No dia 7 de setembro, um grupo de servidores públicos baseados numa sala do terceiro andar do Supremo Tribunal Federal (STF) acompanhava com muita atenção — e extrema apreensão — as manifestações de apoio ao governo. Dias antes, assessores da presidência da Corte haviam recebido informações de que militantes bolsonaristas planejavam ações extremistas contra a instituição. Os informes não especificavam se o alvo potencial eram as instalações físicas, os ministros ou ambos. Preventivamente, o prédio foi cercado por policiais fortemente armados, técnicos realizaram varreduras em busca de explosivos, barreiras foram erguidas para manter o isolamento num raio de 500 metros, agentes se infiltraram entre os manifestantes para tentar antecipar eventuais ataques e um drone rastreava tudo do alto. Os ministros foram orientados a não sair de casa, a vigilância nas residências foi reforçada e havia até um plano de resgate para ser colocado em prática em caso de emergência.
Esse esquema poderia ter sido apenas uma precaução exagerada diante de um dia potencialmente perigoso, mas infelizmente não foi. Há algum tempo, por questões de segurança, a rotina dos ministros do STF vem mudando significativamente. Hoje, todos eles são orientados a se deslocar em carros blindados, escoltados por um segundo veículo com agentes armados. Alvo principal dos manifestantes, Alexandre de Moraes, por exemplo, conta com vinte homens destacados exclusivamente para protegê-lo. O ministro é responsável pelas investigações que envolvem a família Bolsonaro, já recebeu ameaças de diversos tipos e vive praticamente confinado em seu apartamento em São Paulo. Isso evita situações constrangedoras como a que passou o ministro Luís Roberto Barroso, que preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em junho, ele jantava com a filha num restaurante no Rio de Janeiro quando foi abordado de maneira nada educada por uma mulher que, exaltada (e absolutamente equivocada), criticava a posição dele em relação ao voto impresso.
O resultado dessa ignorância é nefasto em todos os aspectos. O prédio do STF, que recebia turistas e estudantes e sediava exposições de arte, fechou-se ao público e está cercado por guaritas que impedem o livre trânsito de pessoas. Uma área nos fundos do estacionamento principal do edifício foi interditada depois que os agentes constataram que um determinado ponto poderia ser usado por um atirador. A preocupação com a segurança dos ministros não é nova, foi ampliada depois de julgamentos rumorosos como o mensalão e o petrolão, mas atingiu o ápice diante dos ataques da militância bolsonarista. Ao todo sessenta policiais coordenam um número não divulgado de agentes privados treinados pelo Exército, pela Polícia Federal e pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para proteger os magistrados.
O ministro Edson Fachin, que, como relator da Lava-Jato, tomou decisões como a anulação em massa de processos contra o ex-presidente Lula, não sai para uma simples caminhada matinal sem escolta a tiracolo. Para um passeio de bicicleta, o decano Gilmar Mendes precisa estar acompanhado por pelo menos dois vigilantes. O presidente Luiz Fux, a quem Bolsonaro se dirigiu em um inflamado discurso no Dia da Independência para pedir providências contra decisões judiciais que o contrariavam, suspendeu idas à praia e saídas públicas desnecessárias. Nos últimos meses, os ministros passaram a receber análises de risco e informações sobre ameaças captadas na chamada deep web e nas redes sociais. A partir dessa varredura, são orientados a mudar trajetos, cancelar compromissos ou reforçar ainda mais a segurança.
Nas vésperas do feriado, quando estavam programados protestos em todo o país que tinham como um dos motes críticas ao STF, os ministros ouviram instruções para permanecer em casa. Durante as manifestações, alguns recebiam imagens em tempo real do drone que sobrevoava a região central de Brasília. Também foram informados sobre um plano de contingência que, no limite, previa resgatá-los de helicópteros e, no caso de dois deles, por meio de embarcações posicionadas no Lago Paranoá. Felizmente, nada de mais grave aconteceu até hoje — embora pouca coisa pode ser tão grave quanto a constatação de que a Corte de Justiça mais importante do país sofre ameaças.
Publicado em VEJA de 22 de setembro de 2021, edição nº 2756