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“A ficção ensina a pensar sobre o bem e o mal”, diz frei fã de Star Wars

À frente do Observatório do Vaticano, o astrônomo Guy Consolmagno defende as sagas interestelares e diz que terraplanistas só querem atenção

Por Maria Clara Vieira Atualizado em 20 dez 2019, 19h51 - Publicado em 20 dez 2019, 18h08

Aos 67 anos, o astrônomo Guy Consolmagno tem um currículo respeitável no mundo das ciências: com passagem pelo Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT) e pela Universidade de Harvard, é membro da União Astronômica Internacional e um dos vencedores da medalha Carl Segan, dedicada a cientistas que se esmeraram na tradução de suas descobertas para o grande público. O próprio Segan, morto em 1996, teve duros embates com americano sobre a existência de vida fora da terra. A esta altura, Consolmagno já havia aliado sua vida acadêmica à vocação religiosa que decidira seguir em 1989, quando entrou para a Companhia de Jesus. Desde então, frei Guy é o responsável pelo Observatório do Vaticano, um dos mais antigos institutos de pesquisa do mundo. Como todo bom nerd, é fã de ficção científica e sagas interestelares, e já chegou a declarar que o Papa Francisco é o Mestre Yoda da Igreja Católica. Sobre a conexão entre fé, fantasia e religião, Consolmagno falou a VEJA.

O senhor ministrou uma palestra intitulada “Os jesuítas e os jedi”. O que uma coisa tem a ver com a outra? Não é por acaso que os jedi são retratados vestindo mantos. Eles se desligaram das alegrias comuns da vida cotidiana, incluindo família e posses, para se dedicar a verdades mais profundas e sutis, tal qual os membros de uma ordem religiosa. É uma escolha para poucos, sempre sujeita ao perigo do orgulho (“Sou um dos escolhidos”) e aos pecados que o acompanham.

Por muito tempo, os cristãos foram desaconselhados a consumir esse tipo de ficção. Na sua opinião, convém que o fiel tenha acesso a essas histórias? Claro. Muitos escritores de ficção científica são fieis devotos. Entre os católicos famosos estão J. R. R. Tolkien, Anthony Boucher e Gene Wolfe. O ator que interpretou Obi-Wan Kenobi, Alec Guinness, era católico e chegou a nos visitar algumas vezes, aqui no Observatório. Óbvio que ninguém deve substituir a religião por ficção científica, futebol ou música popular.

Como a ficção conversa com os valores cristãos? A ficção científica trata das chamadas “grandes questões” e vê o bem e o mal de novas maneiras, em contextos diferentes. As perguntas que ela coloca não têm uma resposta definitiva, como em um livro didático. Estão lá para nos fazer pensar sobre os problemas sob novos ângulos e entendê-los mais profundamente. Essa é uma atividade muito religiosa. Quando examinamos uma questão moral em uma galáxia distante, podemos escapar de preconceitos e ver tudo sob um novo foco.

O senhor é fã de alguma outra saga interestelar? Gosto bastante de Jornada nas Estrelas, principalmente dos episódios que lembram que o caminho para o inferno é pavimentado de boas intenções e os que destacam a dificuldade para se aplicar a “primeira diretriz” (a proibição a todas as naves e membros da Frota Estelar de interferir com o desenvolvimento normal de uma cultura).  Saber quando agir e quando respeitar o curso dos acontecimentos é um dilema que todos os pais e professores conhecem.

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O surpreendentemente ressurgimento do movimento terraplanista está associado a grupos religiosos radicais. O que explica a relação? Boa pergunta. Quanto mais alguém duvida das religiões tradicionais, com milênios de história e ritos estabelecidos, mais ele será vítima de teorias da conspiração. No fundo, os terraplanistas gostam de pensar que são mais inteligentes do que os outros. Se todos concordassem, eles provavelmente mudariam de ideia.

O senhor acha que existe vida fora da Terra? Acredito que pode existir. Graças à ficção científica, a maioria das pessoas, cristãos inclusive, aceita a ideia de que não estamos sozinhos.

Em algum momento foi difícil ser cientista e religioso? Nunca. Não sou meio cientista, meio religioso. Faço ciência como uma maneira de expressar meu amor pela criação e seu Criador.

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