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Ascensão e queda do PT

Já se falou muito da trajetória do PT no poder, mas seu diferencial não foi adotar o fisiologismo remunerado: foi organizá-lo, ampliá-lo e monopolizá-lo

Por Daniel Pereira, Marcela Mattos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 17h51 - Publicado em 7 abr 2018, 06h00
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  • Todo partido tem um projeto de poder. O do PSDB era ficar pelo menos vinte anos no governo. O do PT, um pouco mais ambicioso, almejava trinta anos. Ao concluir seu segundo mandato como presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva estava convencido de que alcançaria esse objetivo porque, segundo ele, sua gestão promovera um ciclo consistente de desenvolvimento com inclusão social. Em 2010, no último ano de Lula no Palácio do Planalto, a economia cresceu 7,5%, e a redução da pobreza no Brasil bateu em 16,3%, de acordo com estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV). Para Lula, os milhões de brasileiros beneficiados com o aumento da renda e o acesso a bens e serviços retribuiriam nas urnas durante anos, assegurando a perpetuação do PT no comando do país. No roteiro do partido, depois de Dilma Rousseff, Lula voltaria à Presidência e seria sucedido no cargo por Fernando Haddad. A oposição nada poderia fazer além de lutar pela própria sobrevivência. Recordista de popularidade, Lula alfinetava os rivais: “Eles não se conformam porque o PT vai ter o tempo necessário para mudar definitivamente a cara do Brasil”.

    Para ficar trinta anos no poder, Lula dizia que, além de disseminar uma sensação de bem-estar na sociedade, era fundamental formar uma ampla aliança partidária na órbita do PT. Quando Lula venceu a eleição presidencial de 2002, o companheiro José Dirceu, seu principal assessor político, propôs que o partido governasse com quadros de partidos menos distantes, como PMDB e PSDB, em aliança forjada na base de programas e projetos comuns. Lula nunca nutriu muito apreço por negociações de mérito com o Congresso e preferiu o caminho mais tradicional da política brasileira: comprar o apoio das legendas com cargos e verbas do Orçamento — uma prática que não começou no PT e, infelizmente, não terminou com ele. A opção de Lula pelo fisiologismo remunerado ficou clara, pela primeira vez, quando da descoberta do mensalão, em 2005. E aí foi possível ver a ponta do iceberg da corrupção.

    Ao contrário de seus antecessores, que trocavam votos por cargos e verbas no varejo, o PT resolveu pôr ordem na casa e imprimiu método e organização ao esquema. Com sua inclinação hegemônica, o PT quis o controle absoluto inclusive da corrupção. Assim, quando o esquema foi flagrado no mensalão e definitivamente revelado no petrolão, o partido assumiu o centro do palco, como a grande força motriz dos esquemas de saque aos cofres públicos. Já no julgamento do mensalão em 2012, o decano do STF, o ministro Celso de Mello, assim descreveu os protagonistas do caso: “São eles, corruptores e corruptos, os profanadores da República, os subversivos da ordem institucional, delinquentes e marginais da ética do poder”.

    Ascensão e queda do PT
    O poste - Lula escolheu Dilma Rousseff como parte de um plano para que ele mesmo a substituísse no futuro (Roberto Stuckert Filho/PR/.)

    O processo terminou com a antiga cúpula do PT sentenciada à cadeia. Lula nem sequer foi denunciado, apesar de ser dele — e não de José Dirceu, que acabou preso — o arranjo partidário que resultou no mensalão. Esperava-se que as penas aplicadas pelo Supremo tivessem um efeito pedagógico. Alas petistas até cobraram a refundação do partido, de modo a voltar aos tempos do discurso ético, mas Lula vetou toda iniciativa nesse sentido. Pior do que isso: com o mensalão desbaratado, ele acentuou o loteamento de diretorias da Petrobras e de estatais do setor elétrico entre as siglas de sua coalizão governista — e, assim, querendo plantar uma eternidade no poder, plantou sua desgraça final.

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    Entre os agraciados com o novo rateio do butim, destacavam-se deputados do PP e do PMDB. Os petistas reclamam que políticos de outros partidos também estavam envolvidos no esquema, mas ficou a impressão de que se tratava de um “esquema petista”. No fundo, reclamam no vazio. Coube ao PT a liderança do estratagema, montado de modo a perpetuar o partido no poder. É natural que, uma vez reveladas as entranhas, o grosso da responsabilidade recaia sobre os protagonistas ainda que os demais, naturalmente, também tenham de pagar pelos seus crimes. A Lava-Jato calcula que a quadrilha surrupiou pelo menos 6 bilhões de reais do cofre da Petrobras.

    Ascensão e queda do PT
    Impeachment – A presidente perdeu o cargo em meio à crise econômica e às investigações da Lava-Jato (Wilton Júnior/Estadão Conteúdo)

    No julgamento de Lula no caso do tríplex pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), o procurador Mauricio Gerum deixou claro como a corrupção na Petrobras era parte de um projeto maior: “O que parecia ser a construção de uma governabilidade a partir de indicações políticas nada mais era do que a criação de um mecanismo de dilapidação dos cofres da estatal, inicialmente, para garantir fundos aos partidos da base aliada e, depois, para cada um enriquecer pessoalmente”.

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    Ao contrário do que aconteceu com o mensalão, do qual, em geral, quase sempre zombou, Lula mostrou-se preocupado com a Lava-Jato desde o início da operação. Em 2014, quando a investigação começava a revirar a Petrobras, ele recorreu a aliados e a notas na imprensa para forçar Dilma a desistir da reeleição. Lula queria se tornar o candidato do PT naquele ano porque, entre outros motivos, só um profissional seria capaz de abafar o escândalo da Petrobras. Sua pupila, considerada amadora na lida político-parlamentar, não cedeu a vez.

    Em meados de 2015, numa reunião com senadores do PT e do PMDB, Lula tentou organizar a tropa para debelar a investigação. Na ocasião, disse que o juiz Sergio Moro havia sequestrado o país e alegou que estava em curso uma campanha para criminalizar a atividade p­­olítico-partidária. Depois de fazer o diagnóstico, prescreveu: a Presidência, o PT e o PMDB tinham de pressionar o Supremo a pôr cabresto na força-tarefa da Lava-Jato. O plano naufragou porque Dilma demorou a participar dos esforços nesse sentido. A presidente havia sido convencida pelo então ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, de que a apuração atingiria apenas os parlamentares, abrindo caminho para que ela governasse diante de um Congresso de joelhos. Quando percebeu que também seria tragada pela tormenta, Dilma aceitou trocar pessoas de sua confiança, como Mercadante, por nomes indicados por Lula, como Jaques Wagner. Mais tarde, com a Lava-Jato subindo a rampa do Planalto, Dilma nomeou o próprio Lula para o cargo de ministro-­chefe da Casa Civil. O petista não assumiu o posto. Foi vetado pela Justiça depois que o juiz Moro, numa manobra amplamente criticada, divulgou uma conversa telefônica entre Dilma e Lula na qual ficava claro que a nomeação era uma forma de impedir que ele fosse preso.

    Lula condenado, Dilma investigada e os dirigentes petistas presos

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    Diante das tentativas fracassadas dos petistas de deter a Lava-Jato, partidos governistas, com o PMDB à frente, decidiram assumir as rédeas da reação. Conforme a clássica definição do senador Romero Jucá, chegava a hora de tirar Dilma da Presidência, “estancar a sangria” e fazer um “grande acordo nacional”, “com o Supremo, com tudo”. O medo do avanço das investigações, somado à recessão econômica de Dilma, levou os antigos parceiros de Lula, sócios no petrolão, a se aliar à oposição — e apoiar o impeachment da presidente.

    A derrocada foi ainda mais precoce para algumas estrelas petistas. Assim como José Dirceu, Delúbio Soares, ex-tesoureiro do partido, foi condenado no mensalão e no petrolão. João Vaccari Neto, seu sucessor no comando do caixa, está preso desde 2015. O ex-ministro Antonio Palocci cumpre prisão preventiva e, numa tentativa de escapar da cadeia, ofereceu um acordo de delação à Lava-Jato, até agora recusado. Em depoimento ao juiz Moro, Palocci chegou a dizer que a Odebrecht separara 300 milhões de reais para custear as despesas de Lula quando este deixou a Presidência, o que seria um “pacto de sangue” entre corruptor e corrupto. Palocci afirmou ainda que, como parte desse mesmo pacote, a Odebrecht bancou a reforma do sítio de Atibaia, que, apesar de estar registrado em nome de sócios de um filho de Lula, pertenceria de fato ao ex-presidente. O sítio é objeto de outro processo contra o petista, que será julgado em breve pelo juiz Moro.

    Ao todo, Lula ainda é réu em seis ações. Desde que foi sentenciado à cadeia pelo TRF4, o ex-presidente tornou-­se inelegível e não poderá disputar as próximas eleições. Parte do PT quer pedir o registro da candidatura mesmo assim. “A candidatura está posta independentemente das condições precárias que possam vir pelo caminho”, disse o senador Jorge Viana (PT-AC) a VEJA logo depois de proferido o voto decisivo da ministra Rosa Weber. Outra parcela do PT, no entanto, não está mais disposta a sacrifícios e acha melhor que Lula saia imediatamente do páreo, abrindo espaço para que o seu substituto faça campanha quanto antes, até para não ser atropelado pelos demais concorrentes da esquerda. Numa reunião recente com políticos, José Dirceu defendeu a ideia de que Lula não estique a corda: “A realidade vai se impor. Não há o que fazer”. A realidade se impôs.

    Publicado em VEJA de 11 de abril de 2018, edição nº 2577

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