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O corpo pediu socorro

Izabella Camargo, 37 anos, jornalista e apresentadora que teve a síndrome de burnout

Por Izabella Camargo
Atualizado em 4 jun 2024, 16h15 - Publicado em 11 jan 2019, 07h00

Em 2015, ao me tornar apresentadora da previsão do tempo do Hora 1, nas madrugadas da Globo, senti os primeiros sintomas de uma doença que eu demoraria alguns anos para identificar e compreender. Devido ao novo horário de trabalho — antes, como repórter de rua, também entrava de madrugada, mas não às 3 da manhã —, não conseguia dormir o suficiente para a recuperação física e mental. Você pode até falar de pessoas que conseguem produzir apesar de dormir pouco. Mas nem todos são iguais. Fiz de tudo para atenuar o problema: meditação, florais, chá de camomila. Mudei-me de um apartamento no 3º andar para outro no 16º para minimizar os ruídos e o calor. Já tentou dormir às 18 horas quando faz calor? Passei a usar indutores de sono para dormir quanto antes e acordar às 2 horas. Eu ia do estado “dormindo” ao “produzindo freneticamente” em uma hora. Agia assim para que meu corpo não ficasse debilitado e eu compensasse isso comendo demais.

O ano de 2016 foi crítico. Passei por uma cirurgia vascular e entrei em depressão. Um psiquiatra me receitou antidepressivos. Mas como eu poderia entrar no ar apática e anestesiada? Eu fazia a maioria das entradas de improviso, não poderia estar “grogue” no ar. O médico me disse então que eu teria de produzir serotonina de alguma maneira. Sabe o que fiz? Passei a subir as escadas do meu prédio para auxiliar na produção desse neurotransmissor, que ajuda a regular as funções cerebrais. Funcionou por um tempo, mas depois tive problemas gastrointestinais e passei a ter alergia a tudo. Em julho passado, minha carga horária foi aumentada, e o corpo reagiu com episódios de taquicardia, enjoos, crises nervosas, choro constante. Até o dia em que pifei: no ar, não lembrava o nome da capital do Paraná, meu estado de origem! Nas redes sociais, uma espectadora questionou o que estava acontecendo. Só aí um psiquiatra deu o diagnóstico: eu tinha a síndrome de burnout.

Burnout não é uma simples fadiga. A síndrome se caracteriza pelo esgotamento físico e psicológico frequente. É quando suas defesas acabam após muitas tentativas de adaptação ao ambiente profissional. Se você está cansado, dorme no fim de semana. Mas como lidar com o acúmulo de exaustão? Percebi que muita gente teve problemas semelhantes, ainda que descritos com nomes diferentes. O padre Fábio de Melo passou por crises de pânico. O jornalista Ricardo Boechat teve um apagão no ar. Estou hoje comprometida com a conscientização de uma doença varrida para debaixo do tapete. Sofri muita incompreensão. Entre um sintoma e outro, levava laudos para meus chefes pedindo só uma mudança de horário. Voltei de uma licença médica e fui dispensada. Uma doença assim não é bem-vista nas empresas. Algumas preferem até dizer que o funcionário quebrou o pé a confirmar a síndrome. Outras pessoas que trabalharam comigo passam pela mesma situação, mas sofrem caladas, com medo de retaliações. Felizmente, hoje estou bem. Continuo em tratamento com medicamentos e terapias, mas sou capaz de recomeçar. Em dezembro, o ministro de Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, me convidou para integrar a equipe de comunicação do ministério.

Desde 2017, realizei uma série de entrevistas para responder a um questionamento que as pessoas me faziam na rua. Elas queriam saber o que estava acontecendo com o tempo, por sentirem que ele estava passando mais rápido. Essas conversas, que publicarei em livro, ajudaram a entender meu problema: a gente continua dispondo do mesmo número de horas, mas precisa fazer cada vez mais coisas. As entrevistas foram um modo de o universo dizer: “Pera lá, fofinha, estou avisando há muito tempo que seu ritmo de vida não está adequado”. Se seu corpo está pedindo socorro, ouça-o.

Depoimento dado a Sérgio Martins

Publicado em VEJA de 16 de janeiro de 2019, edição nº 2617

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