O PEQUENO Equador e a gigante China resolveram de modo inverso, neste início de 2018, a questão da extensão dos mandatos de seus dirigentes máximos. O eleitorado equatoriano, em resposta a plebiscito convocado pelo presidente Lenín Moreno, decidiu no mês passado limitar os mandatos a dois. Revogou-se assim o direito à reeleição sem limites proposto e obtido pelo presidente anterior, Rafael Correa. O Congresso Nacional do Povo aberto em Pequim na segunda-feira 5, ratificará ao seu final a decisão de conceder mandatos ilimitados ao presidente Xi Jinping. Revogará assim a regra de no máximo dois mandatos de cinco anos adotada ao tempo da reação anti-Mao Tsé-tung comandada por seu sucessor, Deng Xiaoping. Se o leitor e a leitora gostam de democracia, devem aplaudir (com reservas) o pequeno Equador e repudiar (sem reservas) a gigante China.
O Equador do surpreendente Lenín Moreno, eleito com o apoio de Rafael Correa, vai se libertando do bolivarianismo do antecessor. Na família bolivariana, Nicolás Maduro, da pioneira Venezuela, goza do privilégio de eleições eternas e fraudadas. O surto reeleicionista da década de 90 na América Latina adotou como regra que a reeleição fosse apenas uma, mas não impediu que, passado o mandato subsequente, o reeleito de novo se candidatasse. É esse o passo que dá agora o Equador, alinhando-se à regra em vigor nos Estados Unidos. Se o Brasil tivesse trilhado o mesmo caminho, em concomitância com a aprovação da reeleição, estaríamos livres do embaraço que paira sobre a eleição deste ano. Lula já seria passado. Não nos acossaria o incômodo de embargar a candidatura do líder das pesquisas.
A Lula e a outros futuros ex-presidentes sobrariam as honrarias de elder statesmen, como dizem os americanos — “velhos estadistas”, com tinturas de sábios, quando merecem, mas sempre aposentados. A regra entrou em vigor nos EUA depois que o presidente Franklin Roosevelt se elegeu quatro vezes. Ora, o que é bom para os EUA melhor ainda seria para a América Latina, com sua atração pelos caudilhos e pelos ditadores. O Equador adotou-a na hora em que Rafael Correa, costeando o alambrado (no puro gauchês de Leonel Brizola), ameaçava nova candidatura, e é por isso que os aplausos merecem reserva. A boa medida vem acompanhada de uma rasteira no adversário. Estamos na América Latina. Pode vir outro e mudar de novo em favor das próprias rasteiras.
Nosso continente hesita (e se perde) entre instituições para o bem da sociedade e para o bem do detentor do poder. A Colômbia sob Álvaro Uribe aderiu à reeleição, e ele ganhou dois mandatos. Seu sucessor, Juan Manuel Santos, igualmente se elegeu e reelegeu. À perspectiva de Uribe reganhar o poder, no entanto, Santos patrocinou, e obteve, a interdição de uma segunda eleição de quem já tenha ocupado a Presidência, fixando regra mais drástica que a equatoriana — não há reeleição nem outra volta possível depois de um único mandato. Marca o ritmo da salsa, em nosso continente, o dono do salão. Quanto à China, o panorama é de cartazes com o retrato de Xi Jinping espalhados pelo país, mandato equivalente ao dos anjos no paraíso e o “pensamento de Xi” inscrito na Constituição, como o Congresso do Povo está intimado a aprovar ainda na presente sessão. Ele só pode se queixar de ainda não ostentar o título de Grande Timoneiro.
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Ao tempo de dom Pedro II ficou célebre o “sorites de Nabuco”, formulado pelo deputado Nabuco de Araújo (pai de Joaquim Nabuco) para denunciar a prática de primeiro nomear-se um governo e depois promover a eleição com cartas marcadas que lhe daria sustentação. Sorites é um aglomerado de silogismos; o de Nabuco de Araújo, lido no Parlamento, rezava o seguinte: “O Poder Moderador (leia-se dom Pedro II) pode chamar quem quiser para organizar ministérios; esta pessoa faz a eleição, porque há de fazê-la; esta eleição faz a maioria. Eis aí o sistema representativo do nosso país”. No Brasil de hoje temos o “sorites de Barroso”, formulado pelo ministro Luís Roberto Barroso, do STF. Nas suas palavras: “O modo de fazer política e de fazer negócios no país funciona mais ou menos assim: o agente político relevante indica o dirigente do órgão ou da empresa estatal, com metas de desvio de dinheiro; o dirigente indicado frauda a licitação para contratar empresa que seja parte no esquema; a empresa contratada superfatura o contrato para gerar o excedente do dinheiro que vai ser destinado ao agente político que fez a indicação, ao partido e aos correligionários”. Barroso é lógico, cortante e certeiro.
Publicado em VEJA de 14 de março de 2018, edição nº 2573