Beyoncé já não lança discos: a cantora americana faz Blitzkriegen culturais — ações rápidas e arrasadoras, tal como na famosa estratégia militar alemã dos “ataques-relâmpago”. Suas novidades são lançadas sem anúncio prévio, e são grandes novidades, sempre. Foi assim com Beyoncé, de 2013, e Lemonade, três anos depois. A estratégia repete-se agora com Everything Is Love, que ela gravou ao lado do marido, Jay-Z — o disco, aliás, vem assinado por The Carters, sobrenome do rapper, que nenhum dos dois usa na vida artística. Com 24 milhões de visualizações no YouTube e contando, o deslumbrante vídeo de Apeshit (gíria que designa um estado de fúria) levou a cultura e o protesto dos negros americanos para um grande templo artístico (e turístico) francês: o Museu do Louvre. No choque entre o classicismo e o pop, Beyoncé saracoteia em frente à Vênus de Milo, Jay-Z faz poses imperiais diante de A Coroação de Napoleão, de Jacques-Louis David, e dançarinos ajoelhados aludem à controvérsia sobre os jogadores negros de futebol americano que, em protesto contra Trump, se recusam a ficar em pé quando o hino nacional toca nos estádios.
Filmar no Louvre não é tão excepcional: até Os Smurfs 2, filme infantil pouco cotado, teve locações no museu, que cobra diárias em torno de módicos 17 000 dólares (o vestido que Beyoncé usa perto da Vitória de Samotrácia custa 140 000 dólares). Beyoncé e Jay-Z tampouco foram pioneiros da negritude no museu: em 2006, o Louvre abrigou debates sobre cultura negra, coordenados pela escritora americana Toni Morrison. Mas um vídeo do casal Carter — cuja fortuna é de 1 bilhão de dólares, segundo a Forbes — causa mais impacto do que palestras de uma Nobel de Literatura. Como os dois vinham discutindo crises matrimoniais em discos anteriores, o trabalho conjunto serve como uma reafirmação da solidez desse que é o grande casamento da realeza pop.
Publicado em VEJA de 27 de junho de 2018, edição nº 2588