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Lula e sua defesa preparam uma coleção de chicanas jurídicas para levar a ilusão de sua candidatura o mais longe possível

Por Daniel Pereira, Laryssa Borges Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 17h43 - Publicado em 10 ago 2018, 07h00

O ex-presidente Lula está preso há pouco mais de 100 dias. Condenado por corrupção e lavagem de dinheiro em segunda instância, também se encontra enquadrado na Lei da Ficha Limpa, que foi sancionada por ele mesmo em 2010, depois de aprovada com os votos dos parlamentares petistas. Apesar dessa dupla restrição, de presidiário e ficha-suja, o PT anunciou o nome de Lula como candidato do partido à Presidência da República, com o ex-­prefeito de São Paulo Fernando Haddad como vice. A decisão, que representa um desafio à lei, tem como objetivo impedir a dispersão do eleitorado de Lula e sua migração para outros concorrentes, o que dificultaria a transferência de votos do ex-presidente para Haddad. Pode-­se tentar explicar isso como uma ousada e legítima estratégia eleitoral. Mas não é só isso.

Líder nas pesquisas, Lula pretende arrastar a decretação definitiva de sua inelegibilidade, com recursos e chicanas jurídicas, para até 17 de setembro. Se esse objetivo for alcançado, a Justiça Eleitoral não terá tempo hábil para tirar sua fotografia da urna eletrônica. Parece um capricho pessoal, mas é uma artimanha eleitoral. Com a foto de Lula na urna, mesmo não sendo candidato, o PT acredita que conseguirá captar os votos dos incautos, dos menos informados e também daquele eleitorado apaixonado pela figura do ex-presidente que não hesitaria em confirmar o voto ao ser confrontado com a imagem dele, mas sem saber que estaria elegendo um fantasma. É este o plano extraordinário de Lula e do PT: esticar a corda e, quem sabe, ludibriar o eleitor.

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O PLANO B QUE VIROU A - Haddad, com Manuela D’Ávila, do PCdoB, que deverá ser sua vice: registro na última hora (Nelson Antoine/Estadão Conteúdo)

Para materializar o plano, primeiro é preciso fazer com que os eleitores acreditem que Lula é realmente “candidato” — uma série de ações políticas nessa direção já está sendo posta em prática. E, para obter êxito, o que significa manter a fotografia de Lula na urna eletrônica, o partido aposta nas chicanas jurídicas. Desde o domingo 5, a partir da convenção do PT, “candidato” e partido passaram a seguir um guia criado para impulsionar a candidatura de Lula. Abaixo, um almanaque dos ardis do petista para chegar lá.

Chapa-fantasma: na data-limite prevista na legislação, 5 de agosto, o PT anunciou que Lula será o candidato do partido à Presidência da República, com Haddad de vice. Na prática, os petistas sabem que Haddad será o cabeça da chapa, com Manuela D’Ávila (PCdoB) no posto de vice. Com o jogo de cena, tenta-se facilitar a transferência de votos de Lula para o seu substituto.

Recuo no STF: a pedido da defesa de Lula, o tribunal arquivou a análise de um recurso que, apresentado para garantir a liberdade do ex-presidente, poderia resultar na declaração imediata de sua inelegibilidade, tudo o que o PT quer evitar no momento.

Candidato-fantasma: Lula pediu à Justiça autorização para participar de entrevistas, sabatinas e debates. Como o pedido foi recusado, solicitou às emissoras de TV que montem um púlpito com o seu nome no cenário dos programas. O objetivo é mantê-lo vivo no imaginário do eleitorado.

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Esgotamento de prazo: para ganhar tempo, o PT só formalizará a chapa com a candidatura de Lula junto ao Tribunal Superior Eleitoral no dia 15 de agosto, que é a data-limite prevista em lei. Depois disso, os partidos e o Ministério Público terão cinco dias para pedir a impugnação de seu nome.

Uso das datas-limite: com a mesma estratégia de empurrar os prazos, o PT pretende lidar com o processo de impugnação da chapa de Lula sempre nas datas-limite. Para apresentar sua defesa contra o provável pedido de impugnação da candidatura, usará o prazo de sete dias. Depois, caso saia uma decisão desfavorável, o PT vai apresentar um recurso só depois de três dias.

Politizar o processo: Lula escalou uma equipe de advogados eleitorais para reunir jurisprudência favorável a ele em todas as etapas de recursos no TSE. Cada movimento processual deve ser transformado em fato político para reforçar a ideia de que o ex-presidente é perseguido pela Justiça. A palavra de ordem é manter pressão permanente sobre os juízes.

Chicanas no STF: sacramentada a inelegibilidade de Lula pelo plenário do TSE, sua defesa vai recorrer ao Supremo. O STF, no entanto, já tem posição consolidada em favor da Lei da Ficha Limpa e tende a referendar a inelegibilidade.

Pedidos de liberdade: a defesa de Lula apresentará recursos ao Supremo e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) pedindo a suspensão de sua condenação em segunda instância, o que o retiraria do âmbito da Lei da Ficha Limpa e lhe garantiria a liberdade e o direito de concorrer.

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Com esse almanaque de movimentos jurídicos, Lula e o PT pretendem fazer o máximo para manter o nome do ex-presidente vivo no imaginário do eleitor. Isso ajuda a preservar sua capacidade de transferência de voto — que não é nada desprezível — e reforça a ideia da perseguição. O PT cogitou até apresentar um holograma de Lula na convenção partidária, mas acabou desistindo da ideia. A determinação partidária, no entanto, é explorar sempre que possível vídeos e áudios do petista, especialmente aqueles gravados às vésperas de sua prisão.

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LULISMO - Manifestante pró-Lula, na Praça dos Três Poderes, em Brasília: tudo para manter vivo o nome do ex-presidente (Aílton de Freitas/Agência O Globo)

Pela lei e pela jurisprudência, não há dúvida de que Lula será proibido de concorrer, e mesmo o PT já deu mostras de que sabe disso, tanto que anunciou Haddad como substituto na cabeça de chapa. Na convenção do partido, petistas falavam abertamente no “candidato do Lula”, e não mais em “Lula candidato”. Formalizado às 23h58, apenas dois minutos antes do fim do prazo legal, o acordo entre PT e PCdoB foi embalado num misto de chiste e provocação. Nas redes sociais, Lula, Haddad e Manuela foram festejados pelos apoiadores como “o verdadeiro tríplex” — em referência ao notório tríplex no Guarujá que rendeu ao ex-presidente a condenação à cadeia.

Economista, advogado e professor, Fernando Haddad é considerado um político com potencial para disputar a Presidência desde a sua passagem pelo Ministério da Educação, quando programas oficiais, como o ProUni, facilitaram o ingresso massivo de jovens carentes em universidades. Lula, então no Palácio do Planalto, acolheu Haddad e o ajudou na eleição para a prefeitura de São Paulo, em 2012. Apesar de ter o padrinho mais forte dentro do PT, Haddad enfrenta resistência até hoje entre certos setores importantes do petismo. A razão é que ele não reproduz cegamente a cartilha partidária, não aposta na radicalização e transita bem entre grupos que estão rompidos com o partido. Parte do PT torce o nariz para Haddad porque o ex-prefeito preserva certa luz própria. Quando estava na prefeitura, ele chegou a tecer elogios ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), “um intelectual que teve bons livros que li e que ajudaram na minha formação”. Em 2016, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, disse que “golpe era uma palavra um pouco dura” para definir o impeachment de Dilma Rousseff.

Aquilo que certos petistas consideram defeito, Lula, que não dá ponto sem nó, acha que são qualidades eleitorais de Haddad. O ex-presidente aposta que seu prestígio pessoal garantirá o candidato do PT no segundo turno. E acredita que, na reta final, Haddad, por sua biografia e pelos bons relacionamentos além das fronteiras petistas, conseguirá dar credibilidade a um discurso mais moderado, rumo ao centro, de construção de pontes. Na convenção partidária, ciente das restrições ao seu nome, Haddad discursou ao gosto da plateia. Afirmou que Lula era vítima de uma perseguição judicial e bateu duro no PSDB e, claro, no governo de Michel Temer. Um dos pilares da estratégia do PT é comparar os dados econômicos dos anos Lula com os da gestão de Temer. O contraste falará por si — e o PT, obviamente, vai pular o desastre econômico de Dilma Rousseff.

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A tentativa do PT de prolongar a candidatura-fantasma de Lula enfrentará forte resistência na Justiça Eleitoral. A partir do dia 15, o tribunal será presidido pela ministra Rosa Weber, defensora da Lei da Ficha Limpa, e terá uma composição mais punitivista (veja o quadro na pág. anterior). Os ministros do TSE querem evitar que a foto do ex-presidente esteja na urna no dia da votação, o que representaria a desmoralização da lei e da própria corte. O debate promete ser renhido. Contratado pelo PT, o advogado Luiz Fernando Pereira garimpou os casos de mais de 140 políticos considerados fichas-sujas que conseguiram disputar as eleições municipais de 2016. Os casos servirão para ilustrar a tese de que há precedentes a permitir a candidatura de Lula, embora sejam processos completamente diferentes entre si. Para decretar a inelegibilidade do ex-­presidente o mais rápido possível, gesta-se o seguinte plano: a apresentação de uma consulta ao TSE sobre a legitimidade de um réu denunciado ou condenado concorrer à Presidência. Ao analisá-la, os ministros poderiam, na sequência, rejeitar o pedido de registro da candidatura de Lula.

Depois da rejeição do registro, haveria a apresentação de um pedido cautelar para bani-lo da campanha. O argumento é que a Lei das Eleições deve preservar expectativas legítimas do eleitor, como a de votar em políticos que podem efetivamente ser eleitos, e mitigar o ônus social causado por um processo que não vai dar em nada. Ou seja: a cautelar acabaria com tumultos desnecessários. “A tutela de evidência pode ser aplicada porque é evidente que Lula não pode ser candidato”, disse um ministro do TSE sob a condição de manter sua identidade sob reserva. A Lei da Ficha Limpa tem uma história irônica. Lula e o PT, que hoje querem contorná-la, foram entusiastas da medida na época de sua aprovação. Já o ministro do STF Gilmar Mendes se revoltou contra o texto e afirmou, na época, que fora concebido sob medida para beneficiar o PT e eliminar seus adversários do processo eleitoral.

A denúncia de Gilmar Mendes baseava-se em um caso concreto. O ex-governador Joaquim Roriz, então do PSC, era adversário figadal do PT e concorria ao governo do Distrito Federal com o petista Agnelo Queiroz. Como Roriz já tinha condenação em segunda instância, os partidos de esquerda pediram a impugnação de sua candidatura com base na então novata Lei da Ficha Limpa. Roriz recorreu ao STF, e Gilmar Mendes, ao analisar o caso, viu ali o espectro de um fantasma. Disse que a Lei da Ficha Limpa era um instrumento do PT para aniquilar adversários. Mas há mais uma ironia. Roriz, antecipando sua derrota no STF, retirou a candidatura e colocou no lugar a de sua mulher, Weslian. Só que a Justiça Eleitoral não teve tempo de trocar a foto na urna eletrônica. Ficou a foto de Roriz, mas a candidata de verdade era Weslian. Agora, oito anos depois, os papéis estão invertidos. Gilmar Mendes deve ter descoberto que a Ficha Limpa não existe só para adversários do PT, e Lula está querendo dar uma de Joaquim Roriz e manter sua foto na urna eletrônica. Aviso: Roriz perdeu a eleição apesar da artimanha.

Com reportagem de Eduardo Gonçalves

 


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Uma barreira e tanto

Rosa Weber
NOVA COMPOSIÇÃO - Rosa Weber: o TSE com um perfil ainda mais duro (Cristiano Mariz/VEJA)

Apesar das chicanas programadas, a “candidatura” do ex-presidente Lula deve ser desmontada até o fim de agosto. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), reconhecem os próprios advogados, tem sido cada vez mais rigoroso contra irregularidades praticadas por candidatos. Nesta quarta-feira, 15, a corte passará a ser presidida pela ministra Rosa Weber, a quem caberá conduzir os trabalhos para garantir a normalidade das eleições de outubro. Reservada, ela não dá entrevistas. Na única vez em que se manifestou sobre os desafios da corte eleitoral sob sua gestão, Rosa resumiu: “Eu sei da enorme responsabilidade que me aguarda neste ano de 2018, em que o país se encontra em meio a uma disputa tão acirrada, com tantas divisões”.

Outros dois ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) também integrarão o colegiado que julgará o pedido de registro de Lula: Luís Roberto Barroso, integrante de um grupo no Supremo apelidado de “câmara de gás” e considerado linha-dura em temas criminais, e Edson Fachin, o relator dos processos da Lava-J­ato na corte. Os prognósticos não são favoráveis ao petista.

O ministro Og Fernandes, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), assumirá a vaga de Napoleão Nunes Maia, que encerra seu mandato na corte eleitoral. Maia era o único nome contabilizado pela defesa de Lula como um eventual voto em favor dos pleitos do petista. Og Fernandes é de outra cepa, considerado “punitivista”, e será o segundo representante do STJ no tribunal, ao lado de Jorge Mussi, autor de um contundente pronunciamento ao rejeitar um pedido de liberdade do empreiteiro Marcelo Odebrecht. “Os brasileiros não aguentam mais ser apunhalados pelas costas de maneira sórdida”, disse ele.

Completam a composição do TSE dois advogados indicados ao posto de ministro: Admar Gonzaga e Tarcísio Vieira de Carvalho. Gonzaga já defendeu publicamente a possibilidade de o tribunal rejeitar de pronto o pedido de registro de fichas-sujas e recentemente pôs em discussão se convinha à democracia que um candidato “sabidamente inelegível” pudesse fazer campanha política. Vieira, por sua vez, considera que o julgamento da elegibilidade de Lula é um caso juridicamente simples: condenado em segunda instância é ficha-suja e, pela letra fria da lei, não pode disputar eleição.

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Laryssa Borges

 

Publicado em VEJA de 15 de agosto de 2018, edição nº 2595

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