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Ela está num lugar lindo

Rosana Guimarães, mãe de Vitória Gabrielly Guimarães, de 12 anos, assassinada no interior paulista

Por Rosana Guimarães
Atualizado em 4 jun 2024, 16h42 - Publicado em 29 jun 2018, 06h00

Nos oito dias de desaparecimento da Vitória, nós nos mobilizamos nas buscas por ela. Quando veio a notícia de que tinham encontrado um corpo em decomposição, não havia ainda a certeza de que era minha filha. Mas foram surgindo detalhes. Ela estava com os patins e a roupinha que usava na última vez em que foi vista. Em casa, as pessoas me abraçavam e davam pêsames. Mas eu não acreditava que aquele corpo fosse da Vitória. Não podia ser. Ela entraria pela porta sorridente, e eu saberia que estava viva. No auge da dor, eu me tranquei no banheiro. Foi o único espaço da casa em que podia respirar e absorver os detalhes horrorosos. Não dormi nem comi nesses oito dias. A gente nunca quer pensar o pior, nunca.

Nosso último dia foi normal. Ela acordou às 6 da manhã, tomou café, me deu um beijo e foi para a aula com meu cunhado e minha sobrinha. Não tive aperto no coração, nada. Ela apenas saiu pela porta e não voltou mais. Depois que a Vitória sumiu, as pessoas diziam que ela havia fugido com um namoradinho. Minha maior dificuldade é provar que minha filha tinha boa índole. Ela era linda, inteligente, dedicada aos estudos. Gostava de dormir de conchinha comigo. Nunca pensou nessas coisas de namoro: brincava de boneca, fazia parte da turma de dança da igreja, tinha uma educação com princípios.

É difícil, mas creio que ela está bem, morando com Cristo. Sou evangélica, confio na palavra de Deus. Nosso corpo é só matéria, e estamos aqui de passagem. Isso é que me dá forças. Não consigo imaginá-la sob uma lápide. Ela está num lugar lindo, onde não existem as maldades que fizeram aqui. Fui criticada por não ter ido ao enterro. Não consegui. Eu não queria ver um caixão lacrado sendo coberto de terra. Minha filha não está ali, ela está lá em cima. Eu estava orando na praça quando Deus disse que a Vitória voltaria no sábado de manhã. Ela apareceu, mas infelizmente não da forma que eu tanto pedi. Mas é mil vezes melhor que seja assim do que ter uma filha desaparecida sem saber o que aconteceu com ela. Foi uma monstruosidade, sim. Mas só de saber que ela não foi violentada já me sinto aliviada.

Quando a Vitória desapareceu, me disseram que era uma coisa normal. Falavam: “Somem mais de 450 crian­ças por dia”. Pode até ser, porém a Vitória tem mãe. Agora, não tenho mais a Vitória. Mas estou em paz. Ela é a minha filha e vai estar comigo todos os dias no meu coração. Se eu viver por mais 100 anos, vou me lembrar dela por mais 100 anos. Sempre serei a mãe dela.

O que mais me dói são as críticas. As pessoas são más: o que postam na internet é repugnante. Dizem que não fui boa mãe por deixá-la andar de patins na rua. No período em que ela estava sumida, ainda teve uma pessoa que ligava para nós, mandava mensagens dizendo que estava com a minha filha, que o chefe mandou matá-la, que era uma vingança. Sempre entrava em contradição, e eu não acreditava naquilo. A polícia sabia, e desde o começo percebeu que não era verdade. Eu quero justiça. Não sei quem é essa pessoa, mas quero que ela seja pega e responda pelas ameaças e mentiras que escreveu no telefone.

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Agora estão dizendo que minha filha foi confundida com outra Vitória, que foi morta para vingar uma dívida de tráfico do irmão dessa outra menina. A cidade é pequena, eu já vi essa outra Vitória, mas não a conhecia de ter amizade com os pais dela. Se foi isso mesmo, a polícia tem de ir atrás. Claro que quero saber quem foi culpado pela morte da minha filha, mas isso não é trabalho meu. Movi mundos por ela, tudo o que estava ao meu alcance para encontrar minha filha, eu fiz. Agora, ainda quero respostas, mas não sou eu que vou atrás delas.

Depoimento colhido por Eduardo F. Filho

Publicado em VEJA de 4 de julho de 2018, edição nº 2589

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