Em 2015, ao me tornar apresentadora da previsão do tempo do Hora 1, nas madrugadas da Globo, senti os primeiros sintomas de uma doença que eu demoraria alguns anos para identificar e compreender. Devido ao novo horário de trabalho — antes, como repórter de rua, também entrava de madrugada, mas não às 3 da manhã —, não conseguia dormir o suficiente para a recuperação física e mental. Você pode até falar de pessoas que conseguem produzir apesar de dormir pouco. Mas nem todos são iguais. Fiz de tudo para atenuar o problema: meditação, florais, chá de camomila. Mudei-me de um apartamento no 3º andar para outro no 16º para minimizar os ruídos e o calor. Já tentou dormir às 18 horas quando faz calor? Passei a usar indutores de sono para dormir quanto antes e acordar às 2 horas. Eu ia do estado “dormindo” ao “produzindo freneticamente” em uma hora. Agia assim para que meu corpo não ficasse debilitado e eu compensasse isso comendo demais.
O ano de 2016 foi crítico. Passei por uma cirurgia vascular e entrei em depressão. Um psiquiatra me receitou antidepressivos. Mas como eu poderia entrar no ar apática e anestesiada? Eu fazia a maioria das entradas de improviso, não poderia estar “grogue” no ar. O médico me disse então que eu teria de produzir serotonina de alguma maneira. Sabe o que fiz? Passei a subir as escadas do meu prédio para auxiliar na produção desse neurotransmissor, que ajuda a regular as funções cerebrais. Funcionou por um tempo, mas depois tive problemas gastrointestinais e passei a ter alergia a tudo. Em julho passado, minha carga horária foi aumentada, e o corpo reagiu com episódios de taquicardia, enjoos, crises nervosas, choro constante. Até o dia em que pifei: no ar, não lembrava o nome da capital do Paraná, meu estado de origem! Nas redes sociais, uma espectadora questionou o que estava acontecendo. Só aí um psiquiatra deu o diagnóstico: eu tinha a síndrome de burnout.
Burnout não é uma simples fadiga. A síndrome se caracteriza pelo esgotamento físico e psicológico frequente. É quando suas defesas acabam após muitas tentativas de adaptação ao ambiente profissional. Se você está cansado, dorme no fim de semana. Mas como lidar com o acúmulo de exaustão? Percebi que muita gente teve problemas semelhantes, ainda que descritos com nomes diferentes. O padre Fábio de Melo passou por crises de pânico. O jornalista Ricardo Boechat teve um apagão no ar. Estou hoje comprometida com a conscientização de uma doença varrida para debaixo do tapete. Sofri muita incompreensão. Entre um sintoma e outro, levava laudos para meus chefes pedindo só uma mudança de horário. Voltei de uma licença médica e fui dispensada. Uma doença assim não é bem-vista nas empresas. Algumas preferem até dizer que o funcionário quebrou o pé a confirmar a síndrome. Outras pessoas que trabalharam comigo passam pela mesma situação, mas sofrem caladas, com medo de retaliações. Felizmente, hoje estou bem. Continuo em tratamento com medicamentos e terapias, mas sou capaz de recomeçar. Em dezembro, o ministro de Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, me convidou para integrar a equipe de comunicação do ministério.
Desde 2017, realizei uma série de entrevistas para responder a um questionamento que as pessoas me faziam na rua. Elas queriam saber o que estava acontecendo com o tempo, por sentirem que ele estava passando mais rápido. Essas conversas, que publicarei em livro, ajudaram a entender meu problema: a gente continua dispondo do mesmo número de horas, mas precisa fazer cada vez mais coisas. As entrevistas foram um modo de o universo dizer: “Pera lá, fofinha, estou avisando há muito tempo que seu ritmo de vida não está adequado”. Se seu corpo está pedindo socorro, ouça-o.
Depoimento dado a Sérgio Martins
Publicado em VEJA de 16 de janeiro de 2019, edição nº 2617