ações que tentaram comprar o silêncio do ex-diretor da área Internacional da Petrobras Nestor Cerveró.
A acusação de que o ex-presidente havia atuado para impedir um acordo de delação premiada de Cerveró tinha sido feita pelo ex-senador Delcídio do Amaral (ex-PT). No início do mês, no entanto, o MPF pediu a absolvição de Lula e do banqueiro André Esteves. Para o procurador Ivan Cláudio Marx, Delcídio mentiu “sobre fatos que levaram à abertura da ação penal contra sete pessoas”.
Na alegação enviada ao juiz Ricardo Leite, o procurador refez a forma como ocorreu o fato que gerou a denúncia: o pagamento de 250 mil reais para que Cerveró não firmasse acordo de delação premiada ou, caso fizesse, protegesse Delcídio. Ele concluiu que não há provas de que Lula e Esteves participaram dos supostos crimes. “Ao contrário do que afirmou Delcídio – tanto na colaboração quanto no depoimento dado à Justiça -, o pretendido silêncio de Cerveró, que à época cumpria prisão preventiva, não foi encomendado ou interessava a Lula, mas sim ao próprio senador”, disse o MPF.
Favorecimento à Odebrecht no BNDES (Lula é réu)
Em ação penal que corre na Justiça Federal do Distrito Federal a partir da Operação Janus, o juiz federal Vallisney de Souza Oliveira julgará Lula pela suposta prática dos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro, organização criminosa e tráfico de influência.
O petista é acusado pelo MPF de atuar como lobista da Odebrecht em países da América Latina e da África, onde a empresa tem projetos bilionários financiados pelo BNDES. Formalmente, a empreiteira contratava o ex-presidente para dar palestras nesses países, pelas quais Lula recebeu 7,6 milhões de reais da Odebrecht por meio de sua empresa, a L.I.L.S., e em doações ao Instituto Lula. Outro pagamento ilícito da empreiteira em benefício do ex-presidente teria sido de 7 milhões de reais na contratação da Exergia Brasil, de Taiguara Rodrigues, sobrinho de Lula, para atuar em uma obra em Angola.
São réus nesse processo, além de Lula e Taiguara, o empreiteiro Marcelo Odebrecht, José Emmanuel de Deus Camano Ramos, Pedro Henrique de Paula Pinto Schettino, Maurizio Ponde Bastianelli, Javier Chuman Rojas, Marcus Fábio Souza Azevedo, Eduardo Alexandre de Athayde Badin, Gustavo Teixeira Belitardo e José Mário de Madureira Correia.
Caças suecos e venda de Medida Provisória (Lula é réu)
Além de Lava Jato e da Janus, Lula é réu em uma ação penal da Operação Zelotes. O juiz federal Vallisney de Souza Oliveira aceitou denúncia do MPF contra o petista pelos crimes de tráfico de influência, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Os investigadores apuraram que Lula, seu filho Luís Cláudio Lula da Silva e os consultores Mauro Marcondes e Cristina Mautoni participaram de negociações irregulares no contrato de compra de 36 caças Gripen, da empresa sueca Saab, e de uma medida provisória para prorrogação de incentivos fiscais para montadoras de veículos. Segundo o MPF, Luís Cláudio recebeu 2,5 milhões de reais da empresa dos consultores por serviços que, segundo o MPF, eram fictícios.
Formação de organização criminosa (Lula foi denunciado)
A Procuradoria-Geral da República (PGR) ofereceu ao Supremo Tribunal Federal (STF), na última semana, uma denúncia por formação de organização criminosa contra os ex-presidentes petistas Lula e Dilma Rousseff, além de outras lideranças do partido. A acusação tem como foco crimes que foram praticados contra a Petrobras no período entre 2002 e 2016. Segundo o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, os denunciados “integraram e estruturaram uma organização criminosa” que cometeu “uma miríade de delitos, em especial contra a administração pública em geral”.
Também foram denunciados os ex-ministros Antonio Palocci, Guido Mantega, Edinho Silva, Gleisi Hoffmann (hoje senadora pelo Paraná) e Paulo Bernardo, além do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, que já foi preso na Lava Jato.
Segundo Janot, o esquema desenvolvido pelo grupo de petistas denunciados chega a 1 bilhão e 485 milhões de reais, além de ter contribuído para que o PP desviasse 391 milhões, o PMDB do Senado, 864 milhões, e o PMDB da Câmara, 350 milhões. “Os crimes praticados pela organização geraram prejuízo também aos cofres públicos. Nesse sentido, só no âmbito da Petrobras, o prejuízo gerado foi de, ao menos, 29 bilhões de reais, conforme expressamente reconhecido pelo Tribunal de Contas da União.”
Obstrução à Justiça no governo Dilma (Lula foi denunciado)
Janot também denunciou Lula e Dilma, na última semana, pelo crime de obstrução à Justiça. No entendimento do MPF, a nomeação de Lula para ministro da Casa Civil, em março de 2016, teve o objetivo de dificultar as investigações da Lava Jato, já que o petista figurava como réu em um dos processos.
O ex-ministro Aloizio Mercadante também foi denunciado por Janot. As acusações foram apresentadas ao STF, mas o ministro Luiz Edson Fachin decidiu enviá-la à primeira instância, na Justiça Federal do Distrito Federal.
Com a nomeação para ministro, Dilma tentava resolver duas questões: melhorar a articulação política de seu governo, que estava em crise — dois meses depois, ela seria afastada do cargo –, e, tão importante quanto, garantir foro privilegiado a Lula, que duas semanas antes havia sido alvo de uma condução coercitiva determinada pelo juiz Sergio Moro, a quem o petista acusa de parcialidade e perseguição política.
Logo após a nomeação de Lula, uma liminar do ministro Gilmar Mendes, do STF, suspendeu a ação de Dilma, por entender que ela teve o objetivo de retirar a competência de Moro e levar os processos contra o petista para o Supremo. O ex-presidente nunca chegou a ocupar o cargo de ministro.
Propina para viabilizar Medida Provisória (Lula foi denunciado)
O MPF voltou a denunciar Lula à Justiça do Distrito Federal na segunda-feira. Foi a segunda acusação apresentada contra o ex-presidente na Operação Zelotes. Os procuradores dizem que Lula e o ex-ministro Gilberto Carvalho (PT) cometeram crime de corrupção passiva ao pedirem 6 milhões de reais em propinas para viabilizar a elaboração e a edição da Medida Provisória (MP) 471/09, que prorrogou por cinco anos benefícios tributários às empresas do setor automobilístico.
A acusação remete a crimes que teriam sido cometidos em 2009, quando Lula exercia o cargo de presidente da República. De acordo com os procuradores da República Frederico Paiva e Hebert Mesquita, a elaboração da MP envolveu promessas de pagamentos de vantagens indevidas a intermediários do esquema e a políticos. O MPF diz que Lula e Gilberto Carvalho tinham 10 milhões de reais em propinas para facilitar a aprovação da MP, mas a quantia foi reduzida para 6 milhões posteriormente.
Outras cinco pessoas foram denunciadas por corrupção ativa: os empresários Carlos Alberto de Oliveira Andrade (Grupo Caoa) e Paulo Arantes Ferraz (MMC – Mitsubishi), o ex-conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) José Ricardo da Silva, o lobista Alexandre Paes dos Santos e o executivo Mauro Marcondes Machado.