Com 4,4 metros de comprimento por 1,1 metro de largura, uma peça de linho ancestral está embebida de mistério e controvérsia há centenas de anos. Desde que foi mencionado pela primeira vez, no século XIV, o pano que teria envolvido o corpo de Jesus Cristo depois de sua crucificação foi visto ao longo dos tempos tanto como um objeto de veneração cristã quanto como um símbolo de trapaça e falsificação. Nem a imagem de um homem que parece ter sofrido ferimentos físicos consistentes com a pena excruciante de ser pregado a uma cruz foi suficiente para que a comunidade científica se satisfizesse com as evidências. O chamado Santo Sudário, também conhecido como Sudário de Turim, por estar depositado na Catedral de São João Batista, voltou a ser notícia recentemente em razão de um estudo realizado em 2022 por cientistas italianos de Bari e de Pádua que aplicaram um novo método de datação menos invasivo ao tecido. Do nada, como faísca eterna, o tema viralizou nas redes sociais como se fosse a grande novidade em mais de 2 000 anos — e é, ao menos do ponto de vista do interesse por um ícone.
As descobertas de agora contestam os resultados obtidos em 1988 a partir de uma colaboração entre três laboratórios independentes dos Estados Unidos e Europa. Na época, os resultados dataram o tecido entre 1260 e 1390 d.C., com 95% de margem de confiança. Muito tempo depois, portanto, da morte e suposta ressurreição do mítico personagem. O trabalho atual, a partir da comparação com um pedaço de tecido oriundo de um episódio histórico, o Cerco de Massada, de 74 d.C., puxou a linha do tempo, e daí o espanto. Seria indício da fidedignidade do objeto louvado pelos católicos.
Há, no passeio de investigação, detalhes científicos interessantes demais para serem negligenciados. As técnicas anteriores, apontam os investigadores dessa segunda etapa, abririam brechas para contaminações relevantes. Há quase quatro décadas, cientistas das universidades de Oxford, no Reino Unido, e do Arizona, nos Estados Unidos, além do Instituto Federal de Tecnologia da Suíça em Zurique, receberam pedaços de uma pequena amostra com cerca de 50 miligramas retirada de um canto do Sudário. Outras amostras de controle com datas conhecidas também foram enviadas para garantir a precisão dos testes. Esses fios foram submetidos a um recurso que mede a quantidade de carbono-14 presente no tecido. O elemento é um isótopo radioativo que decai a uma taxa conhecida ao longo do tempo. A novidade hoje: no estudo liderado pelo físico Liberato De Caro, do Instituto de Cristalografia do Conselho Nacional de Pesquisa, na Itália, foi feita uma inspeção mais moderna em uma amostra com cerca de 0,5 por 1 milímetro retirada do canto esquerdo do Sudário. “O exemplo mais simples para entender a técnica usada é a radiografia de raios X”, disse a VEJA De Caro, de Bari, na Itália. “Medimos a ordem da celulose no linho, um polímero que se degrada com o tempo. Essa técnica é semelhante a um raio X microscópico e permite medir a degradação com o passar do tempo.”
Ao cotejar uma e outra iniciativa, a de 1988 e a de 2022, brotaram ruídos. Alguns críticos argumentam que as amostras de tecido utilizadas para os testes dos anos 1980 poderiam ter sido contaminadas por materiais mais recentes ou por processos de conservação equivocados. Outros sugerem que a amostra testada poderia ter vindo de uma parte do Sudário que foi reparada, o que poderia ter afetado os resultados. Outro ponto de crítica é que todos os pedaços foram retirados de uma única área. Pesquisadores acreditam que, para obter uma datação mais precisa, os cortes deveriam ter sido coletados de diferentes partes, e mesmo o escrutínio recente ateve-se a um único canto. “Existem evidências independentes, como exames de sangue e pólen, que concordam com as descrições dos Evangelhos, tornando plausível a hipótese de que o Sudário envolveu Jesus”, diz De Caro, que divide o trabalho científico com as funções de diácono, membro do clero cristão que auxilia nas funções litúrgicas, pastorais e administrativas da Igreja. Há conflito de interesses? Para De Caro, não. Ele defende os resultados de sua pesquisa ressaltando que muitos cientistas do passado eram também líderes religiosos. O debate sobre a autenticidade da relíquia continua tanto para pesquisadores quanto para teólogos e historiadores. É fascínio perene.
Publicado em VEJA de 6 de setembro de 2024, edição nº 2909