“Eles querem f… o PMDB!”
VEJA teve acesso a novas conversas gravadas entre os delatores da JBS no período em que eles negociavam a colaboração premiada
Há três semanas, VEJA revelou em primeira mão o conteúdo da gravação que resultou no cancelamento do acordo de delação dos executivos da JBS. Nela, Joesley Batista e Ricardo Saud, diretor de relações institucionais do grupo, conversam sobre detalhes do acordo que, àquela altura, estava prestes a ser formalizado. As conversas sugeriam que a negociação contara com a orientação de um assessor do procurador Rodrigo Janot, que determinou uma investigação sobre o caso, pediu a prisão do seu antigo assessor e suspendeu os benefícios dos delatores. Nos próximos dias, o Supremo Tribunal Federal decidirá se as provas apresentadas pela JBS na vigência do acordo continuam válidas, entre elas um diálogo que compromete o presidente Michel Temer e outro que alveja o senador Aécio Neves. Agora, novas gravações obtidas por VEJA prometem acirrar ainda mais esse debate.
O áudio que provocou a reviravolta no caso foi entregue acidentalmente à PGR pelos executivos da JBS. Mas não foi apenas um — foram quatro. VEJA teve acesso a todos. São gravações de conversas entre os próprios executivos da empresa. Na principal delas, Joesley e Saud haviam acabado de deixar a sede da PGR, onde se reuniram para mais uma rodada de negociações. No caminho para o aeroporto, eles conversam com Francisco de Assis e Silva, o diretor jurídico do grupo, sobre as impressões captadas na reunião. Fica claro que já tinham apresentado os diálogos demolidores com Temer e Aécio.
“Achei que ganhamos eles”, diz Saud. “Nós só temos um risco”, pondera Assis e Silva. “O compromisso político do Janot com o Temer”, completa Silva, dando a entender que havia alguma aliança entre o procurador e o presidente. Saud adverte: “Mas não tem (o risco) com o Aécio (…). Nós temos as duas opções. Ele não pode se dar bem com o PSDB e o PMDB”, completa, sugerindo que Janot não teria condições de proteger tucanos e peemedebistas simultaneamente. O diretor jurídico então conclui: “Eles (os procuradores) querem f… o PMDB”.
Na conversa, que dura 25 minutos, Joesley diz-se aliviado, jacta-se de sua capacidade de corromper os outros e vê chances reais de escapar da prisão e ainda fazer bons negócios. “Vou fechar essa p… no dia 15 de março. A gente vaza e faz filing SEC e faz IPO”, diz. Joesley refere-se à abertura de capital da JBS Foods International, subsidiária da JBS nos Estados Unidos, e ao registro da empresa na Securities and Exchange Commision (SEC), xerife do mercado de capitais americano, equivalente à CVM no Brasil. Com essa operação, o empresário esperava captar recursos com investidores estrangeiros para acelerar a expansão de seus negócios e ampliar sua fortuna antes que sua delação atropelasse os planos da empresa. Ele prevê uma mudança radical em sua vida: “Com essa história aqui, nós não vamos fazer rolo mais nunca”. Saud concorda: “Vai (sic) sumir os vagabundo (sic) tudo da gente (…). Nós nunca mais vamos ganhar a vida fazendo rolo”. Depois desse vaticínio, eles voltam a falar da desconfiança em relação às intenções do procurador Rodrigo Janot.
O diretor jurídico é quem puxa o assunto: “O único risco que nós temos é o compromisso político do Janot”. Joesley Batista minimiza: “Eu acho que isso não existe. Por um motivo simples: para mim, o Janot quer ou ele ser o presidente da República, ou ele indicar quem vai ser”. Saud, o lobista da empresa, vai além: “Eu acho que ele quer derrubar, Francisco, o… Você não viu o Pelella (Eduardo Pelella, então chefe de gabinete do procurador-geral) falando comigo ali na frente? Aí falei: ‘Você continua?’. Ele falou: ‘Não… mas independente de quem vai ficar…’. Falei: ‘Não, não’. Aí ele falou: ‘É muito difícil, a gente não vai conseguir fazer o… É até bom que eu vou embora para casa’ ”. Joesley, depois, clareia o significado da conversa: “Se ele (Janot) derrubar o Temer e botar um presidente dele, aí ele passa a mandar não só no presidente, como na Procuradoria”.
Além de conseguirem a imunidade total, Joesley, Saud e Assis e Silva avaliaram que, com a delação, iriam “quebrar” a aliança que existia entre o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e o doleiro do PMDB, Lúcio Funaro. Sugerem ter o controle sobre as ações do doleiro — o que parece provável. “No momento certo temos que dar o sinal para o Lúcio pular dentro. Aí ele fecha a tampa”, diz Assis e Silva. Lúcio Funaro assinou acordo de delação em 22 de agosto e acusou Temer e a cúpula do PMDB de corrupção.
Defesa
Em nota, a J&F, empresa que controla a JBS, afirma que os áudios sigilosos obtidos por VEJA não foram entregues acidentalmente ao Ministério Público e diz que eles já estavam sob a guarda do ministro Edson Fachin e haviam sido considerados quando o acordo de delação dos executivos da JBS foi homologado. “Diferentemente do que foi publicado por VEJA, os áudios a que se refere o texto desta sexta-feira (29/9) intitulado ‘Eles querem f… o PMDB!’ não foram entregues ‘acidentalmente’ à PGR pelos executivos da JBS, nem são mais recentes que os demais já divulgados. Na verdade, tais gravações já haviam sido recuperadas dos aparelhos entregues há meses por Joesley Batista à Polícia Federal, e estavam com sigilo decretado pelo STF por se tratarem de diálogos entre advogados e clientes”.
Com reportagem de Laryssa Borges e Robson Bonin
Publicado em VEJA de 4 de outubro de 2017, edição nº2550