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Matemática é coisa de meninas

O projeto tocado pela física Lilah Fialho em escolas do Distrito Federal quer tirar da cabeça delas a ideia de que eles são melhores em ciências exatas

Por Maria Clara Vieira Atualizado em 4 jun 2024, 17h40 - Publicado em 17 ago 2018, 07h00
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  • Amalie Emmy Noether nasceu em 1882 em uma família judia no Estado da Baviera, na Alemanha. Apaixonada por números, aos 18 anos ela cismou de ingressar na faculdade de matemática — que não aceitava mulheres. Graças à influência do pai, professor da Universidade de Erlangen-Nuremberg, a jovem conseguiu entrar e se tornar a segunda mulher da história a obter um diploma na disciplina. Depois de formada, chegou a adotar um pseudônimo masculino em alguns trabalhos. Emmy viria a ser uma das cientistas mais renomadas de seu tempo. Albert Einstein usou suas pesquisas para formular parte da teoria da relatividade e a considerava “o maior gênio matemático desde que as mulheres conquistaram acesso à educação superior”.

    Mais de um século depois, outra estudante — esta de física —, a brasiliense Lilah Fialho, 26 anos, demorou a saber que as teorias que aprendia e admirava eram criação de uma mulher. “Quase todos os autores do meu curso eram homens. Só me dei conta quando um professor usou o pronome ‘ela’ para se referir a E. Noether”, diz. Desde então, a matemática alemã se tornou sua maior inspiração, primeiro para dar aulas, depois para montar, com a também física Érica Oliveira, o projeto A Menina que Calculava, aplicado a todas as séries em escolas públicas do Distrito Federal. O objetivo é romper o “complexo de inferioridade” das meninas no que se refere às ciências exatas.

    Fundado em 2017, gratuito e tocado por voluntárias, o projeto oferece monitoria de matemática, física e química. Em três semestres, já atendeu mais de 300 alunas em catorze escolas, envolvendo mais de 100 monitoras, em geral estudantes de graduação na área de exatas. Lilah deixou de dar aulas e passou a ser administradora do A Menina que Calculava. É ela quem recebe inscrições de monitoras e escolas, divulga a iniciativa e coordena agendas. “A Lilah é extremamente organizada, focada e pragmática. Também põe a mão na massa no que for preciso. Brinco que quero ser como ela quando crescer”, elogia Érica.=

    “É gratificante ver o ‘eureca’ nos olhos delas quando chegam à solução de um problema”, diz a física

    Diretores e professores de escolas onde o projeto é aplicado afirmam que seus efeitos são visíveis, tanto na sala de aula quanto nos boletins. Gabrielle Gomes, vice-diretora da Escola Classe 407, na Asa Norte de Brasília, relata que, quando entra na sala para avisar as alunas inscritas de que a monitoria vai começar, é recebida com grande empolgação. “Elas estão pegando gosto pela matéria”, diz. Ana Paula Prudente, professora de uma das turmas atendidas, comemora os resultados: “Percebo que as meninas se sentem especiais. Voltam para a sala muito motivadas, e isso se reflete nas suas notas”.

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    O nome da iniciativa, dado por Lilah, vem do livro O Homem que Calculava, de Malba Tahan, clássico infantojuvenil sobre um calculista persa que apresenta problemas e curiosidades da matemática. “Foi um dos primeiros livros que li sobre o assunto e me marcou, porque não entendi nada”, conta Lilah. Nascida e criada no Distrito Federal, ela é filha de pedagogos e demorou para se render à vocação para as exatas. “Na hora de me preparar para o vestibular, optei pela física, porque queria lidar com números relacionados à natureza. Meus professores me desencorajavam, diziam que eu não teria futuro”, lembra Lilah, que faz doutorado na matéria e demonstra grande prazer em se debruçar sobre problemas quase insolúveis. “Sabe aquelas contas imensas que raramente serão necessárias na vida real? Adoro”, afirma.

    Lilah sempre sentiu na pele o desafio de ser mulher em uma área predominantemente masculina. Quando entrou na faculdade, havia oito meninas em uma turma de trinta alunos. “Aprendi a relevar brincadeiras inconvenientes, em nome da boa convivência. Muitas vezes eu era a única menina da classe, o que é muito desconfortável”, diz. “Sempre confiei no meu taco quando se tratava de matemática. Mas em diversas ocasiões fiquei insegura ao demonstrar meus cálculos ou resolver questões na frente da turma. Uma amiga, nesses momentos, teria feito toda a diferença”, avalia. Ela mesma nunca sofreu assédio, mas conta que ouviu relatos de várias colegas sobre problemas desse tipo. “Uma conhecida quase desistiu do doutorado porque foi assediada pelo orientador e não sabia a quem recorrer”, lembra.

    Embora 60% das graduações em 2015 no Brasil tenham sido de mulheres, nos cursos relacionados às ciências exatas e biológicas (farmácia, engenharias, biologia, matemática, medicina, física, química e ciência da computação, entre outros) a participação feminina não passa de 41% — e o índice permanece imutável desde 2000. Existem até pesquisas sobre a timidez feminina em relação a equações e números. Uma delas, publicada na revista Science, apresentava a garotas pequenas a frase “alguém que eu conheço é extremamente inteligente e capaz de resolver problemas mais rápido e melhor do que todo mundo”. Na faixa inferior de idade, até 5 anos, a possibilidade de relacionar a definição a um homem ou a uma mulher foi a mesma. A partir dos 7 anos, porém, detectou-se probabilidade 30% menor de associar a tal “pessoa brilhante” a uma mulher.

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    O projeto A Menina que Calculava é, para Lilah, um passo na direção de mudar essa situação, ao dar confiança às garotas e estimular sua iniciativa desde cedo. “É gratificante ver o ‘eureca’ nos olhos delas quando chegam à solução de um problema”, diz. “Nossa meta não é convencer as alunas a seguir carreira na área de exatas. Queremos principalmente que se sintam seguras para conferir e questionar o troco da padaria, por exemplo.” Junto com as voluntárias do projeto, Lilah promove agora uma ação ambiciosa: está treinando meninas para a Olimpíada Brasileira de Matemática.

    Publicado em VEJA de 22 de agosto de 2018, edição nº 2596

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