Nas rodas tucanas do Palácio dos Bandeirantes, uma anedota clássica retrata o modo Geraldo Alckmin de fazer política: em um encontro com José Sarney, num hangar de Brasília, durante a campanha presidencial de 2006, o então presidenciável ouviu do cacique peemedebista que o preço do apoio de seu partido na eleição era, pelo menos, de três ministérios. Alckmin desconversou, para não dizer um não categórico. E nunca mais tocou no assunto. Acreditava que, no último minuto, o partido de Sarney, isolado, saltaria no bote tucano por falta de opção, já que não havia consenso sobre aderir à coligação do PT de Lula. Alckmin escutou de seus assessores que deveria ter cedido a Sarney. “Primeiro você promete. Se vai cumprir, é outra história”, recomendou um correligionário experiente no fisiologismo. Lula ganhou e deu quatro pastas ao então PMDB, à época chefiado por Michel Temer.
Na sexta-feira 4, a história, ao menos simbolicamente, se repetiu. Temer ligou para Alckmin num gesto de aproximação, etapa que costuma preceder a clássica mordida emedebista. Em resposta, Temer recebeu o mesmo tratamento aéreo dispensado a Sarney. Repetindo a estratégia do passado, Alckmin não quer se comprometer na véspera. A diferença entre os dois episódios é que, hoje, MDB e PSDB estão, cada um a seu modo, afundando na Lava-Jato. Juntos ou separados, ambos são cada vez mais radioativos.
Os últimos golpes foram especialmente ruins. O jornal Folha de S.Paulo revelou que, em depoimento, um policial militar que trabalhava numa transportadora de valores informou ter feito duas entregas de dinheiro vivo no escritório de José Yunes, amigo íntimo e ex-assessor de Temer, entre 2013 e 2015. Somadas, as entregas teriam chegado a 1 milhão de reais. A secretária de Yunes, Shirley Gomes, também ouvida por policiais, disse ter dado um envelope “com peso de 2 a 3 quilos” a um emissário do doleiro Lúcio Funaro.
São informações nucleares. Elas reforçam a delação de Funaro, que afirmou ter usado o escritório do amigo presidencial como entreposto para pelo menos uma transação em dinheiro vivo. Yunes diz que foi “mula involuntária”, repassando um pacote cujo conteúdo jamais conheceu. Nos bastidores, sabe-se que Yunes aguardava a chegada de um mensageiro que levaria o dinheiro ao destinatário final — no caso, o ex-ministro Geddel Vieira Lima. Yunes não conhecia Lúcio Funaro e, ao ser informado de sua chegada, pensou que se tratasse de Lúcio Vieira Lima, irmão de Geddel.
Do lado tucano, há pedradas menores, mas potencialmente letais. Alckmin dorme diariamente com o barulho de uma possível delação de Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto. Ex-diretor da Dersa e apontado como operador do dinheiro ilícito que irrigou as campanhas de candidatos do PSDB nos anos 2006 e 2010, Paulo Preto está preso desde o início de abril na Penitenciária de Tremembé. Quem o conhece dos tempos mais amenos aposta que ele não demorará para fazer uma delação. Tucanos temem que, para vender mais caro seus relatos aos procuradores, Paulo Preto centre fogo em Alckmin. Embora os delatores das três empreiteiras clientes da Dersa (Odebrecht, Andrade Gutierrez e OAS) não tenham confessado repasses para as campanhas do presidenciável via Paulo Preto (mencionaram apenas o senador José Serra), alguns executivos relatam arrecadação ilícita para o PSDB de forma geral — dinheiro de propina cobrada sobre contratos da Dersa com as empresas. Ou seja, Paulo Preto pode saber se, na tramoia toda, houve alguma fatia destinada a Alckmin.
Da infância de engraxate à faculdade de engenharia, até virar assessor especial da Presidência da República no governo de Fernando Henrique Cardoso e diretor da Dersa, Paulo Preto foi, durante pelo menos uma década, o homem forte do tucanato sem nunca ter se filiado ao PSDB. Em depoimento prestado em maio de 2017, ele negou todas as acusações de delatores e afirmou que o máximo que fez para um político foi ter ajudado “na logística das campanhas” de Aloysio Nunes em 1994 e 1998, de quem é amigo há pelo menos 25 anos. No entanto, Paulo Preto não explicou aos procuradores como fez para converter seu salário de servidor de estatal em um saldo de fenomenais 113 milhões de reais depositados em quatro contas na Suíça das quais é beneficiário. Os extratos foram localizados pelo Ministério Público graças a um acordo de cooperação internacional — que a defesa de Paulo Preto diz ser ilegal.
No retrato de hoje, com ou sem a delação de um homem-bomba, o passivo moral que Alckmin e Temer acumulam dificilmente se converteria em ativo por força de uma aliança. Temer, com apenas 5% de aprovação, poderá render mais prejuízo do que lucro a quem dele se aproximar. Parte do PSDB reconhece o risco e, por isso, ainda titubeia quanto a uma aliança com o MDB. As tratativas foram iniciadas em São Paulo pelo ex-prefeito João Doria e pelo tucano José Aníbal. Doria, com sua interlocução diária com Temer, tenta costurar uma chapa com o MDB para o governo do estado — e, para inflar o bote, quer catapultá-la para uma aliança nacional entre os dois partidos. Já Aníbal, próximo de Temer e FHC, acredita que um casamento entre ambos seria a estratégia ideal para compor a chapa presidencial: tucanos entrariam com o candidato, emedebistas com o vice e aquela montanha de minutos no horário eleitoral na televisão. Mas falta consenso. Um dirigente tucano, que pede anonimato por ser contra esse rumo, classifica a ideia como um abraço de afogados. “Não adianta ter um tempo gigantesco de TV e só fruta podre para vender”, pondera.
A cúpula do PSDB vê no DEM de Rodrigo Maia um aliado mais coerente — os dois partidos formaram coligações em todos os pleitos presidenciais desde 1994. Tanto que, num gesto de aproximação, Alckmin foi à casa de Maia, em Brasília, na quarta-feira 9. No MDB, também não há consenso sobre apoiar os tucanos. A tese dominante é por uma aliança entre os partidos do “centrão” em torno de uma única candidatura, possivelmente de Henrique Meirelles, deixando os tucanos isolados. Seja como for, essa negociação toda se dá num ambiente de dolorosa penúria eleitoral: todos os pré-candidatos do PSDB, do MDB e do DEM não passam de um dígito nas pesquisas. São, juntos, a nanicolândia da sucessão.
A melhor notícia para Alckmin, no decorrer da semana, veio dos adversários. O ex-ministro Joaquim Barbosa, filiado ao PSB, finalmente decidiu que não vai ser candidato. Sua candidatura, a rigor, nunca existiu. Ele nunca se lançou, mas as pesquisas já lhe davam saborosos 10%. Quem convive com o ex-ministro já intuía sua desistência, porque ele não tinha, até ontem, nem assessor, nem ideia da estrutura de uma campanha, muito menos o rascunho de um plano de governo. Com sua desistência oficial, um pedaço do espólio de Joaquim Barbosa pode acabar no balaio de Alckmin. Outro que teve motivos para comemorar foi o presidenciável do PDT, Ciro Gomes, que vem tentando corrigir a imagem de destemperado e querendo diálogo com o “PIB” (veja a coluna de André Lahóz Mendonça de Barros, neste link). Ciro é um possível polo de atração de parte dos eleitores que cerravam fileira com o ex-ministro.
A cinco meses da eleição, o quebra-cabeça é de desnortear: tucanos, atingidos pela Lava-Jato, querem um aliado “limpinho”. Os emedebistas, também na lama, querem um candidato viável que aceite defender o legado de Temer, que chafurda nas pesquisas tanto eleitorais quanto de popularidade. E, juntos ou separados, querem a mercadoria que lhes é mais rara no feirão da política: eleitores.
Com Eduardo Gonçalves
Publicado em VEJA de 16 de maio de 2018, edição nº 2582