No fim de maio do ano passado, a JBS, comandada pelos irmãos Joesley e Wesley Batista, era uma empresa em luta frenética pela sobrevivência. Na sequência das revelações de seu extenso esquema de corrupção e pagamento de propinas a dezenas de políticos, as ações da companhia desabaram: em questão de dias, perderam mais da metade de seu valor, numa queda superior a 16 bilhões de reais. Atolada em investigações, a empresa corria o risco de ficar sufocada financeiramente, sem condições de obter os recursos para as operações de compra de gado e exportações. Ao mesmo tempo, o BNDES, um de seus maiores acionistas, ameaçava intervir na gestão e assumir o comando. Nos meses seguintes, porém, a companhia conseguiu respirar um pouco, graças à venda de alguns negócios espalhados pelo mundo e também no Brasil. Em setembro, contudo, veio um novo baque. Joesley e Wesley, que, inicialmente, haviam se livrado da prisão por causa de um acordo de delação premiada, foram detidos sob acusações de crime financeiro. Eles teriam feito operações cambiais e acionárias valendo-se de informações privilegiadas (insider trading). Não obstante, apesar de toda essa tormenta, que seria fatal para a grande maioria das empresas, a JBS sobreviveu — e até prospera. Voltou a anunciar as suas marcas, como a Seara, investe na abertura de dezenas de lojas próprias com a bandeira Swift e reconquistou, ao menos em parte, a confiança dos investidores. Suas ações negociadas na Bolsa de São Paulo subiram cerca de 60% desde o tombo de maio e as cotações estão próximas do que eram antes das revelações. É como se nada tivesse acontecido.
Como isso foi possível? Em primeiro lugar, Wesley e Joesley, enquanto estiveram soltos, trabalharam rápido para conter a crise. Ao lado de seus diretores, traçaram um plano de venda de subsidiárias e também de outras empresas pertencentes à J&F, holding da qual a JBS faz parte. Os Batista se desfizeram de algumas operações em países do Mercosul, de sua fatia na Vigor e de negócios na Europa, nos Estados Unidos e no Canadá. Além disso, a J&F vendeu a Alpargatas e a Eldorado Celulose. Assim, o grupo levantou os bilhões necessários não apenas para quitar dívidas, mas para pagar a multa de 10,3 bilhões de reais prevista no acordo com o Ministério Público. O endividamento caiu de 50 bilhões de reais, em junho passado, para 46 bilhões de reais, em setembro (o balanço fechado de 2017 será divulgado no fim de março). O governo, sempre ele, também deu uma ajudinha aos Batista: graças ao Refis, o programa de refinanciamento de impostos atrasados, o grupo renegociou 4,2 bilhões de reais de débitos com o INSS e a Receita Federal.
Com a ordem de prisão preventiva de Joesley e Wesley, em setembro, a empresa se viu obrigada a operar sem seus dois principais executivos. No sábado seguinte, o conselho de administração da companhia se reuniu de forma extraordinária e elegeu José Batista Sobrinho, de 84 anos, o fundador da empresa, havia muito ausente das operações, para ocupar a presidência. A gestão do dia a dia dos negócios ficou a cargo de dois executivos tarimbados e de total confiança da família: Gilberto Tomazoni, que assumiu o comando global de operações da JBS, e André Nogueira, presidente da JBS nos Estados Unidos. Além deles, Wesley Batista Filho, de 27 anos, filho de Wesley, vem ganhando atribuições crescentes. Apenas se saberá com mais clareza se a estratégia de sobrevivência tem dado certo quando o balanço da companhia for divulgado, no fim do mês. Mas, de acordo com os analistas, é inegável que a empresa recuperou confiança no mercado. No lado do campo, a JBS se dedicou a restabelecer a relação — então estremecida — com os produtores. “Os pecuaristas ficaram receosos de início, mas, como a empresa cumpriu com os acordos, a venda se normalizou”, diz Isabella Camargo, da Scot Consultoria. Os criadores, de qualquer maneira, não dispõem de muitas opções. A empresa dos Batista é um mamute responsável pela maior parte das exportações de carne bovina. Seu gigantismo em um negócio relativamente estável, com bom fluxo de caixa em dólares, foi um fator que a ajudou a enfrentar a tormenta. Além disso, favorecida pela política do governo Lula de criar campeões nacionais, a JBS expandiu suas atividades pelo mundo, sobretudo nos Estados Unidos. Apenas 13% de sua receita total é obtida no Brasil, enquanto mais da metade vem do mercado americano.
É cedo, entretanto, para decretar o fim da crise. Joesley continua preso. Wesley teve a prisão preventiva suspensa há duas semanas, mas não pode assumir nenhum cargo na JBS por ordem judicial. O acordo de leniência entre a J&F e o Ministério Público Federal corre o risco de ser revisto. Os acordos de delação premiada de Joesley e de Wesley foram suspensos. Segundo empresários do setor, novas investigações podem atingir a companhia. “O que vai acontecer quando os outros sócios, incluindo o BNDES, questionarem de onde veio o dinheiro usado para pagar propina? É óbvio que os acionistas foram lesados”, diz um pecuarista que pede para ficar no anonimato para não açular contrariedades internas. Existem interrogações também sobre o futuro da administração. Antes de ser preso, era Wesley que tocava os negócios, com sua rotina de reuniões com diretores às 7 da manhã. Ainda não está claro quem será o seu sucessor na linha familiar. Seu primogênito vem sendo preparado para a função, mas ainda é jovem. Por tudo isso, é improvável que a JBS volte a voar com a desenvoltura de outrora. É inegável, porém, que a empresa tem enfrentado a crise de maneira surpreendente até o momento.
Publicado em VEJA de 7 de março de 2018, edição nº 2572