O pró-reitor de Extensão e Cultura da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Eraldo dos Santos Pinheiro, foi alvo de uma investigação interna do governo por fazer críticas ao presidente Jair Bolsonaro durante uma live no Facebook e no YouTube da instituição na cerimônia de posse da nova reitoria.
Além de Pinheiro, o ex-reitor da UFPel Pedro Hallal, que estava transmitindo o cargo, também foi investigado por suas declarações e recebeu uma notificação da CGU (Controladoria-Geral da União). Os dois professores assinaram um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) para colocar um fim ao processo (veja abaixo), iniciado após uma denúncia feita pelo deputado federal bolsonarista Bibo Nunes (PSL-RS). Os docentes se comprometeram em não repetir atos desse tipo por dois anos.
Segundo a CGU, Hallal e Pinheiro realizaram uma “manifestação desrespeitosa e de desapreço direcionada ao Presidente da República” no local de trabalho. Na oportunidade, os docentes criticaram o fato de Bolsonaro ter ignorado o candidato a reitor mais votado pelo Conselho Universitário, o professor Paulo Ferreira, que recebeu 56 votos (ele também havia sido o mais votado em eleição com docentes, estudantes e servidores). A nomeada foi Isabela Fernandes Andrade, que teve seis votos no conselho — Pinheiro ficou em terceiro, com dois.
Na live, Pinheiro afirmou que “contra-atacaremos o golpe impetrado por esse grupo que está devastando nosso país”. “Grupo liderado por um racista, machista, homofóbico, genocida, que exalta torturadores e milicianos, que ao longo do tempo vem minando, destruindo as estruturas já precárias nas nossas instituições. Não satisfeito, ainda iniciou um movimento de articulação para gerar conflitos internos nas universidades a ponto de não termos força e unidade para enfrentar o real inimigo. Se enganaram, porque não seremos pautados por essas imposições”, disse.
Já Hallal declarou que “jamais flertaremos com a possibilidade de um interventor na nossa universidade”. “Aqui não. O senhor não manda em absolutamente nada aqui na na UFPel. Quem manda na UFPel é a nossa comunidade. O senhor é desprezível”, afirmou durante a transmissão. Hallal foi um dos idealizadores do estudo conhecido como Epicovid-19 em 2020, que fez a coleta de dados da doença em nove cidades do Rio Grande do Sul e serviu de referência para o governo do estado implantar o plano de distanciamento controlado, ainda em vigência.
Leia abaixo entrevista com Pinheiro:
O que o senhor achou da advertência? Dos males o menor, digamos. A questão nem é a advertência, mas o simbolismo disso. Foi feita uma denúncia, a partir dessa denúncia, o procurador sugeriu que fizéssemos esse TAC e arquivou o caso. Então, a questão toda é o simbolismo que está por trás disso tudo.
Qual é esse simbolismo? Eu estou cumprindo um TAC, então, nesse momento, é melhor eu falar exatamente o que falei anteriormente. Acho que dá para entender o simbolismo.
O senhor já tinha passado por uma situação semelhante? Não, dessa forma nunca, até porque existem opiniões contrárias às minhas e, em nenhum momento, eu deixaria de lutar para que as pessoas continuassem dando a sua opinião. Se há alguma esperança de que isso seja encarado como uma forma de nos calar, dificilmente isso vai ocorrer. Então, vida que segue.
Qual foi a reação dos seus colegas e alunos? As reações foram as mais diversas, mas todas elas em graus diferentes de indignação. Está todo mundo surpreendido com a forma como a universidade pública vem sendo tratada no país. E esse é mais um passo nesse sentido.
O senhor pretende continuar fazendo críticas ao governo? Fora do meu ambiente de trabalho, sim.
Naquela live especificamente, o que estavam defendendo? O reitor eleito (Paulo Ferreira) não assumiu a universidade, ele não foi nomeado, sem nenhuma justificativa, sem nenhum argumento. A nossa universidade teve um importante protagonismo no que se refere às questões da Covid-19, nas pesquisas conduzidas pelo professor Pedro Hallal e o centro de epidemiologia. Então, a universidade estava bastante visada. Foi eleito um professor alinhado com a atual gestão. Os três candidatos são do mesmo grupo político e não fazia sentido nenhum não ser o professor Paulo o reitor nomeado. Naquele momento (na live), a gente se dirigu a nossa comunidade interna, realizando as críticas que consideramos adequadas à situação.
O senhor fará críticas agora só fora do seu local de trabalho. Sente-se intimidado ou silenciado de alguma forma? É porque o termo de ajustamento de conduta é isso. Eu fiz um acordo e tenho que cumprir o acordo.
Esse acordo foi obrigatório? Não, eu poderia não aceitar o acordo e responder a um procedimento administrativo disciplinar. Então seria montada uma comissão, que iria verificar as condutas e as punições, que são as mais variadas.
Qual é a avaliação do Bolsonaro na comunidade acadêmica? É bom eu não responder isso agora, mas é fácil de avaliar. É só olhar as redes sociais, olhar como o ambiente universitário está reagindo a essa negação da ciência.
Na sua avaliação, qual é o objetivo do governo com essas advertências? Não tem como saber o objetivo, considerando que o governo vem punindo a universidade como um todo, desde questões de estrutura e de financiamento até a negação de conhecimento gerado pela universidade. Aqui foi feito um manual de conduta dentro da universidade, então, os objetivos do governo me parecem bem claros. Mas eu estou com qualquer possibilidade de discutir isso cerceada nesse momento.
O que fará agora depois de ser advertido? Continuar trabalhando. Eu sou pró-reitor de Extensão e Cultura da universidade e nós temos um trabalho muito forte junto à comunidade da nossa região. Vou seguir em frente. Não podemos parar.