Site mostra novas mensagens que reforçam atuação conjunta de Moro e Deltan
Trechos ampliam contexto dos diálogos entre o ex-juiz da Lava Jato e procurador do MPF responsável pela acusação
O site The Intercept Brasil divulgou novos trechos de uma série de diálogos atribuídos ao ex-juiz federal Sergio Moro, hoje ministro da Justiça do governo Bolsonaro, e o procurador Deltan Dallagnol, do Ministério Público Federal. De acordo com o site, o objetivo é mostrar o contexto das conversas em que o então juiz da Lava Jato orienta ações do MPF no âmbito da operação, o que reforça a atuação conjunta entre os dois. As mensagens divulgadas foram trocadas entre outubro de 2015 e setembro de 2017.
Os diálogos no aplicativo Telegram foram obtidos, segundo o site, por uma fonte anônima que compartilhou o material. Em uma das novas passagens divulgadas, Deltan expressa a Moro sua preocupação em relação ao sigilo de um processo que está com o juiz, que disse que os envolvidos já sabiam que haviam sido delatados. “A divulgação dificulta BA [busca e apreensão] e especialmente prisão. Eles virão explicar, peticionar, entrarão com HC [habeas corpus] etc. Falo sem estudar o caso e repassarei sua consideração”, diz o procurador.
Entre os trechos divulgados, também está a indicação, por parte de Moro, de uma pessoa “aparentemente disposta” a falar sobre imóveis relacionados ao petista. “Liguei e ele arriou. Disse que não tem nada a falar etc… quando dei uma pressionada, desligou na minha cara… Estou pensando em fazer uma intimação oficial até, com base em notícia apócrifa”, relata Deltan. O ex-juiz expressa sua dúvida na indicação de uma fonte intermediária e recomenda ao procurador falar com uma outra pessoa.
Em fevereiro de 2016, quando o impeachment de Dilma Rousseff já tramitava na Câmara dos Deputados, Deltan expressa sua preocupação com a segurança de Moro. O juiz pergunta se não seria o caso de inverter a ordem de duas operações planejadas, ao que o procurador também vê risco de ser “atropelado” pelo andamento da operação em São Paulo e Brasília.
Na mesma época, Moro discute com Deltan como responder a notas do Partido dos Trabalhadores. “O que acha dessas notas malucas do diretorio nacional do PT? Deveriamos rebater oficialmente? Ou pela Ajufe [Associação dos Juízes Federais]?”, pergunta Moro. Deltan responde: “Na minha opinião e de nossa assessoria de comunicação, não, porque não tem repercutido e daremos mais visibilidade ao que não tem credibilidade Contudo, vale contestar IMPLICITAMENTE e sem referência direta em manifestações públicas (e em seu caso, decisões).”
No dia 13 de março, quando aconteceu uma das maiores manifestações pelo impeachment de Dilma, Deltan fez uma série de elogios a Moro, homenageado pelo público na ocasião. “E parabéns pelo imenso apoio público hoje. Você hoje não é mais apenas um juiz, mas um grande líder brasileiro (ainda que isso não tenha sido buscado). Seus sinais conduzirão multidões, inclusive para reformas de que o Brasil precisa, nos sistemas político e de justiça criminal. Sei que vê isso como uma grande responsabilidade e fico contente porque todos conhecemos sua competência, equilíbrio e dedicação.”
Moro respondeu: “Fiz uma manifestação oficial. Parabens a todos nós. Ainda desconfio muito de nossa capacidade institucional de limpar o congresso. O melhor seria o congresso se autolimpar mas isso nao está no horizonte. E nao sei se o stf tem força suficiente para processar e condenar tantos e tao poderosos.” O procurador aproveitou para pedir o apoio do juiz ao projeto de dez medidas contra a corrupção. “A sociedade quer mudanças, quer um novo caminho, e espera líderes sérios e reconhecidos que apontem o caminho. Você é o cara”, escreveu Deltan.
As mensagens também mostram que o então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, onde correm os processo da Lava Jato, chegou a queixar-se de recursos que poderiam atrasar a execução de pena de um acusado, fez sugestões no cronograma da operação e reclamou quando novas fases demoraram a acontecer. Inicialmente, Moro e Deltan negaram qualquer irregularidade nas conversas e destacaram o caráter ilícito com que foram obtidas.
Depois, ambos contestaram a veracidade do conteúdo. “Mesmo não reconhecendo a fidedignidade das mensagens que foram espalhadas, nós reconhecemos que elas podem gerar um desconforto em alguém, a gente lamenta profundamente por isso”, disse o procurador em vídeo. A coluna Radar, de VEJA, também mostrou o ajuste na versão de Moro: “Os hackers podem ter escrito algumas daquelas mensagens em meu nome”, disse o ministro, segundo o relato dos senadores Wellington Fagundes (PL-MT) e o vice-líder do DEM, senador Marcos Rogério (DEM-RO).
Se em um primeiro momento a hipótese de as mensagens entre os dois terem sido obtidas de forma ilegal afaste Moro e Dallagnol de maiores consequências disciplinares, já que os diálogos não teriam valor de prova, a relação entre juiz e acusador coloca sob risco de nulidade as decisões proferidas pelo magistrado na operação, conforme avaliam especialistas ouvidos por VEJA.
Na legislação brasileira, é o Código de Processo Penal que dita as regras das ações criminais e trata diretamente desta hipótese. Em seu artigo 254, a norma diz que o juiz deve declarar-se suspeito ou pode ser recusado pelos envolvidos no processo “se tiver aconselhado qualquer das partes” — defesa ou acusação. Mais adiante, o artigo 564 do CPP aponta os casos em que ocorrerá a nulidade, entre eles “por incompetência, suspeição ou suborno do juiz”.