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Nenhuma invenção participou mais do cotidiano da humanidade no último meio século do que o computador — e o Brasil quase perdeu essa revolução

Por Sidclei Sobral Atualizado em 4 jun 2024, 17h39 - Publicado em 17 ago 2018, 07h00

As maiores transformações dos últimos cinquenta anos devem tudo, absolutamente tudo, à grande estrela tecnológica do século passado: o computador. Máquina alguma promoveu tantas mudanças em tão pouco tempo, inclusive em si mesma. Do colossal Mark I, criado em 1944 na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, com 16 metros de comprimento e 2,4 de altura, ao artefato do tamanho de um grão de sal lançado em março passado pela americana IBM, nenhuma invenção modificou, de forma tão radical, o modo como se recebe e transmite informação — e, com isso, a própria maneira de viver da humanidade. “Se a indústria automobilística tivesse se desenvolvido como a de computadores, um Rolls­Royce seria capaz de fazer 1 milhão de quilômetros com 1 litro de gasolina”, comentou o cientista inglês Christopher Evans, citado em uma reportagem de capa de VEJA dedicada ao tema, datada de 10 de junho de 1981.

Começava a nascer, então, uma extraordinária revolução. O seu principal mote: a transformação do computador em “eletrodoméstico”. Uma das figuras-chave dessa guinada espetacular foi um herói de aspecto frágil, ar de bom-moço e perfeccionismo a toda prova: o americano Steve Jobs (1955-2011). O cofundador da Apple — criada em 1976, com Steve Wozniak — ajudou a popularizar os computadores. Fez isso intuindo que havia no mercado espaço para a comercialização de micros totalmente montados, e não vendidos por peças, como era corrente na época. Em 1977, Jobs lançou o Apple II, com disco rígido interno, interface para cassete e saída NTSC (para televisão). Os demais fabricantes o imitaram. Dois anos depois, 1 milhão de residências americanas tinham um PC. Até o fim da década de 80, esse número seria multiplicado por vinte. “Muitas vezes, as pessoas não sabem o que querem até que alguém lhes mostre”, acreditava Jobs.

Em 1975, um ano antes de a Apple surgir, Bill Gates, outro protagonista dessa história, fundara a Microsoft. Ele começou adaptando softwares para os PCs e fez seu lance de mestre ao aprimorar o MS-DOS, licenciando-o para a IBM (o Windows, o sistema operacional mais usado no planeta, seria criado apenas em 1985). É verdade que, assim como Jobs, Gates não inventou uma tecnologia — só adaptou a já existente para o mercado. Contudo, ao fazê-­lo incorporou, da mesma forma que o astro da Apple, o papel de visionário da era que se iniciava.

O Brasil patinou para ingressar nesse novo tempo de transformações. Em parte, devido ao preço salgado dos micros — em 1980, o mais barato saía por 200 000 cruzeiros (ou 26 000 reais), enquanto nos EUA, onde a renda média dos cidadãos era quinze vezes maior, a IBM lançara seu último modelo a 1 565 dólares (ou 16 836 reais). Para estimular o desenvolvimento do setor, o general-presidente João Figueiredo aprovou, em 29 de outubro de 1984, a reserva de mercado da informática. Foi um tiro no pé. Ao impedir a entrada de companhias estrangeiras, a Lei Nº 7 232 faria com que o Brasil amargasse a rabeira tecnológica entre as nações de industrialização recente. No início da década de 90 tínhamos menos computadores por habitante que Argentina, México e Venezuela, e nossos micros custavam 80% mais que os ven­didos no exterior. Além disso, fabricantes nacionais enfrentavam problemas de fornecimento de peças, impostos elevados e a feroz concorrência do contrabando. Uma pesquisa feita naquela ocasião pelo jornal O Estado de S. Paulo revelou que sete em cada dez entrevistados haviam comprado seu PC de contrabandistas, uma indústria que gerava 1,8 bilhão de dólares ao ano.

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1981, 1995, 2011 – A evolução tecnológica na cobertura da revista (//VEJA)
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As consequências da reserva de mercado na área da informática foram sentidas em toda a sociedade. Só quatro em cada 100 hospitais no Brasil estavam equipados com computadores no atendimento aos pacientes. Apenas 0,5% das escolas oferecia micros aos alunos. “O isolamento tecnológico foi fatal para a economia brasileira”, declarou a VEJA em 1991 o então deputado federal Roberto Campos. “Se o prolongarmos, correremos o risco de ser riscados do mapa”, sentenciava ele. Não prolongamos. A lei caiu em 1991, revogada pelo presidente Fernando Collor de Mello.

Melhor para o Brasil, que, do contrário, poderia perder o ponto culminante da grande virada iniciada por Jobs e Gates: o fenômeno da internet, a rede mundial de computadores. Criada em 1969 pelo governo dos Estados Unidos para ligar laboratórios do país, a rede não tinha hierarquia nem centro de comando. Isso para que, no caso de um ataque soviético — vivia-se em plena Guerra Fria —, a comunicação entre os laboratórios não fosse afetada. A princípio, a internet incluiu apenas organizações governamentais e de pesquisa. Em 1985, seu uso comercial foi liberado. Aqui, isso só aconteceria dez anos mais tarde — porém ainda em tempo de pegarmos a onda. VEJA registrou o fato na edição de 1º de março de 1995, em que previa: “A rede planetária em que você ainda vai se plugar”. Na época, apenas 55 000 brasileiros estavam on-line, entretanto a web já interligava cerca de 40 milhões de pessoas em 100 nações — número que saltou para 1 bilhão em 2005 e para 3,2 bilhões uma década depois. A defasagem por aqui tinha explicação. A internet requeria um computador e uma linha telefônica. Em meados dos anos 1990, as duas coisas ainda estavam fora do alcance da maior parte dos brasileiros. As tarifas eram proibitivas, e conseguir uma conexão consistia em um tormento. Isso mudaria com as novas tecnologias, como a banda larga e o wi-fi, com a privatização das telefônicas e a chegada de grupos estrangeiros.

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Tacada certeira - Empregados na área de confraternização da Google (EUA): novo modelo de negócio (Kimberly White/Divulgação)
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Àquela altura, já no fim do século XX, empresas de tecnologia, como a Google, proliferavam e transformavam o modo de fazer negócios. À frente das startups, jovens empreendedores inovavam a etiqueta corporativa, trocando terno e gravata por jeans e camiseta e abrindo escritórios que mais pareciam clubes de veraneio. Também ignoravam os fundamentos básicos da economia. Para eles, o lucro era irrelevante. Suas empresas podiam estar no vermelho, mas valiam muito porque se acreditava que logo valeriam ainda mais. A bolha especulativa estouraria em meados de 2000, provocando um tsunami de falências e tirando um pouco do glamour da web.

Não por muito tempo. A rede de computadores se reergueu graças a duas invenções: a tecnologia móvel e as redes sociais. A primeira foi impulsionada com o lançamento, em 2007, do iPhone, mescla de micro com celular. A maior invenção de Steve Jobs possibilitou a popularização de aplicativos por meio dos quais os usuários tiram fotos, pagam contas, jogam games, assistem a vídeos, fazem compras, buscam informações — além de, naturalmente, comunicar-se.

Devido a essa facilidade, a mídia social converteu-se em uma força vigorosíssima — e onipresente. Em 5 de outubro de 2011, VEJA estampou o fenômeno na capa “A geração Facebook”. O texto abordava os mais de 800 milhões de pessoas que se socializavam através da rede criada pelo americano Mark Zuckerberg (hoje, são 2,2 bilhões). A ascensão do Facebook e das redes sociais marcou o início de outra nova era. Como se verá na reportagem a seguir, isso influenciou tudo, absolutamente tudo — para o bem e para o mal.

Publicado em VEJA de 22 de agosto de 2018, edição nº 2596

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