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Na disputa entre evangélicos por jovens fiéis, vale até festa com open bar

As táticas que miram os estratos mais baixos da pirâmide etária abrangem ainda um exército de influencers

Por Ricardo Ferraz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Duda Monteiro de Barros Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Ludmilla de Lima Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 21 mar 2025, 19h28 - Publicado em 21 mar 2025, 06h00

A tarde cai, e uma turma jovem sacode a pista, embalada por música eletrônica. Não muito longe, avista-se um open bar, com os mais variados coquetéis servidos à vontade, consumidos sob a moldura de labaredas no palco. Detalhe: nada de álcool nas coloridas misturas. As roupas são descontraídas, e dá-lhe selfies, compartilhadas em tempo real. Os desavisados podem até pensar estar em uma balada como outra qualquer, não fosse o fato de esta ter como cenário a igreja evangélica Casa, de Goiânia, conhecida por juntar fiéis não apenas nos cultos, mas em agitos como o daquele sábado em que esteve presente a influencer Karen Tabosa, 25 anos. “Não seguimos a religiosidade de forma convencional. Saio de um encontro como esse realizada”, diz ela, que acaba de ser batizada e pagou 50 reais para participar do evento conhecido como Sunset.

Estratégias de atração semelhantes às postas em prática pela congregação de Goiânia, apesar de fazer uma ala mais tradicional torcer o nariz, vêm sendo adotadas por muitas outras denominações, pentecostais e neopentecostais, Brasil afora. As táticas que miram os estratos mais baixos da pirâmide etária abrangem ainda um exército de influencers e um discurso no púlpito que se amolda às necessidades de uma juventude atrás de respostas rápidas para suas aflições.

LUZ, CÂMERA, ORAÇÃO - Depois de muito procurar, a acreana Karen Tabosa, 25 anos, se identificou com uma denominação neopentecostal repleta de jovens onde o culto, segundo ela, é mais leve. “Tem muita música, luzes no púlpito, parece um clipe. Vou com a roupa que quiser”, diz ela, que foi recém-batizada e conta não sentir ali as amarras de igrejas mais tradicionais
LUZ, CÂMERA, ORAÇÃO – Depois de muito procurar, a acreana Karen Tabosa, 25 anos, se identificou com uma denominação neopentecostal repleta de jovens onde o culto, segundo ela, é mais leve. “Tem muita música, luzes no púlpito, parece um clipe. Vou com a roupa que quiser”, diz ela, que foi recém-batizada e conta não sentir ali as amarras de igrejas mais tradicionais (@karen_tabosaa/Instagram)

O que deu gás à atual disputa por fiéis — mais profissional e multifacetada — é a transição religiosa em curso no país. Os evangélicos já correspondem a quase um terço da população e devem ultrapassar os católicos em 2032. Cresce o público, e as igrejas acompanham o ritmo — elas expandem à velocidade de dezessete novos templos por dia, segundo levantamento do Ipea. É nesse contexto que a silenciosa batalha para inflar o rebanho se intensifica, calçada em um padrão de comportamento bem mapeado por especialistas. “É comum entre as famílias evangélicas uma alta circulação entre diferentes igrejas”, afirma o antropólogo Rodrigo Toniol, da UFRJ.

Os pastores que captam os ventos contemporâneos têm se saído bem ao adaptar seus templos à linguagem de uma multidão regida pela lógica da internet. Nos últimos tempos, se disseminaram igrejas de paredes pretas, equipadas com telões e som de primeira, tudo para criar um ambiente propício à apresentação das cada vez mais celebradas bandas de pop gospel — e, claro, viralizar nas redes sociais. “Quem não se atualiza perde fiéis”, diz Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo (ADVEC), que apostou as fichas em equipamentos de luz e som nos setenta templos que abriu de 2020 para cá. Ele próprio garante que deu uma recauchutada no visual. “No passado, eu só pregava de terno e gravata. Hoje, uso tênis, calça jeans e camisa esporte”, afirma. Na filial de Niterói, um espaço de 11 000 metros quadrados, antes uma casa de shows à beira-mar, é oferecida até a prática esportiva aos fiéis. Beach tennis, corrida e vôlei de praia são as modalidades ofertadas por iniciativa de Marquinhos Menezes, o “Pastorzão”, responsável pelo templo. “A porta de entrada era grande, mas a de saída também. Muitos acabavam procurando igrejas pequenas em busca do acolhimento mais pessoal”, justifica.

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PURA ADRENALINA - Culto a toda na Assembleia de Deus, de Malafaia: entre as atividades, aulas de beach tennis e corrida
PURA ADRENALINA - Culto a toda na Assembleia de Deus, de Malafaia: entre as atividades, aulas de beach tennis e corrida (advec/Divulgação)

Pilares conservadores da igreja continuam sustentando a fé em uma boa parcela das instituições e são abraçados por uma fatia expressiva dos jovens desta era. O que vem essencialmente mudando é a leitura que se faz da Bíblia, de onde esse público procura extrair uma mensagem aplicável aos desafios do dia a dia. “O sagrado intocável perdeu espaço e o foco agora é vivenciar a religião de forma mais prática e objetiva”, explica o sociólogo Fábio Lanza, do Laboratório de Estudos sobre Religiões e Religiosidade. Parece estar surtindo efeito, como indica uma recente pesquisa do Datafolha, que examinou entre a população evangélica quanto a atividade religiosa influencia os distintos escaninhos da existência. Numa escala de zero a 10, a área mais impactada pelos versículos é a profissional (nota 8,9), seguida por amizades (8,1) e relacionamentos amorosos (7,7).

SÓ NA INFLUÊNCIA - Junior Rostirola: requisitado para rodar templos pelo país
SÓ NA INFLUÊNCIA - Junior Rostirola: requisitado para rodar templos pelo país (@juniorrostirola/Instagram)
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Há algum tempo os templos já oferecem um leque de atividades que torna a ida à igreja uma experiência para muito além do culto. A diferença agora é a escala — cursos de empreendedorismo e dinâmicas de casal são apenas a ponta de uma oferta que, não raro, acaba em festa, literalmente. “As igrejas estão adotando práticas de marketing e gestão empresarial para se distinguirem em um mercado cada dia mais competitivo”, observa a cientista política Manuela Löwenthal, da Unifesp. Criada na pandemia, a sede da neopentecostal We are Reino lota em Balneário Camboriú, onde é servida a uma turma, a maioria entre 20 e 30 anos, uma rodada de soda italiana. Voluntários portando placas com mensagens instagramáveis dão as boas-vindas. Novata por lá, a fisiculturista Beatriz Maiara, 32 anos, relata que se encontrou ali. “Procurei, procurei, mas não achava uma igreja para mim. Aqui, vi que tudo era diferente”, diz ela, que se exibe antes das orações com looks pensados peça a peça. “Partiu, igreja”, avisa no TikTok.

Nestes novos tempos, pastores que conquistaram notoriedade e seguidores aos milhões fazem dupla jornada, alternando o próprio púlpito com o de outras denominações que os requisitam — e são bem pagos por isso. Entre os mais proeminentes influencers da fé, o cachê (ou “oferta de honra”) gira entre 10 000 e 20 000 reais por aparição. Um dos expoentes do momento, Junior Rostirola, autor do best-seller Café com Deus Pai, roda o país inteiro, de igreja em igreja, promovendo pregações moderninhas sobre temas que afligem rebanhos diversos, como vida conjugal e sucesso na carreira. Nas últimas duas semanas, foram seis visitas entre Rio de Janeiro, São Paulo e Pernambuco. “Talvez esteja em você a responsabilidade de quebrar os padrões”, repete. Celebridades também são chamariz. A Lagoinha de Alphaville, em São Paulo, criou até uma polêmica área vip para receber jogadores de futebol e artistas. “Na igreja, ninguém é mais importante do que ninguém. Porém são inúmeras as pessoas que infelizmente não têm o privilégio de sentar onde querem e viver uma vida comum”, justifica o pastor André Valadão.

FEITA PARA AS REDES - No templo da We Are Reino, em Balneário Camboriú (acima), a estética é prato cheio para fiéis como a fisiculturista Beatriz Maiara (à dir.), 32 anos, postarem adoidado. Já na entrada, serve-se soda italiana e voluntários recepcionam o rebanho com cartazes instagramáveis. “O lugar é tão bonito que, logo que entrei, senti a presença de Deus”, diz ela, que ajuda a divulgar a igreja
FEITA PARA AS REDES – No templo da We Are Reino, em Balneário Camboriú (à esq.), a estética é prato cheio para fiéis como a fisiculturista Beatriz Maiara (à dir.), 32 anos, postarem adoidado. Já na entrada, serve-se soda italiana e voluntários recepcionam o rebanho com cartazes instagramáveis. “O lugar é tão bonito que, logo que entrei, senti a presença de Deus”, diz ela, que ajuda a divulgar a igreja (@wearereino/instagram; @biamaiara/Instagram)
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O salto evangélico vem embutido do desafio de manter laços estreitos com milhares de fiéis ao mesmo tempo, o que tem sido contornado pelo chamado “sistema de células”. Na casa de um integrante da igreja, grupos de até quinze pessoas se reúnem para estudar a Bíblia, cantar louvores e trazer à mesa suas angústias, numa espécie de miniculto. Os líderes desses núcleos, que vêm proliferando, obedecem a orientações do pastor no comando, fazendo a mensagem fluir pelas engrenagens da fé. Quem se destaca nas miúdas estruturas vai subindo na organização, num esquema piramidal que faz lembrar o da venda direta de cosméticos. “Toda semana, contabilizamos 30 000 pessoas em domicílios que funcionam em torno de nossas doze unidades”, conta Maurício Soares, à frente da administração da Novos Começos, uma dissidência da Lagoinha, que estreou com apenas 150 integrantes, doze anos atrás. É mais um exemplo de como a fé hoje vem embalada em estratégias de gestão e impulsionada por um cardápio animado de atrações.

Publicado em VEJA de 21 de março de 2025, edição nº 2936

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