Reportagem desta edição de VEJA mostra como o orçamento secreto ajudou a fortalecer o poder de caciques da política nacional em suas bases eleitorais nas eleições deste ano.
A disputa do último dia 6 foi a primeira corrida municipal após a consolidação do modelo, e mostrou como dinheiro e sucesso eleitoral, na maioria dos casos, caminham juntos. Criado em 2020, o orçamento secreto distribuiu até este ano 26 bilhões de reais aos rincões do país sem nenhum critério objetivo ou de proporcionalidade.
Além disso, o responsável por destinar a verba foi mantido oculto, camuflado na figura do relator-geral do Orçamento. Ou seja: curiosamente, aquele parlamentar que articulou e conseguiu um dinheiro a mais para os seus municípios não aparece como o destinatário.
É sabido, no entanto, que os principais caciques do centrão foram os que mais lançaram mão da estratégia, que se mostrou frutífera: os cinco partidos do grupo – MDB, PP, Republicanos, União Brasil e PSD -, de um total de vinte que têm representação no Congresso, saíram das urnas com o domínio de mais de 60% dos municípios.
De irmã para sobrinho
O caso de Santana do Ipanema, município de Alagoas com uma população de 47 mil pessoas, é emblemático. Nos últimos quatro anos, a região recebeu 57 milhões de reais por meio das emendas de relator, o que representa 1.000% acima da média nacional.
A cidade é reduto da família Bulhões, e tem como principal representante em Brasília o deputado federal Isnaldo Bulhões Junior, líder do MDB na Câmara.
A verba extra abasteceu todo o mandato da prefeita Christiane Bulhões, irmã do parlamentar. Ela era vice-prefeita e assumiu a função em julho de 2020, quando o então mandatário, o seu pai, Isnaldo Bulhões, faleceu em decorrência da Covid-19.
Com o fim do mandato da prefeita, foi eleito Eduardo Bulhões, sobrinho dela e de Isnaldo, com 64% dos votos.
Durante a campanha, o deputado federal se engajou na corrida e pediu votos a “Dudu” destacando as benfeitorias que chegaram à região. “Esse é o projeto da certeza de que nós continuaremos com os investimentos garantidos para o nosso município”, afirmou Isnaldo durante um comício.
Presidência da Câmara
Com outro filho de terra importante em Brasília, o estado de Alagoas foi turbinado com 1 bilhão de reais do orçamento secreto. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), foi um dos principais articuladores desse tipo de emenda, que acabou proibida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) pela falta de transparência.
O pai de Arthur, Benedito de Lira, alcançou um novo mandato no comando da Barra de São Miguel. A cidade foi a maior beneficiada com o orçamento secreto em termos proporcionais. Com um eleitorado de 8 mil pessoas, o paraíso alagoano recebeu 10 milhões de reais, uma transferência 1100% maior do que a média nacional.
O clã Lira e os Bulhões, porém, caminham em sentidos opostos e rivalizam pelo domínio de municípios em Alagoas, o que pode respingar nos planos políticos em Brasília.
O nome de Isnaldo já foi ventilado como um dos cotados para disputar a Presidência da Câmara no ano que vem. No entanto, a disputa local é justamente o entrave para que o atual presidente, Arthur Lira (PP-AL), chancele o nome dele como sucessor. O principal pano de fundo é que Bulhões é braço-direito do senador Renan Calheiros (MDB-AL), o maior rival de Lira no estado.