Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana
Continua após publicidade

O carrasco dos povos

A dicotomia entre nacionalismo e cosmopolitismo, presente na origem da Revolução Russa, repete-se com vigor um século depois

Por Duda Teixeira Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 6 out 2017, 06h01 - Publicado em 6 out 2017, 06h00
  • Seguir materia Seguindo materia
  • O nacionalismo é um dos sentimentos que mais têm acumulado força no mundo desde a crise financeira de 2008. Tanto o presidente Donald Trump, nos Estados Unidos, como Marine Le Pen, que chegou ao segundo turno na eleição deste ano na França, empolgam suas bases com o discurso de que seu país foi deixado para trás pelos demais e que uma mudança brusca é necessária. Esse mesmo pensamento estava presente na Rússia pré-revolucionária. Em seu texto Que Fazer?, de 1902, Vladimir Lenin dizia que os russos estavam atrasados em relação ao Ocidente e deveriam tomar a dianteira mundial. Ele queria, como Trump, devolver a grandeza à Rússia. “A solução que Lenin trazia para que seu país saísse da retaguarda e tomasse a vanguarda era adotar o comunismo, que Karl Marx apresentava como o último estágio da história humana”, diz a cientista política e antropóloga Liah Greenfeld, que nasceu na antiga União Soviética e é especialista em nacionalismo pela Universidade Boston, nos Estados Unidos. Além de nacionalista, Lenin também era um populista, de uma cepa parecida com a que viceja hoje. Nos primórdios de seu ativismo político, ele apoiou o movimento narodnik (algo como “populista”, em russo). Seus membros se exibiam como os únicos representantes legítimos do povo e faziam oposição à elite corrupta do império czarista.

    No desenrolar da Revolução Russa, as propostas de Lenin se chocaram com outros dois nacionalismos antagônicos. Um deles era o que existia na cabeça dos czares. Em lado oposto estavam os nacionalismos regionais. Os imperadores e seus asseclas se viam como representantes de toda a comunidade eslava, mas discriminavam os não ­russos. “Quanto mais adotavam o nacionalismo russo, mais eles excluíam (e em geral perseguiam) suas imensas populações não russas, como poloneses, georgianos, finlandeses e em especial os judeus”, escreveu Simon Sebag Montefiore no seu monumental Os Románov. Com a abdicação do czar Nicolau II, em março de 1917, a situação se inverteu. Na Polônia, na Geórgia, na Finlândia, na Sibéria e no Cáucaso pulularam movimentos autonomistas que, com grande apoio popular, pediam independência.

    A princípio, os bolcheviques de Lenin aplaudiam essas reivindicações como legítimo desejo dos povos na busca por liberdade, depois de séculos de opressão nas mãos dos Románov. Mas, quando o que sobrou do território do império russo ameaçou se esfacelar por completo, os bolcheviques descobriram a necessidade de reprimir os nacionalismos regionais. Se antes eles atacavam o império czarista pelo seu autoritarismo, uma vez no poder acabaram criando o próprio império — e os nacionalismos regionais voltaram a ser considerados uma ameaça. Eles eram tão perigosos quanto a oposição feita por outros grupos de esquerda ou pelas elites. Em novembro de 1917, logo depois da ascensão ao poder, os bolcheviques enviaram tropas para debelar o movimento independentista na Ucrânia. Em janeiro de 1918, criou-se o Exército Vermelho. Com exceção da Finlândia, cuja independência era impossível de evitar, os demais territórios foram recapturados. Nenhum aderiu voluntariamente à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, formada em 1922. Foram obrigados a isso.

    Com a morte de Lenin, em 1924, seu sucessor, Stalin, instituiu o dogma do “socialismo em um só país”, diluindo as pretensões cosmopolitas difundidas a partir de 1919 com a fundação da Internacional Comunista, ou Comintern, cuja missão seria levar a revolução para todo o mundo. Ou seja: exportar a luta de classes, que na visão dos bolcheviques suplantaria os movimentos nacionalistas em vários países. Não foi uma tarefa fácil, já que o nacionalismo estava enraizado na mentalidade dos povos. A ferramenta para tal fim seriam os partidos comunistas amestrados, que teriam de obedecer cegamente às ordens ditadas de Moscou. Na Alemanha, o Partido Comunista Alemão, criado em 1918, mediu forças com os sociais­-democratas e com os nazistas em três eleições no início dos anos 1930. Adolf Hitler nutria ódio pelos judeus e os identificava, a um só tempo, tanto com os comunistas quanto com os capitalistas internacionais. Com os comunistas e os sociais-democratas se atacando, os nazistas conseguiram votos suficientes em 1933 para alçar Hitler ao poder. Enquanto isso, Stalin tornara-se o carrasco dos povos soviéticos, promovendo deportações em massa e reprimindo seus líderes. Em 1935, por exemplo, depois de se reunir com delegados do Tadjiquistão e do Turcomenistão, muitos dos presentes, tacha­dos de “contrarrevolucionários”, foram torturados ou assassinados pela polícia secreta. Na Alemanha, a ideia de nação enterrou a noção de classes e detonou a II Guerra, em 1939. Desde então, o antagonismo entre nacionalismo e cosmopolitismo, uma das principais marcas da Revolução Russa, nunca mais abandonaria a política mundial.

    Publicado em VEJA de 11 de outubro de 2017, edição nº 2551

    Publicidade

    Publicidade
    Imagem do bloco

    4 Colunas 2 Conteúdo para assinantes

    Vejinhas Conteúdo para assinantes

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Black Friday

    A melhor notícia da Black Friday

    BLACK
    FRIDAY

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de 5,99/mês*

    ou
    BLACK
    FRIDAY
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

    a partir de 39,96/mês

    ou

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.