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Uso de câmeras na PM vira alvo de tiroteio demagógico na eleição em SP

Equipamento nas fardas reduziu mortes e confrontos entre policiais e civis, mas candidatos ao governo questionam o sistema de olho em dividendos eleitorais

Por Tulio Kruse Atualizado em 4 jun 2024, 12h05 - Publicado em 1 Maio 2022, 08h00

Os primeiros testes com câmeras corporais acopladas ao uniforme de policiais estavam em andamento em outubro de 2018 em São Paulo nas regiões do Jardim Ângela e Capão Redondo, na Zona Sul, que estão entre as mais violentas da cidade. Ali também havia a maior taxa de denúncias, reclamações, mortes após intervenção policial e lesões corporais durante as operações. A experiência agradou ao comando da PM. O programa ganhou uma expansão cerca de dois anos depois, e os resultados não demoraram a aparecer. Em junho de 2021, pela primeira vez na história, não foi registrada nenhuma morte de suspeito em choque com policiais dos dezoito batalhões que usam o aparelho. O número de confrontos caiu mais de 80%. As mortes de PMs em serviço chegaram à menor taxa em 31 anos: uma foi registrada em confronto em 2021, e em uma unidade que não usava câmera — outras três foram em acidentes de trânsito.

Apesar dos bons resultados, a utilização dos equipamentos entrou na linha de fogo da campanha ao governo. O primeiro a atirar foi o ex-ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos), apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro — segundo Tarcísio, a câmera inibe os agentes, o que é rebatido por comandantes das polícias. Márcio França (PSB), que era o governador quando o projeto-piloto foi lançado, quer reformular o programa por considerar o formato “caríssimo e invasivo”: “são doze horas por dia filmando todo policial”. Já o governador Rodrigo Garcia (PSDB) se equilibra na discussão: chegou a dizer que tem dúvidas sobre o uso em operações especiais e no Batalhão de Choque, mas recuou após conversar com comandantes da PM — agora defende a implementação em todas as unidades. Fernando Haddad (PT) também é a favor da utilização.

arte câmeras

O discurso dos candidatos contrários à medida não se sustenta. As câmeras são programadas para gravar com alta resolução, som e localização georreferenciada apenas as ocorrências policiais, e assim preservar momentos de privacidade, como conversas pessoais e refeições. Os números de produtividade também mostram que o trabalho não fica inibido: batalhões com câmeras fizeram 41% mais flagrantes e 13% mais apreensões de armas do que aqueles sem o equipamento, segundo a Secretaria de Segurança Pública. Outra consequência é que a polícia intensificou o treinamento. “Os policiais começaram a se comportar mais na conformidade com aquilo que é estabelecido como regra”, avalia o coronel reformado José Vicente da Silva Filho, professor de mestrado em estudos de segurança da PM-SP e ex-secretário nacional de Segurança Pública no governo FHC.

Os exemplos de sucesso vão além do caso paulista. A PM de Santa Catarina tem um programa similar desde 2019 e hoje já conta com câmeras em todos os batalhões. Pesquisadores brasileiros em universidades britânicas e na PUC-Rio mostraram que a medida reduziu em 61% o uso da força pela polícia local. “Essa fase de discussão sobre implementar ou não a câmera nós já superamos”, diz o coronel Evandro Fraga, subcomandante-geral da PM-SC. No Rio de Janeiro, o governo anunciou a implantação de 8 000 aparelhos em dez batalhões da PM a partir de maio — os primeiros testes foram feitos no réveillon.

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CONTRÁRIOS - França e Tarcísio: críticas que não se sustentam na realidade -
CONTRÁRIOS - França e Tarcísio: críticas que não se sustentam na realidade – (Antonio Molina/Fotoarena; Roberto Gardinalli/Futura Press)

Ainda que com algum atraso, o Brasil tomou a atitude correta de copiar o bom exemplo que vem de fora. O Reino Unido foi o primeiro país a utilizar o sistema, em 2005, com melhora da performance policial em vários tipos de ocorrências. Nos Estados Unidos, é lei federal desde 2014 na esteira de protestos em Ferguson (Missouri) após um policial branco matar um jovem negro. Estudo pioneiro na cidade de Rialto (Califórnia) em 2012 mostrou a eficácia das câmeras para evitar que situações de baixo risco escalem para casos de violência.

Lamentavelmente, a motivação para politizar o assunto é eleitoral — e ideológica. Uma parcela da tropa é contrária e é acompanhada de um contingente da população (e do eleitorado) guiado por um discurso que pretende justificar abusos e mortes praticados fora dos protocolos de atuação da polícia — exatamente o que a cúpula da corporação trabalha para coibir. A entrada do tema na eleição, portanto, não se pauta por motivo técnico. Os números deixam pouca margem a dúvidas de que as câmeras protegem tanto policiais quanto a população. É um assunto importante demais para virar alvo de um tiroteio demagógico.

Publicado em VEJA de 4 de maio de 2022, edição nº 2787

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