Filho de peixe…
Cabral, Cunha e Picciani podem estar presos, mas seus herdeiros seguem na ativa: são candidatos a uma vaga na Câmara dos Deputados
Quando a Lava-Jato se abateu sobre o Rio de Janeiro, os três nomes mais poderosos da política fluminense, dominada durante doze anos pelo agora MDB, caíram em desgraça. O deputado estadual Jorge Picciani, presidente da Assembleia e cacique político que mandava e desmandava na máquina, passou uma temporada na cadeia e hoje, doente, cumpre prisão domiciliar. O ex-deputado federal Eduardo Cunha, que aliciou uma bancada de fiéis aliados, chegou à presidência da Câmara e pôs em marcha o impeachment de Dilma Rousseff, amarga uma pena de quase quarenta anos de prisão (por enquanto) em Curitiba. O ex-governador Sérgio Cabral, campeão nacional das propinas, vê o sol nascer quadrado em um presídio do Rio, com mais de 100 anos de condenação nas costas. Mas nada como um dia depois do outro. Nas eleições que se aproximam, Picciani, Cunha e Cabral estão na lista de candidatos a deputado federal, representados pelos respectivos herdeiros.
O MDB fluminense não é mais o que foi. Encolheu de oito para três deputados federais, perdeu quatro dos quinze estaduais e nem sequer apresentou candidato ao Senado ou ao governo — apoia Eduardo Paes, do DEM. Mas ainda dispõe de muita influência, que Leonardo Picciani, de 38 anos, ex-ministro do Esporte e veterano de quatro mandatos federais, tenta reverter em seu benefício. Ele herdou do pai a presidência regional do MDB. O primeiro vice-presidente é Marco Antônio Cabral, de 27 anos, que está encerrando sua primeira passagem pela Câmara. Publicitária sem experiência política, Danielle Cunha, de 31 anos, também anunciou sua candidatura. Correndo por fora, a filha de Anthony Garotinho, Clarissa, de 36 anos, vai concorrer ao segundo mandato federal sem se descolar do pai, condenado por improbidade administrativa e com os direitos políticos suspensos por oito anos — mesmo assim, pré-candidato ao governo do Rio. Nenhum dos dois é do MDB. Clarissa filiou-se ao Pros, Garotinho concorre pelo PRP. O partido da filha não vai apoiar o pai — mas ela, sim. “Meu pai não tem conta no exterior, não tem helicóptero. Tenho orgulho do meu sobrenome”, disse a VEJA.
Picciani, o jovem, tem justamente no sobrenome a senha de acesso à rede de apoiadores cultivada durante décadas por Picciani, o velho, e entranhada na política estadual. Na eleição de 2016, o então PMDB fez o maior número de prefeitos no estado, dezenove, seguido de perto por seu aliado PP, com dezoito, uma valiosa congregação de cabos eleitorais que o filho do cacique quer cooptar. No comando do diretório que herdou, Picciani, o jovem, tenta impedir que se esgarce a teia de poder que o pai teceu apelando para um sistema que se pretende menos autocrático. “Acabou a ordem unida”, garante. E defende o pai: “Não há provas contra ele”. Apesar do empenho para impedir o desgaste da família e do partido, é pouco provável que Picciani, o jovem, repita o áureo 2014, quando foi o quinto mais votado no Rio, surfando em uma campanha de 3,5 milhões de reais — oficiais.
Cabralzinho entra na disputa um tanto desguarnecido de apoios, visto que seu pai nunca foi de cultivar alianças pessoalmente. Seu talento, mesmo, era amealhar numerário, inclusive para a campanha do herdeiro em 2014, que custou astronômicos 6,8 milhões de reais — oficiais. A jornada atual do jovem em busca de votos tem sido discreta, centrada na periferia do Rio e no interior. Ao contrário do que ocorria no passado, há escassez de candidatos a deputado estadual para fazer dobradinha. No material que publica no Instagram, “Marco Antônio” aparece em letras maiores do que “Cabral”. Admite que o pai cometeu erros (“Ele não é santo”, disse a VEJA), mas relativiza: sua maior fraqueza, afirma, foi ter se envolvido “com as pessoas erradas”. Reclama das penas pesadas aplicadas ao pai e exalta suas obras. Na Câmara, apresentou um projeto de lei para facilitar a redução de pena de presos condenados, a pretexto de reformar o sistema carcerário “medieval”.
Estreante na política, Danielle, a filha ungida para ocupar o lugar de Cunha em Brasília, é, entre eles, a que carrega a herança mais pesada. Políticos que se elegeram por influência de Cunha tentam ao máximo esconder sua ligação com o ex-presidente da Câmara, transformado em pária desde a prisão. Herdeiro da Rádio Melodia, tradicional palanque de políticos evangélicos, o deputado estadual Fábio Silva (DEM), por exemplo, diz que não vai dividir faixas, panfletos e microfones com Danielle. A igreja dos Cunha, vertente da Assembleia de Deus em cujo púlpito o ex-deputado tinha lugar cativo, também reluta em lhe manifestar apoio. Mas Danielle segue em frente. Afinal, na ordem da velha política, não se deixa lugar vago. Vão-se os pais, ficam os filhos.
Publicado em VEJA de 15 de agosto de 2018, edição nº 2595