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A praia dos espigões

Camboriú (SC) ostenta quatro dos dez prédios mais altos do Brasil. E segue subindo. Em quatro anos, terá seis edificações na lista das mais elevadas do país

Por Maria Clara Vieira Atualizado em 8 set 2017, 06h00 - Publicado em 8 set 2017, 06h00
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  • Descoberto para o turismo nos anos 1980, Balneário Camboriú, município litorâneo de mar cristalino e areia branquinha situado na foz do Rio Itajaí, em Santa Catarina, levou menos de dez anos para trocar a fama de pequeno e escondido reduto de pescadores pela imagem de orla fervilhante ocupada por prédios até onde a vista alcança. O gosto pelas construções verticais fincou alicerces e foi desdobrando-se em obras luxuosas — e cada vez mais altas. Atualmente, a cidade de 130 000 habitantes, população que quintuplica no verão, ostenta quatro dos dez edifícios mais elevados do Brasil. E segue subindo. Nos próximos quatro anos, quando uma série de obras ficar pronta, Balneário Camboriú vai dominar o ranking nacional, com seis edificações entre as dez mais altas do país. Dubai, o emirado onde está fincado o maior prédio do mundo, o Burj Khalifa, que se cuide.

    Basta uma rápida caminhada pelos 7 quilômetros da Avenida Atlântica, a principal via da cidade, para perceber a quantidade — e a exuberância exageradamente altiva — dos arranha-céus que nela se espremem. O edifício mais alto de Balneário Camboriú, chamado na intimidade de Balneário, ou simplesmente BC, é o Millennium, da FG Empreendimentos, gigante da construção civil que, desde 2004, domina o mercado local. Inaugurado há três anos, o imóvel de 45 andares (184 metros) custou cerca de 800 milhões de reais e está com todos os apartamentos de 300 metros quadrados vendidos, exceto um de três suítes, piscina de borda infinita dentro da sala (sim, dentro da sala!) e deslumbrante vista para o mar. Preço: 14 milhões de reais. “Aqui na cidade, a competição deixou de ser só pela altura. Hoje, o padrão também tem de ser o mais elevado possível”, diz Altevir Baron, diretor comercial da construtora, que assina 43 prédios residenciais na orla e fora dela.

    Exclusivo – Os Pasqualotto e seu Yachthouse: o mais alto e o mais luxuoso
    Exclusivo – Os Pasqualotto e seu Yachthouse: o mais alto e o mais luxuoso (Eduardo Marques/Tempo Editorial/)

    Padrão é mesmo importantíssimo, e isso se nota em qualquer visita aos prédios de luxo. Mas, em BC, tamanho é fundamental. Outra empreiteira, a Pasqualotto, responsável pela verticalização da vizinha Itapema, chegou há quatro anos a BC decidida a invadir a praia. Fez barulho logo com o projeto de estreia, um complexo de duas torres batizado de Yachthouse, que, se ninguém furar a fila, abrirá as portas em 2019 como o edifício mais alto do Brasil, com 81 andares — e ainda por cima projetado pelo italiano Pininfarina, ultrarrenomado escritório de design, responsável pelas linhas da Ferrari. A empresa afirma ter superado questões ambientais, que exigiram reformulações no projeto, e toca a todo o vapor a construção das duas torres, ambas tão altas que a exposição dos corretores inclui um passeio de helicóptero, para que o potencial comprador tenha noção exata da vista que desfrutará.

    Quem já comprou a cobertura, avaliada em 30 milhões de reais, é o craque Neymar, amigo da família Pasqualotto. Entre seus futuros vizinhos nos 264 apartamentos do Yachthouse estão os sertanejos Luan Santana e Sorocaba (da dupla com Fernando) e o pagodeiro Alexandre Pires. “Os moradores não precisam deixar o condomínio para nada — temos spa, academia, três restaurantes, dois helipontos e acesso exclusivo a uma marina”, diz Alcino Pasqualotto, que toca a construtora ao lado do pai, Lindomar. “Ainda por cima, podem passar todo o seu tempo de lazer convivendo com pessoas da mesma classe social.”

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    Com seus prédios monumentais à beira-mar, Camboriú virou ímã de famosos e milionários, sobretudo grandes fazendeiros de Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Paraná e Rio Grande do Sul, que buscam um cantinho (no caso, um cantão) na beira da praia, mas longe dos holofotes do eixo Rio-São Paulo, para relaxar. As estatísticas mostram que só 30% dos donos de apartamentos de frente para o mar moram nesses imóveis o ano inteiro. Entre os felizes proprietários de unidades de lazer na cidade estão o ex-tenista Guga Kuerten, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, e seu primo Fernando Maggi, um dos reis mundiais da soja — este, no imponente Millennium.

    Não é só de piscina na sala, cinema e vista monumental que se gabam os donos de imóveis. “O público que compra nossos apartamentos não tem pudor de mostrar riqueza. Digo mais: eles amam exuberância. Eu mesma já precisei alterar projetos modernos e minimalistas porque não venderam nada”, atesta Tatiana Cequinel, presidente da terceira grande construtora local, a Embraed (o mercado movimenta cerca de 3 bilhões de reais por ano e paga 160 milhões em impostos, 34% da receita da prefeitura). A Embraed se consagrou em Camboriú pelo acúmulo de símbolos de ostensiva ostentação, como colunas greco-romanas, lustres gigantes, escadarias de mármore, estátuas de anjos e muito, muito dourado. Essas características — e mais uma imensa estátua alada sob uma cúpula transparente — estão presentes no recordista anterior de altura na cidade, o residencial Villa Serena, de 47 andares. O Villa, em que pese o luxo, por muitos anos sofreu a fama de “prédio da bagunça”, atestado da conflituosa convivência entre jovens sem limites e famílias conservadoras. “Isso aqui é uma torre de Babel de gente com dinheiro”, confirma a síndica do Villa Serena, Alessandra Badalotti, que garante ter posto ordem na casa.

    Se os forasteiros louvam os confortos dos arranha-céus, os praianos, como se autodenominam os nascidos na cidade, não estão felizes com a barreira de prédios altíssimos à beira-mar. Sol, na areia, só até as 14 horas. Depois desse horário, a sombra dos edifícios se projeta sobre a área toda. A proximidade entre eles também impede que a brisa marítima chegue às ruas de trás, provocando, no verão, um insuportável efeito estufa. “O problema não é a verticalização em si, mas a falta de planejamento. Xangai, na China, tem prédios tão ou mais altos que os do Balneário Camboriú, mas os recuos são grandes e entremeados de áreas verdes”, explica Marina Otte, professora da faculdade de arquitetura e urbanismo da Universidade do Vale do Itajaí.

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    A ideia de empilhar moradias para economizar espaço e mão de obra doméstica surgiu no fim do século XIX, resultado do crescimento desordenado das cidades e, claro, da invenção do elevador. À medida que os prédios subiam, a competição pelo lugar de campeão das alturas foi se acirrando, até virar uma espécie de questão de honra em cidades como Nova York e Chicago, canteiros onde os arranha-céus floresceram com mais vigor. Em Nova York, em 1930, ficou famosa a disputa, palmo a palmo, pelo título máximo, de dois prédios erguidos simultaneamente e projetados com a mesma altura — o do Bank of Manhattan (hoje parte do grupo Trump) e o da Chrysler. No finalzinho da obra, o da Chrysler instalou na surdina, em uma hora e meia, uma antena de aço de 40 metros no topo do edifício e, com essa manobra, levou o título. No entanto, o prédio permaneceu pouco tempo como o mais alto da cidade. Em onze meses, foi destronado pelos 102 andares do Empire State, que se tornaria uma das principais atrações turísticas de Nova York. Mais recentemente, a China e os países árabes assumiram a linha de frente da verticalização vertiginosa, por motivos diversos. “Para os chineses, arranha-céus sinalizam a modernização, a abertura ao exterior. Em Dubai e Abu Dhabi, são reflexo dos maciços investimentos para estimular outras fontes de renda além do petróleo, como o turismo e o comércio”, diz o americano Daniel Safarik, diretor de um centro de pesquisas sobre edifícios e espaços urbanos. Camboriú ainda está distante desses campeões. Mas, de andar em andar, já chegou à marca de capital brasileira dos arranha-céus.


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    O MAIS-MAIS

    Vertigem – A vista do Burj Khalifa
    Vertigem – A vista do Burj Khalifa (Clari Massimiliano/Shutterstock)

    Quase 1 quilômetro de altura — o que, em pé, corresponde a cinco edifícios Itália, de São Paulo, e, deitado, a um terço da Praia de Ipanema, no Rio de Janeiro. São 163 andares distribuídos ao longo de 828 metros de altura, neles incluída a torre no topo do edifício, com 244 metros. Bem-vindo ao Burj Khalifa (torre do califa), o prédio mais alto do mundo, localizado em Dubai, nos Emirados Árabes. Inaugurado em janeiro de 2010, o espigão destronou o taiwanês Taipei 101, com seus 508 metros, que manteve o posto de o mais alto do planeta por seis anos.

    Erguido durante quase seis anos ao custo de 4,1 bilhões de dólares, em sua vastidão vertical o Burj Khalifa esbanja cifras jamais alcançadas pela engenharia. São 1 044 apartamentos (vendidos em uma semana), 49 pavimentos de escritórios, centros comerciais e restaurantes, uma mesquita e o primeiro Hotel Armani do mundo, com 160 acomodações e diárias em torno de 4 500 reais. A estrutura que se ergue entre o deserto e o Golfo Pérsico, desenhada pelo arquiteto americano Adrian Smith, pode ser vista a 95 quilômetros de distância — quase como se um edifício em São Paulo pudesse ser avistado de Campinas, no interior do estado.

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    Com reportagem de Isabela Izidro

    Publicado em VEJA de 13 de setembro de 2017, edição nº 2547

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