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Acabou a farra do ditador

Amigo de políticos influentes e de empresários envolvidos na Lava-Jato, o vice-presidente da Guiné Equatorial tinha o Brasil como paraíso

Por Thiago Bronzatto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Marcela Mattos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 17h07 - Publicado em 21 set 2018, 07h00

No último dia 14 de setembro, o vice-presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Mang, desembarcou no Aeroporto Internacional de Viracopos, em Campinas, no interior de São Paulo. Filho mais velho e sucessor do ditador Teodoro Obiang Mbasogo, ele estava acompanhado de uma comitiva. Ao passar pela alfândega, foi abordado por um fiscal da Receita Federal, que estranhou a presença de seguranças armados escoltando as bagagens. Ao ser questionado sobre o que havia nas malas, um integrante do grupo disse que eram “valores” de Obiang Mang e que a bagagem não poderia ser revistada porque estava protegida pela imunidade diplomática. A viagem, no entanto, não era oficial. Houve bate-boca, a Polícia Federal foi chamada e eis o resultado: as malas continham 1,4 milhão de dólares (5,7 milhões de reais) e 55 000 reais em dinheiro vivo, além de 21 relógios avaliados em 15 milhões de dólares (61,5 milhões de reais), um dos quais, cravejado de diamantes, estimado em 3,5 milhões de dólares (14,3 milhões de reais). Um representante da embaixada da Guiné Equatorial explicou que o vice-presidente veio ao Brasil para fazer um tratamento médico e que o dinheiro seria utilizado em missão oficial em Singapura, a próxima parada da comitiva. As explicações não convenceram, as malas foram apreendidas e um inquérito foi instaurado para investigar o caso.

Obiang Mang é um velho conhecido das autoridades brasileiras. Bilionário, ele costuma vir ao país, principalmente no Carnaval, ocasião em que promove festas com bebida farta, alta culinária e modelos exuberantes, contratadas para animar os convivas. Obiang Mang conjugava prazer e negócios. Ele era íntimo das principais empreiteiras envolvidas no petrolão. Em 2012, caiu na folia em Salvador, num camarote de luxo, ciceroneado por Rodrigo da Costa Fonseca, então executivo da área internacional da Andrade Gutierrez. Cinco meses depois, a empreiteira ganhou contratos na Guiné Equatorial para a construção de estradas e pontes. No ano seguinte, o país africano foi homenageado por um bloco baiano, mas Obiang teve de deixar o Brasil no meio da folia. O governo francês havia pedido sua prisão — que só não aconteceu porque um executivo da OAS, outra empreiteira do petrolão, avisou-­o do perigo. A OAS também é dona de contratos milionários no país africano. Em 2015, na última grande aparição do ditador no Brasil, a Guiné Equatorial foi homenageada pela escola de samba Beija-­Flor, com enredo patrocinado pelas empreiteiras. A Lava-­Jato, que desvendou essa relação, começou um ano antes do desfile.

Teodoro Obiang
CARGA PESADA - A mala, com dólares e reais, e o relógio cravejado de diamantes, avaliado em quase 15 milhões de reais (//Reprodução)

A vida nababesca de Teodorin, como é conhecido o vice-presidente, reflete o que há de mais comum nas ditaduras mundo afora. Os Obiang estão no poder há quarenta anos. O filho, já nomeado por decreto como sucessor do pai, tem um salário de cerca de 100 000 dólares (410 000 reais), enquanto 44% da população vive abaixo da linha de pobreza. Com 49 anos, ele acumula uma fortuna calculada em 300 milhões de dólares — alvo de investigações em várias partes do mundo. Nos Estados Unidos, policiais encontraram na mansão de Obiang, na Califórnia, 35 carros de luxo e um jato avaliado em 38 milhões de dólares. Na Holanda, seu iate de 120 milhões de dólares foi apreendido. Na Suíça, promotores o acusam de ter roubado dinheiro do petróleo de seu país para comprar artigos de luxo, como uma aeronave particular e mobília que pertenceu a Michael Jackson. Em junho, Obiang fez uma festança de aniversário, com a presença dos cantores Akon, Sean Kingston, Jeezy, Ludmilla e belas passistas da escola de samba Mangueira. Em sua página no Instagram, o ditador exibe seu apreço pelo Brasil, postando fotos ao lado do presidente Michel Temer (a quem chama de “meu amigo”) e dos ex-jogadores Pelé e Ronaldinho Gaúcho. O ex-­presidente Lula, sobretudo depois que deixou o governo, tornou-­se outro amigo influente.

Por meio de seus contatos no Brasil, o governo da Guiné Equatorial pressiona o Itamaraty para que ao menos os relógios do vice-presidente sejam devolvidos. O chanceler do país africano convocou o embaixador brasileiro para cobrar uma solução. Em nota, a embaixada da Guiné Equatorial afirmou que houve uma “violação grosseira da prática diplomática internacional”, criando “um embaraço totalmente gratuito ao senhor vice-­presidente”. Procurado por VEJA, Obiang Mang disse que não iria se manifestar, mas achou conveniente fazer uma pergunta à repórter: “Querida, quando você vem me visitar?”.

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Com reportagem de Thais Navarro

Publicado em VEJA de 26 de setembro de 2018, edição nº 2601

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