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No princípio era o clique: como as mais variadas doutrinas investem nas redes sociais

Elas divulgam seu credo, livres para escolher com quem e como seguir as pregações

Por Valéria França Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 23 fev 2025, 08h00

Fiéis que visitavam recentemente uma capela em Lucerna, na Suíça, conseguiram falar com Jesus Cristo. Não foi uma aparição messiânica. Na verdade, o público presente no templo conversou com um avatar criado por inteligência artificial (IA), e do diálogo dirimiu dúvidas em torno da crença cristã. Esse robô é um bom exemplo de como a digitalização da fé é um fenômeno. Um dos campos mais férteis para a pregação são as redes sociais. Ali, brotam ofertas ecumênicas para as mais diversas vertentes espirituais, e muitas vezes os deuses coram de vergonha. No chinês TikTok, que por milagre ressuscitou nos Estados Unidos de Donald Trump, tem de tudo um pouco, de missas a homilias, de pregações e lugares-­comuns. As hashtags #jesus e #islam, juntas, já ultrapassam 1,2 trilhão — trilhão! — de visualizações.

Há canais para todos os credos. No YouTube, um curso a distância promove formação em umbanda, a religião afro-brasileira que mistura o culto aos orixás com elementos de religiões ocidentais, que dá direito a certificado de conclusão. No Instagram, padres vendem desde viagens de peregrinação pela Europa — que se autopromovem rapidamente com o compartilhamento das imagens dos seguidores — até aulas sobre como se preparar para o fim do mundo, que virá, garantem eles. É uma revolução só comparável à de quando o alemão Johannes Gutenberg (1398-1468) criou o sistema ocidental de impressão por tipos móveis, escolhendo a Bíblia para ser o primeiro livro confeccionado pelo método inovador. Era um misto de obrigação com o seu empregador, o Sacro Império Romano-Germânico, e desenvolvida visão de futuro.

NA RIBALTA - Jasseron: padre presbiteriano deixou a batina depois das críticas
NA RIBALTA – Jasseron: padre presbiteriano deixou a batina depois das críticas (Arnaud Finistre/AFP)

A aposta de Gutenberg foi certeira. Mais de 3,9 bilhões de exemplares bíblicos, em 3 000 idiomas, já foram vendidos no mundo. “Antes, os escritos sagrados estavam nas mãos só de pequenos grupos religiosos”, diz Silas Guerriero, professor da pós-graduação em ciência da religião, na PUC-­SP. Tratava-se, naquele tempo, de conhecimento exclusivo do papa e de seus cardeais, guardado a sete chaves, em narrativa costurada com esmero e inteligência por Umberto Eco em O Nome da Rosa.

Com o tempo, é natural, depois de Gutenberg, vieram o rádio, a televisão e o computador. Casamentos, funerais e missas puderam ser transmitidos ao vivo ou em gravações de excelência. Hoje, contudo, houve salto exponencial — o que não significa a morte de folhetos e livros, que ainda pululam, e é bom destacar a existência, no Brasil, de uma editora, a Paulinas, fundada em 1931 e que segue firme no mercado. “Mas a religião, é bom saber, sempre esteve de mãos dadas com as revoluções midiáticas”, diz Ricardo Hida, pesquisador da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e autor do livro Rituais Online.

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Os efeitos são nítidos. O alcance da devoção eletrônica é imenso, e muita gente que jamais pisaria em teto religioso pode receber as mensagens. Cai também o distanciamento professoral e arrogante, e o linguajar simplificado pode ajudar a atrair, em resposta democrática. Vale lembrar ainda da relação íntima entre a atual onda e a pandemia de covid-19, que acelerou mudanças (leia a reportagem na pág. 58). Mesmo antes do distanciamento social imposto pelo vírus, as empresas, em geral, já tinham acelerado a chamada transformação digital. As igrejas, que também são negócios bem-­sucedidos, seguiram a tendência. Nos lockdowns, as pessoas foram proibidas de frequentar reuniões sagradas para impedir a disseminação da doença. Rapidamente todas as vertentes abriram alguma extensão digital para atendimento, até aquelas que pareciam impossíveis de funcionar a distância. É o caso do espiritismo e da umbanda, que envolvem processos mediúnicos, mas hoje interagem por meio da máquina, seja um computador, seja um smartphone.

REVOLUÇÃO - A Bíblia de Gutenberg: a tecnologia de impressão a serviço da fé
REVOLUÇÃO - A Bíblia de Gutenberg: a tecnologia de impressão a serviço da fé (Fine Art Images/Getty Images)

Direto ao ponto: as redes sociais empoderaram o chamado baixo clero, o que às vezes provoca ciumeira na alta hierarquia. Foi o que aconteceu com o padre presbiteriano mais famoso da França, Matthieu Jasseron, de 40 anos, com 1,2 milhão de seguidores no TikTok. No fim do ano passado, ele anunciou que havia pendurado a batina, criticado pelos superiores, que o consideravam vaidoso em demasia. “Tenho uma fé prática”, justificou. “Ao contrário da Igreja, que mais parece um partido político, onde vale mais o sucesso de quem manda do que fazer o bem comum.” No Brasil, entre os líderes de cliques religiosos está a budista Monja Coen, que reúne 3,2 milhões de seguidores — muitos deles católicos, espíritas, evangélicos e judeus, que se sentem livres nas redes para flertar com novos caminhos. Sem a necessidade de presença física e com o anonimato garantido, cada um constrói a própria prática religiosa, sem preconceito. É uma forma de professar a fé, sem se submeter a regras imutáveis. Há muito de pecado trafegando no mundo digital na forma de curandeirismo, daí a necessidade de separar o joio do trigo. Mas em um aspecto, sim, a velocidade da internet pode ser benfazeja: como púlpito moderno.

Publicado em VEJA de 21 de fevereiro de 2025, edição nº 2932

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