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Louco por matemática

A mais exata das ciências é sexy, divertida e vital para desvendar os grandes enigmas da humanidade. O gênio pop Cédric Villani assina embaixo 

Por Monica Weinberg Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Maria Clara Vieira Atualizado em 4 jun 2024, 17h48 - Publicado em 3 ago 2018, 07h00

Reconhecido como um dos grandes matemáticos de seu tempo, o francês André Weil (1906-1998), dono de produção intensa e verve afiada, comparava o momento em que lhe vinha a solução de um problema ao prazer sexual. E adicionava ao raciocínio um adendo superlativo: “Só que neste caso ele dura horas, até dias”. Germinada na Antiguidade e elevada às alturas pelos cérebros pós-renascentistas, a matemática é uma ciência na qual se navega quase sempre no escuro, sem nenhuma garantia de resolução dos grandes enigmas que ela impõe. Quando um é solucionado — ah, que prazer —, tudo pode mudar.

Pessoas de diferentes épocas mergulharam nesse território de alta abstração para desvendar o mundo concreto. Com escassez de ferramentas, o grego Eratóstenes (276-194 a.C.) aventurou-se no primeiro cálculo da circunferência da Terra. No século XVII, o astrônomo francês Jean Richer observou que um pêndulo balançava ligeiramente mais devagar em Caiena, na Guiana Francesa, do que em Paris e… eureca! Ali estava a base para que o inglês Isaac Newton deduzisse que a Terra é um tantinho achatada nas extremidades polares. No começo do século XX, a matemática empurrou o genial Albert Einstein na formulação de sua teoria sobre a existência dos átomos.

Trata-se de um terreno em que o fervor criativo da juventude pode suprir experiência e técnica. Portanto, faz sentido que a medalha Fields, o Nobel da área, seja concedida até os 40 anos, faixa em que algumas mentes brilhantes já conseguiram abrir novas portas para o saber. É o caso do francês Cédric Villani, de 44 anos, laureado aos 37 e certamente o mais pop do seleto grupo de sessenta medalhistas formado a partir de 1936. Apelidado de “Lady Gaga da matemática”, Villani tem visual inconfundível — lenço de seda no lugar da gravata, relógio de bolso e um broche em formato de aranha preso ora na lapela, ora no cabelo desalinhado — e um modo de falar da matemática que conversa com a maioria dos terráqueos. Professor e deputado da Assembleia Nacional francesa, ele está no Rio de Janeiro para participar do Congresso Internacional de Matemáticos. Sem a aranha e com um convencional suéter de gola rolê, Villani falou a VEJA.

A matemática é sexy? Ela mexe com dois fatores bastante atraentes — surpresa e poder. Um dia você se vê na escuridão, angustiado com um problema. De repente, acha a resposta e sua aventura intelectual é premiada. O poder está na possibilidade que a matemática dá de se encontrarem soluções universais para grandes questões que mobilizam a humanidade.

O senhor pode citar exemplos de algumas dessas questões? Todas as empresas de tecnologia do Vale do Silício estão fincadas sobre algoritmos. Através deles, também é possível descobrir padrões de propagação das fake news — área, aliás, em que há muito que avançar. A matemática tem sido usada ainda no desenvolvimento de programas de inteligência artificial que tentam reproduzir o aprendizado humano.

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Se a matemática é tão atraente, por que é detestada nas escolas? Prevalece a ideia de que o aluno precisa dominar a técnica para depois aplicá-la. E dá-lhe regras chatas, maçantes, sem sentido evidente. Pense numa criança que quer aprender a pintar: ela precisa saber segurar um pincel e entender da nuance das cores, é claro, mas só desenvolverá mesmo suas habilidades pintando. Não compreendo por que com a matemática não é assim.

Como romper o marasmo das aulas? Lição número 1: a rigidez das regras ensinadas na escola é a morte da matemática. As crianças precisam entender o sentido do que estão fazendo e ser incentivadas a procurar as respostas de enigmas à base de criatividade, como vemos nas histórias de Hercule Poirot e Sherlock Holmes.

Viver da matemática é divertido? A frustração é o pão de cada dia do matemático. Não há um só dia em que eu não experimente um pouco desse sentimento. Mas é justamente o sofrimento que torna o momento eureca mais pleno. Pode acontecer em qualquer lugar. Uma vez me deu o clique em uma viagem de trem entre Lyon e Paris. Comecei a escrever feito louco, pondo a ideia no papel para que não escapasse.

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Cite um matemático por quem nutre especial admiração. Johann Gauss (alemão, 1777-1855) com certeza está entre os grandes. A cha­mada Curva de Gauss é definida como a suprema curva da irracionalidade. Ela ajuda a descrever o mundo à nossa volta, mostrando que até mesmo fenômenos aleatórios, como a frenética movimentação dos átomos, são regidos por certas leis. É sublime.

Matemática combina com religião? Curiosamente, a proporção de matemáticos que acreditam em Deus é maior do que em outros campos científicos. A matemática vive da busca pelas regras máximas, e nisso há alguma espiritualidade. Sou agnóstico.

O que explica o fato de a França ser o país número 1 de medalhas Fields per capita? Há quatro coisas que os franceses fazem muito bem: amor, vinho, reclamação e matemática. O apreço pela ciência tem a ver com uma cultura que historicamente valoriza o universalismo e a abstração.

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Por que o senhor decidiu entrar para a política? Depois da medalha Fields, ganhei status de celebridade e Macron (presidente francês) me convenceu a tentar uma vaga no Parlamento. A matemática precisa entrar na pauta: o líder que não olhar para ela terá uma política fraca. Organizei um jantar no Palácio do Eliseu com especialistas do mundo todo. Macron não é matemático, mas entende sua importância sob o prisma da filosofia e da política.

O senhor gosta do apelido “Lady Gaga da matemática”? Não me incomoda em nada. Acho engraçado.


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Esquadrão de gênios invade a Guanabara

Louco por matemática
NO PANTEÃO –  Os medalhistas Fields 2018 (da esq. para a dir.): Birkar, Figalli, Scholze e Venkatesh (Marcos Michael/VEJA)

Desde a quarta-feira 1º, o Rio de Janeiro é o centro das atenções do mun­do da matemática. A cidade sedia o prestigiado Congresso Internacional de Matemáticos (ICM, na sigla em inglês), que ocorre a cada quatro anos. Pela primeira vez, o evento, criado em 1897, será realizado na América Latina — um feito e tanto para o Brasil, tradicionalmente mal colocado nos rankings de desempenho escolar na disciplina. Apesar da nota vermelha nas salas de aula, o país vem registrando tremendo progresso no rarefeito olimpo da matemática avançada e acaba de ser admitido no grupo de elite da União Matemática Internacional, ao lado de Alemanha, China, Estados Unidos, França e Rússia, entre outras nações. “Em termos de pesquisa científica, inexistente no país até os anos 1950, nós saímos da base para o topo em pouquíssimo tempo. Isso ajudou na escolha da sede deste ano”, diz Marcelo Viana, organizador do congresso e diretor do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), mola propulsora do salto brasileiro para a estratosfera científica.

As 1 200 palestras e demais atividades do ICM atraem 2 800 especialistas ao Rio, entre eles doze ganhadores do equivalente ao Nobel da matemática, a medalha Fields, que o carioca Artur Avila, em conquista sem precedentes no país, pendurou no peito em 2014, em Seul. A cada congresso, quatro matemáticos são chamados ao palco, no dia da abertura, para receber a honraria. Neste ano as medalhas foram para Alessio Figalli, de 34 anos, italiano especialista em equações diferenciais que dá aulas na renomada Escola Técnica Federal de Zurique; Akshay Venkatesh, de 36 anos, indiano criado na Austrália que obteve seu Ph.D. aos 20 anos e trabalha com a teoria dos números no MIT; o alemão Peter Scholze, de 30 anos, especialista em geometria algébrica aritmética, que aos 24 se tornou professor titular da Universidade de Bonn; e Caucher Birkar, de 40 anos, iraniano radicado na Inglaterra que pesquisa geometria algébrica. Detalhe triste: Birkar teve meia hora para curtir sua Fields. A pasta com carteira, celular e a medalha, deixada sobre uma mesa, foi roubada. Recuperada, só continha o celular. Mesmo em seu momento de cidade de gênios, o Rio continua sendo o Rio.

Publicado em VEJA de 8 de agosto de 2018, edição nº 2594

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